04 Setembro 2024
O Tempo da Criação é uma época especial, quando podemos dedicar uma atenção especial para renovar nossa relação com Deus, nosso Criador, e com toda a criação, junto com a família cristã mundial.
A reflexão é de Christina Leaño, diretora associada do Movimento Laudato si’. O artigo foi publicado em National Catholic Reporter, 30-08-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eu amo os tempos na Igreja Católica. Eles são uma oportunidade para separar tempo e energia para focar em um aspecto particular da nossa fé cristã.
Ainda me lembro de quando eu era uma noviça cisterciense muitos anos atrás, quando minha mestra de noviças me convidou a acreditar que, no Natal, eu receberia qualquer graça que eu pedisse durante o tempo do Advento. Em algum lugar ao longo do processo de rezar fielmente, a oração foi correspondida, mesmo que não da maneira que eu esperava.
O Tempo da Criação é uma época especial, quando podemos dedicar uma atenção especial para renovar nossa relação com Deus, nosso Criador, e com toda a criação, junto com a família cristã mundial. Embora o Tempo da Criação não tenha (ainda) sido adotado oficialmente como um tempo litúrgico, tem surgido um ímpeto crescente entre os fiéis cristãos para abraçar esse tempo entre os dias 1º de setembro (o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação) e 4 de outubro (a festa de São Francisco de Assis) como um momento privilegiado para experimentar a graça da conversão ecológica por meio da oração e da ação.
Como alguém que faz parte da coordenação ecumênica global do Tempo da Criação desde o início daquela comissão inicial em 2015, posso atestar que esse tempo só pode ser guiado pelo Espírito. O que mais explicaria que algo que começou como um simples site e algumas chamadas pelo Skype (sim, antes do Zoom!) pudesse crescer e se tornar uma celebração mundial celebrada em tantos idiomas e países? (Veja aqui um livreto recente da oração do Tempo da Criação 2024 traduzido para 50 idiomas do sul da Ásia.)
Podemos confiar que, se vivermos este tempo profundamente, receberemos uma graça, talvez de conversão ecológica, não apenas para nós mesmos, mas também para o nosso mundo. Mas isso requer viver com intencionalidade e cuidado.
Esta série semanal é um convite para nos ajudar a viver juntos o Tempo da Criação com cuidado. Para isso, vou convidar você a fazer comigo uma caminhada terapêutica junto à natureza durante o Tempo da Criação.
Como compartilhado em um recente artigo [em inglês], eu passei recentemente por um treinamento como guia de terapia florestal pela Association of Forest and Nature Therapy (ANFT). Inspirada na prática japonesa de Shinrin-yoku, ou banho de floresta, a abordagem da ANFT é uma “Terapia Florestal Relacional” baseada no coração, que se concentra na reconstrução das relações com o mundo mais do que humano como base para a cura das pessoas e do planeta. O lema norteador é que “a floresta é a terapeuta, e o guia abre as portas”.
Eu descobri que a terapia florestal e a contemplação têm muitas semelhanças. Em uma caminhada terapêutica florestal ou junto à natureza, o objetivo não é uma caminhada tradicional na floresta para chegar a um destino específico ou para aprender o nome e o gênero de uma árvore. Eu gosto de fazer ambas as coisas, especialmente por ter trabalhado como guarda florestal (o melhor trabalho de todos).
No entanto, a intenção da caminhada terapêutica florestal é aprofundar a própria relação com o mundo mais do que humano e, ao longo desse processo, redescobrir uma parte de nós mesmos que se sente mais em sintonia com tudo o que está ao nosso redor.
Como alguém comprometida em viver os princípios da encíclica Laudato si’ sobre o cuidado da casa comum, do Papa Francisco, e o processo de conversão ecológica, essa prática terapêutica florestal aprofundou minha própria capacidade de ouvir a voz da criação.
Passei horas meditando na natureza, especialmente quando morava no mosteiro cisterciense, onde contemplar a criação fazia parte do ritmo diário de vida. No entanto, a terapia florestal forneceu alguma estrutura, integrada com algumas das minhas próprias práticas de lectio divina (leitura meditativa) e contemplação, a fim de ajudar a aprofundar a minha relação com a criação.
Na terapia florestal, usamos uma série de “convites” para guiar as pessoas a uma relação mais profunda com o mundo mais do que humano. A beleza dos convites é que eles são simples, nos conectam com os nossos sentidos e são abertos o suficiente para permitir que a natureza e o nosso próprio espírito interior nos guiem.
Eles também são chamados de convites conscientemente, pois não são exercícios ou atividades. Somos encorajados a seguir o nosso próprio corpo ao responder aos convites e a modificá-los como acharmos melhor. Não há um modo certo ou errado de fazer os convites.
Ao longo das cinco semanas do Tempo da Criação, convidarei a experimentar um convite a cada semana. Esses convites encarnarão a estrutura da conversão ecológica, assim como o tema do Tempo da Criação deste ano: ter esperança e agir com a criação.
O primeiro convite em nossa jornada juntos é o que é chamado de “Prazeres da Presença”.
Tomaremos consciência da alegria de nos conectarmos com a nossa experiência do momento presente por meio dos nossos sentidos e dos quatro elementos, e daremos graças.
Em uma caminhada tradicional de terapia florestal, isso é feito sentado ou em pé por cerca de 10 a 15 minutos ao ar livre. Para a nossa caminhada juntos, você pode fazer isso dentro de sua casa ou enquanto segue sua rotina diária.
O convite é começar a dedicar mais atenção aos nossos corpos físicos por meio dos nossos sentidos. Se você fizer isso em um período concentrado de 15 minutos ou encontrar momentos ao longo do dia para se conectar com os elementos, será maravilhoso. Você já recebeu uma nota 10!
Existem três etapas básicas para este convite: 1) dedicar atenção aos nossos sentidos físicos (tato, olfato, audição, paladar, visão); 2) saborear enquanto você sente prazer; e 3) agradecer. Para o propósito do exemplo abaixo, convido a meditarmos especificamente com os elementos, como parte da nossa jornada de conversão ecológica.
A alegria e a gratidão são qualidades-chave do coração a serem cultivadas nesta jornada de esperança e de ação, pois nos lembram que o amor de Deus está nos sustentando, apesar de quaisquer desafios que possamos estar enfrentando. A gratidão nos permite perceber e expressar como somos abençoados por meio dos outros, da criação e de Deus. A gratidão também nos ajuda a ver como somos interdependentes em relação a toda a criação.
Vamos começar. Reserve um momento apenas para se conectar com a sua respiração.
Observe o chão debaixo dos seus pés. Qual é a sensação de se sentir sustentado pela terra? Quais são as formas pelas quais a Irmã Mãe Terra continua a sustentá-lo? Agradeça, se você se sentir chamado. Por diversão, se você imaginasse raízes saindo de seus pés e afundando nesta terra, o que elas poderiam encontrar? Diga “oi” para todas essas criaturas.
Quais sensações você sente em sua pele? Estenda as mãos e sinta o ar correndo por entre seus dedos. Como você se sente? Se estiver do lado de fora, ao ar livre, talvez volte sua atenção para os cheiros presentes. Incline a cabeça para trás – você consegue sentir algum cheiro de brisa? Como seriam nossas vidas sem o Irmão Ar? Podemos agradecer pelo modo como Deus nos sustenta intimamente com a nossa respiração, a cada momento?
Eu me pergunto se você consegue notar como o elemento fogo está sustentando você agora. Talvez na energia que alimenta seu computador. Ou a luz do sol que alimenta o processo de fotossíntese de todas as plantas. Se você está refletindo sobre isso na vida diária, enquanto cozinha ou esquenta alimentos, observe o fogo necessário para fazer a sua refeição. Perceba quaisquer cheiros presentes. Enquanto você come a comida e a sente digerindo em seu corpo, agradeça pelo elemento fogo.
Imagine o número de vezes que você interagiu hoje com a água. Se você beber um copo de água, observe a sensação enquanto ela desce pela sua garganta. Qual é o gosto? De onde ela veio? Quando você lavar as mãos hoje, reserve um momento para realmente sentir a sensação da água em sua pele. Sinta qualquer sensação prazerosa desse dom da água. Agradeça à Irmã Água, se você se sentir chamado.
À medida que entramos neste lindo Tempo da Criação, você pode passar alguns minutos todos os dias rezando com a criação por meio deste convite? Seja toda vez que você escove os dentes ou sinta a terra debaixo de você, veja se consegue deslocar sua atenção, mesmo que por um instante, para experimentar como a criação está sustentando você, convidando-o a descansar e a agradecer.
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Rezando com a Criação: uma caminhada terapêutica junto à natureza (onde quer que você esteja) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU