12 Novembro 2024
O mundo caminha para aquecer 3,1 °C, o dobro do limite de 1,5 °C estipulado pelo Acordo de Paris. Veja os cenários.
A reportagem é de Isabel Seta, publicada por Agência Pública, 11-11-2024.
Nesta segunda-feira (11), tem início a 29ª Conferência do Clima da ONU, a COP29, primeiro marco de um calendário definido pelo secretário-executivo da Convenção do Clima da ONU, Simon Stiell, como “dois anos para salvar o mundo”. Considerando a intensificação das mudanças climáticas, esse é o tempo para os países mudarem a atual rota de aumento das emissões de gases do efeito estufa e conter o aquecimento global.
Neste ano se completam nove anos em que os países adotaram o Acordo de Paris, mas o ritmo de emissões ainda não diminuiu. Pelo contrário. No ano passado elas cresceram 1,3%, e 2024 muito provavelmente vai fechar como o ano mais quente do registro histórico – o primeiro com a temperatura média já superando 1,5 °C –, quebrando o recorde que era do ano passado.
Se os planos climáticos que estão hoje na mesa forem cumpridos em sua totalidade, o que depende de recursos, o planeta ainda pode chegar a um aumento de 2,6 °C ao longo deste século – um aquecimento catastrófico, nas palavras da ONU, e muito distante da meta de 1,5 °C estabelecida coletivamente por quase todos os países do mundo no Acordo de Paris, em 2015.
Para manter essa meta viva e, assim, evitar a piora da crise climática, as emissões precisam cair 42% até 2030 e 57% até 2050 – um corte sem precedentes, como aponta a ONU em seu último relatório. Tamanha queda exige metas mais ambiciosas e políticas efetivas que viabilizem a transição energética dos combustíveis fósseis para fontes renováveis em apenas algumas décadas.
É com este desafio que representantes de dezenas de governos se reúnem ao longo das próximas duas semanas em Baku, no Azerbaijão. Na mesa de negociação, está um debate crucial: quem vai pagar, e quanto, para que os países em desenvolvimento possam fazer suas ações de mitigação e adaptação.
A COP29 inaugura o ciclo de atualização das metas que cada país deve apresentar para cumprir o Acordo de Paris. Sem a realização de um evento oficial, o Brasil apresentou sua nova meta na última sexta-feira (8), pela qual se compromete a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% em 2035, na comparação com os níveis de 2005.
Enquanto isso, o limite de 1,5 °C parece cada vez mais distante. A reeleição do negacionista climático Donald Trump, que, em seu primeiro mandato, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, jogou um balde de água fria na comunidade climática. Mas a realidade já era desafiadora mesmo antes disso. As políticas em curso atualmente colocam o planeta no rumo de um aquecimento de 3,1 °C acima dos níveis pré-industriais.
Quanto mais quente, pior. Cada meio grau conta. Pode soar como pouca diferença – 1,5 °C, 2 °C, 3 °C –, mas imagine uma febre que eleve a temperatura do seu corpo dos saudáveis 36-37 °C para 38 °C. No caso do planeta, um aumento na temperatura média é ainda mais grave por bagunçar todo o interligado sistema terrestre.
“A cada meio grau a mais, o aumento dos extremos é exponencial”, resume o climatologista Carlos Nobre, um dos maiores especialistas do mundo em mudanças climáticas.
Por extremos, entenda tempestades mais fortes, secas mais severas, incêndios mais devastadores, ondas de calor mais intensas. Esses eventos implicam, na prática, sofrimento e morte de pessoas e animais, degradação de ecossistemas e bilhões de reais em prejuízos. Apenas entre 2021 e 2023, eventos climáticos extremos causaram na União Europeia uma perda de 162 bilhões de euros (mais de R$ 1 trilhão).
Um aquecimento acima de 2,5 °C seria diferente de tudo que a humanidade já viveu ao longo de seus milhares de anos na Terra. “Desde que o Homo sapiens existe, há uns 200 mil anos, desde que o Homo erectus existiu, há 2-3 milhões de anos, nunca tivemos uma temperatura mais alta do que essa”, explica Nobre.
Para explicar essas diferenças, a Agência Pública consultou pesquisas científicas e especialistas. Confira abaixo quais são os impactos estimados se a temperatura do planeta subir 1,5 °C, 2 °C e 3 °C em comparação com os níveis antes da Revolução Industrial.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que reúne a produção científica internacional de ponta, o oceano está aquecendo mais rápido do que em qualquer outro momento desde o final da última Idade do Gelo – há cerca de 10 mil anos. Já os glaciares estão diminuindo a um ritmo sem precedentes nos últimos 2 mil anos e a cobertura de gelo no Ártico é a menor do último milênio, acelerando o aumento do nível do mar.
De acordo com uma pesquisa da organização sem fins lucrativos Climate Central, a quantidade de gás carbônico já presente na atmosfera pode provocar um aumento de 1,9 metro no nível do mar ao longo dos próximos séculos. A análise aponta que, atualmente, cerca de 5,3% da população mundial vive em áreas que ficariam abaixo das linhas de maré alta.
O aumento na frequência e intensidade de eventos extremos – como enchentes, tempestades, incêndios florestais e secas – também está obrigando pessoas a procurar outros lugares para viver em seus países. Segundo o Centro Internacional de Monitoramento de Deslocamentos, eventos climáticos provocaram, em 2022, o recorde de 32 milhões de deslocamentos internos, um aumento de 41% na comparação com 14 anos antes.
Pesquisas arqueológicas e reconstruções climáticas de até 6 mil anos atrás mostram que, em geral, a humanidade viveu em um “nicho climático” de 13 °C de temperatura média do planeta e 1.000 milímetros anuais de precipitação média. De acordo com um estudo recente, com 1 °C já registrado de aquecimento, pelo menos 600 milhões de pessoas já se encontram fora desse “nicho climático”.
Além disso, uma em cada cinco crianças vive em áreas que enfrentam hoje pelo menos o dobro de dias extremamente quentes (acima de 35 °C) no ano na comparação com o que seus avós experienciaram há seis décadas.
Algumas regiões do Brasil registraram semanas com os termômetros acima dos 35-40 °C em 2023 e 2024. As ondas de calor já são uma realidade com consequências para a saúde humana, afetando principalmente idosos, crianças, pessoas que trabalham ao ar livre ou com doenças preexistentes.
Segundo um estudo do WRI (World Resources Institute), nas 996 cidades mais populosas do mundo (32 delas ficam no Brasil), a duração das ondas de calor passaria da média histórica de 14,2 dias para 16,3 dias por ano. Para a América Latina, o Oriente Médio e o norte da África, as ondas de calor podem chegar a durar até 25 dias por ano. Na média, as cidades enfrentarão quase cinco ondas de calor por ano e mais de 547 milhões de pessoas estarão expostas a 30 ou mais dias com temperaturas acima de 35 °C anualmente.
No geral, cerca de 14% da população mundial estaria exposta a calor severo pelo menos uma vez em cinco anos, conforme estudos reunidos pelo IPCC.
A duração média das ondas de calor passaria para 18,4 dias no ano e elas se tornariam ainda mais frequentes, chegando a 5,4 anualmente. Pelo menos 37% da população mundial ficaria exposta ao calor severo pelo menos uma vez a cada cinco anos.
O número de pessoas nas grandes cidades expostas a mais de 30 dias ao ano com temperaturas acima de 35 °C saltaria para 701 milhões. A cada ano, seriam 6,4 ondas de calor, e a duração média delas pode chegar a 24,5 dias.
O mesmo estudo do WRI analisou como o aumento de temperatura nas maiores cidades do mundo pode favorecer a propagação de arbovírus, que transmitem doenças como dengue, zika, chikungunya, entre outras. Na média, a diferença entre 1,5 °C e 3 °C implica um aumento de seis dias no período propício para infecções. Na América Latina, porém, a piora seria mais expressiva. Para 1,5 °C, esse período duraria 78 dias, chegando a 91 dias a 3 °C.
Os aumentos projetados nos danos diretos causados por inundações de rios são de 1,4 a 2 vezes maiores a 2 °C e de 2,5 a 3,9 vezes maiores a 3 °C, em comparação com um aquecimento global de 1,5 °C. Estimativas reunidas pelo IPCC apontam para um aumento de 120% a 400% na população afetada por inundações de rios para 2 °C e 4 °C de aquecimento, respectivamente.
Considerando eventos extremos em geral, estima-se que pessoas com menos de 10 anos de idade em 2020 podem vivenciar quatro vezes mais eventos extremos caso a temperatura aumente em 1,5 °C e cinco vezes mais em um cenário a 3 °C.
Pesquisa da Climate Central avaliou onde populações estão mais vulneráveis ao aumento do nível do mar, projetado para pelo menos 2,9 metros mesmo que a proposta do Acordo de Paris seja cumprida. Esse aumento se daria ao longo de séculos e afetaria áreas habitadas hoje por 510 milhões de pessoas – 5,7 milhões no Brasil.
A mesma análise aponta que o nível do mar subiria 4,7 metros ao longo de centenas de anos, ameaçando territórios ocupados hoje por mais de 600 milhões de pessoas.
Nesse cenário, a linha de maré alta estaria acima de áreas que, atualmente, abrigam 10% da população global. No Brasil, o aumento ultrapassaria áreas onde vivem hoje mais de 15 milhões de pessoas. Muitos dos pequenos países insulares poderiam desaparecer completamente.
Segundo o IPCC, o aquecimento do planeta já implica ameaças, para todas as regiões do planeta, de perdas e degradação da biodiversidade, além de danos e transformações em ecossistemas. Cada grau a mais na temperatura vai apenas escalar esses riscos.
Nos ecossistemas terrestres, de 3% a 14% das espécies podem enfrentar riscos muito altos de extinção. Pelo menos 6% das espécies de insetos, 8% das espécies de plantas e 4% das espécies de vertebrados perderiam mais da metade do seu alcance geográfico.
O número de espécies que perderiam mais da metade da sua atual distribuição geográfica dobraria, chegando a 18% para insetos, 16% para plantas e 8% para vertebrados. As espécies em risco muito alto de extinção ficariam entre 3% e 18%.
Nos ecossistemas terrestres, entre 3% e 29% das espécies estariam em risco muito alto de extinção.
Hábitats de centenas de espécies e cruciais para o equilíbrio dos ecossistemas marinhos, os recifes de coral já estão enfrentando episódios de morte em massa com o aumento da temperatura dos oceanos.
Entre 70% e 90% dos corais estariam expostos a eventos de mortandade em massa.
Os corais do mundo praticamente desapareceriam.
Se hoje a estimativa é que entre 1,5 bilhão e 2,5 bilhões de pessoas vivem em áreas expostas à escassez de água, a projeção é que esses números aumentem continuamente, chegando a 3 bilhões com 2 °C de aquecimento e 4 bilhões com 4°C.
Segundo o IPCC, os estudos globais projetam danos e riscos maiores em regiões áridas e tropicais, como o Brasil, nas quais as lavouras estão submetidas a mais estresse provocado pelo calor e por secas do que nas regiões temperadas.
A probabilidade de uma seca agrícola extrema (quando a umidade do solo é insuficiente para o crescimento dos cultivos) dobraria em grandes partes do norte da América do Sul, do Mediterrâneo, do oeste da China e na América do Norte. Já os custos de adaptação para os principais cultivos somam 60 bilhões de dólares.
A probabilidade de seca agrícola extrema aumentaria em 150% a 200% com a expansão das áreas afetadas. Uma pesquisa baseada em vários modelos hidrológicos projetou também um aumento de 370% da população global anualmente exposta a secas que inviabilizariam cultivos agrícolas. Os custos de adaptação chegariam a 80 bilhões de dólares.
Os custos de adaptação bateriam 128 bilhões de dólares.
Uma das regiões mais biodiversas do mundo, a Amazônia não está ameaçada apenas pelo aumento da temperatura global, que provoca secas e maior frequência de dias extremamente quentes na região, mas também pelo desmatamento e por queimadas.
No início deste ano, uma pesquisa liderada por pesquisadores brasileiros e publicada na revista Nature estimou que até 2050 de 10% a 47% da Amazônia poderia enfrentar uma redução substancial na cobertura florestal, afetando sua capacidade de absorver carbono e reciclar água – que, hoje, contribui para 50% das chuvas na região. Essas mudanças abruptas provocariam um colapso irreversível da floresta.
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COP do Clima: como os riscos e danos crescem a cada meio grau de aquecimento global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU