ONU lança o documento Pacto para o Futuro e aposta na multilateralidade para enfrentar os dilemas do presente

Evento realizado em Nova Iorque reuniu lideranças de entidades internacionais e chefes de estado para discutir soluções conjuntas para os principais problemas globais associados à questão social, ambiental e tecnológica

Mural do artista brasileiro Eduardo Kobra na ONU ilustra o mundo que o pai deixa para sua filha. | Foto: Frame do vídeo da ONU News.

Por: Cristina Guerini | 30 Setembro 2024

A fim de resgatar o multilateralismo do abismo e propor ações efetivas para concretização dos pilares que sustentam o trabalho das Nações Unidas – desenvolvimento, paz e segurança e direitos humanos – a entidade lançou o Pacto pelo Futuro. O documento lançado na Cúpula pelo Futuro, em Nova Iorque, EUA, inclui o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras. O compromisso foi ratificado por 193 países e o evento de lançamento antecedeu a 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU.

O Pacto tem 56 medidas que buscam enfrentar os maiores desafios do nosso tempo e acelerar o cumprimento dos 17 Objetivos dos Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos na Agenda 2030 para preservar o #NossoFuturoComum. Entre os temas abordados, estão desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, cooperação digital, direitos humanos, questão de gênero, juventude e gerações futuras, além da transformação da governança global.

Considerado pela ONU como o mais abrangente acordo internacional em décadas, a proposta foi construída durante anos, reunindo especialistas de diferentes áreas e países, cujo objetivo é resgatar a cooperação internacional para enfrentar os desafios de hoje e de amanhã. O foco do documento é, principalmente, governos e instituições internacionais que efetivamente se comprometam com as metas estabelecidas.

Cúpula pelo Clima na ONU (Foto: Loey Felipe | ONU)

Atravessar as encruzilhadas e buscar respostas

No discurso de abertura da Cúpula pelo Futuro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, destacou que o formato atual das instituições precisa ser repensado para dar conta das encruzilhadas sociais, políticas, ambientais e tecnológicas que as nações e entidades multilaterais – OEA, UE, OMC, OMS, entre outras – têm de encarar. “Não temos uma resposta global eficaz para ameaças emergentes, complexas e até mesmo existenciais”, constatou.

Para Guterres, “a crise climática está destruindo vidas, devastando comunidades e degradando economias” e que “todos nós sabemos qual é a solução – uma eliminação gradual e justa dos combustíveis fósseis – e, no entanto, as emissões ainda estão aumentando”. Ao comentar sobre as tecnologias, que em muitos casos prometem ser a tábua de salvação para os males civilizacionais, o secretário-geral da ONU falou sobre as dificuldades éticas que ainda enfrentamos. “As novas tecnologias, inclusive a IA, estão sendo desenvolvidas em um vácuo moral e legal, sem governança ou proteção”, alertou.

Transformações estruturais

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fez coro ao princípio da multilateralidade que sustenta o Pacto pelo Futuro, mas defendeu a necessidade de mudanças consistentes na forma como a entidade lida com o Sul global. O Pacto para o Futuro mostra-nos a “direção a seguir” e “trata de forma inédita temas importantes como a dívida de países em desenvolvimento e a tributação internacional. A criação de uma instância de diálogo entre Chefes de Estado e de Governo e líderes de instituições financeiras internacionais promete recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial”, destacou Lula.

“Precisamos de coragem e vontade política para mudar, criando hoje o amanhã que queremos. O melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governança capaz de responder de forma efetiva aos desafios que persistem e aos que surgirão”, complementou.

O futuro já chegou

As consequências dos eventos climáticos extremos já chegaram. Trata-se de uma questão do presente, não do futuro. Em maio passado, o Rio Grande do Sul, no extremo sul do Brasil, viveu sua maior tragédia socioambiental. Dos 497 municípios da unidade federativa, 418 foram atingidos e declararam Estado de Calamidade ou Emergência.

Dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA em julho de 2024 apontam que a mancha de impacto das enchentes e deslizamentos atingiu cerca 16.126 km², cobrindo 484 cidades no Estado. A pesquisa também estimou que 876,2 mil pessoas em 420,1 mil domicílios foram atingidas diretamente. Ao todo mais de 2 milhões de pessoas foram impactadas direta e indiretamente.

Enchente em maio de 2024, na capital do RS, Porto Alegre (Foto: Mauricio Tonetto | Secom/RS)

Desastre climático, tecnológico e ético

Foi precisamente o novo regime climático do planeta que contribuiu para o desastre ambiental e humanitário que assolou parte da população no sul do Brasil. A combinação de uma onda de calor em massa no Norte, Centro e Sudeste do país represou a massa de ar frio vinda do sul do continente e causou precipitações de chuva jamais vistas no Rio Grande do Sul. Entre os fatores que convergiram para o cenário está o aumento da temperatura do oceano Índico, na costa da África e o aquecimento em outros oceanos.

Na ocasião, o pesquisador e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, Paulo Artaxo, salientou que “A ONU estruturou os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS exatamente para evitar que nossa sociedade entre em colapso completo, como a atual trajetória está levando a gente a uma emergência climática sem precedentes”.

O drama das famílias diretamente atingidas pela cheia não foi suficiente para evitar uma enxurrada de notícias falsas, golpes e desinformação. Uma pesquisa encomendada pela Atlas/CNN apurou que seis em cada dez pessoas entrevistadas apontava que a circulação desses conteúdos falsos prejudicou ainda mais a crise para os gaúchos.

Arte que ilustra os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (Foto: Divulgação)

Nova era, novo mundo

O Pacto para o Futuro é mais que uma promessa, é um plano de ações que visa garantir que a Organização das Nações Unidas e outras entidades multilaterais possam atuar efetivamente na realidade para garantir um futuro melhor em um planeta habitável.

Superar esse desafio implica um verdadeiro compromisso das pessoas e dos entes competentes – Estado e mercado – com o futuro, encarando os desafios e as oportunidades que surgirão. É como diz Luiza Lucinda em um de seus poemas, “Sei que não dá para mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!”.

*Esta reportagem integra o Projeto Coalition for the UN We Need (C4UN).

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