24 Agosto 2024
Para não cair na armadilha de um pessimismo inevitável, ligado à realidade das guerras em curso, à consciência de uma paz cada vez mais utópica, o escritor Tahar Ben Jelloun deve ter desenvolvido, ao longo dos anos, um grande amor pela vida.
A reportagem é de Fulvia Caprara, publicada por La Stampa, 22-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Algo que, apesar de tudo, permite que ele fale sobre coisas trágicas, mas também alegres, sobre dramas e memórias, sobre mulheres e filmes amados: “É bom entrar em um café e ouvir: ‘Bom dia, como vai? Tudo bem?’ Na França, não acontece mais, enquanto na Itália, na Espanha e até mesmo no Marrocos ainda é assim. Trocamos impressões, nos cumprimentamos, conversamos”.
No Lido, no dia 28, no primeiro dia do Festival de Cinema, Ben Jelloun, convidado do “Giornate degli Autori” como presidente honorário do “BookCiak Azione!”, discutirá com Luciana Castellina o tema “Cultura para a Paz”. O ponto de partida é seu livro L'urlo (O grito, em tradução livre, publicado pela La nave di Teseo), dedicado à necessidade de abrir um diálogo entre Israel e Palestina: “Será um diálogo absurdo”, diz o autor imediatamente, “a paz é impossível”.
Você perdeu a esperança?
Sou muito realista. Acho que quem tem o poder faz o que quer, que nós somos apenas pobres intelectuais, empenhados em falar sobre a paz, sabendo que, no momento, não há como alcançá-la e que, enquanto isso, as pessoas, especialmente as que vivem nas condições mais difíceis, continuam morrendo. Assistimos repetidamente a cenas insuportáveis, crianças perdendo a vida, mortas nas casas bombardeadas onde encontraram refúgio, com as mães tentando protegê-las. E, em tudo isso, sequer temos mais a permissão de expressar nossa opinião.
Em que sentido?
Na França é assim, na mídia hoje não se pode mais criticar a atuação dos israelenses e nem mesmo falar sobre os mortos palestinos porque somos imediatamente acusados de antissemitismo. Não existe o direito de chorar pelos mortos, e isso é horrível. No início do conflito, escrevi para denunciar o Hamas e suas ações e, ao fazer isso, perdi muitos amigos que me acusaram de compactuar com o inimigo. Depois, escrevi contra Israel e perdi muitos outros. No momento, sinto uma forte sensação de solidão e acho que falar sobre paz é loucura.
Você não vê nenhum tipo de solução?
O único gesto real, concreto, capaz de incidir sobre os fatos, poderia ser feito pelo Papa. Ele poderia decidir ir a Gaza e se estabelecer lá, entre os palestinos, entre eles também há muitos cristãos. Seria como dizer ‘agora venham me bombardear’. O pobre Papa Francisco tem um ânimo doce e gentil, mas eles nunca lhe deixarão fazer algo assim.
Como você avalia os resultados das eleições francesas e o fato de que a afirmação de Marine Le Pen foi evitada só por um pouco?
Quase metade do povo francês está com a Frente Nacional, que é racista, extremista e fascista. De 40 milhões de eleitores, 12 se expressaram a favor de Le Pen, e esse é um número enorme. Temos que nos preparar, é preciso dizer que Marine Le Pen apagou a herança racista de seu pai, mas os militantes, os membros da Frente Nacional, continuam sendo racistas, como mostram as muitas reportagens que os descrevem.
Como vê a situação italiana?
Na Itália as coisas são diferentes, a relação com a migração, por exemplo, é muito diferente, a França teve o colonialismo, vocês não. É claro que há uma herança fascista ligada a Mussolini, mas não há a mesma ferocidade racista presente na França. Claro, há Meloni, há a Liga, mas, como observador externo, parece-me que a situação seja menos dramática.
O festival “BookCiak Azione!” trata de transposições cinematográficas de livros. Você é a favor ou contra?
Nunca gostei da ideia de ver um de meus livros na tela. A literatura é uma coisa, o cinema é outra. Nós, escritores, trabalhamos com as palavras, e os cineastas, com as imagens. Acho que é um erro misturar as duas coisas. É possível se inspirar em uma história, mas não ir além. Estou pensando no que Visconti fez com Morte em Veneza e com O Leopardo, que são obras-primas, mas também penso na sua versão desastrosa de O Estrangeiro, de Albert Camus, um verdadeiro massacre. Em suma, é melhor deixar os livros para a literatura e o cinema para os roteiristas, são linguagens diferentes, mesmo que pareçam semelhantes.
Qual é a sua relação com o cinema?
Sou um cinéfilo. Vou ao cinema desde os 14 anos, às vezes passava o dia todo lá. Agora assisto a filmes em DVD, mesmo os antigos. Recentemente, revi A moça com a valise, Claudia Cardinale era muito jovem, devia ter 24 anos, Jacques Perrin estava no filme, a história era magnífica.
Quais os autores italianos que você prefere?
Vi todos os filmes de Visconti, Antonioni, Rosi, Comencini e Scola, que era meu amigo. O cinema italiano que prefiro é o da década de 1970, na minha opinião o mais interessante, mas também gosto de autores atuais, como Giuseppe Tornatore.
As mulheres são muito presentes e importantes em seus romances. Como você vê o seu caminho de emancipação?
Depende do país de que estamos falando. Na França, o feminismo se tornou uma ideologia dominante, talvez com algum excesso de censura, o que não me agrada muito. Infelizmente, somos todos espectadores de um drama cotidiano que se chama feminicídio, e hoje, finalmente, violências e assédios estão sendo denunciados, um resultado justo, que antes parecia distante. Mas há exageros, às vezes alguém é culpado e, depois que a justiça seguiu seu curso, descobre-se que era completamente inocente. Isso me deixa um pouco desconfortável. E, de qualquer forma, hoje o relacionamento entre homens e mulheres é um pouco mais difícil do que no passado.
Vou lhe dar um exemplo: havia uma farmacêutica que eu visitava pontualmente para comprar meus remédios. Ela era muito bonita, eu gostava de vê-la, de ter um relacionamento humano com ela, nada mais. Quando mudei de bairro, fui me despedir e lhe perguntei: ‘madame, desculpe-me, posso lhe dizer algo sem que me acuse de assédio sexual?’ Ela disse que sim, um pouco desconfiada, eu lhe disse que era realmente muito bonita e ela me agradeceu. Em resumo, acredito que nas relações precisamos de um pouco de simplicidade.
Você nasceu em Fes, no Marrocos, mora na França e viaja muito. Onde realmente se sente em casa?
Em Tânger, onde fica a casa da minha infância, minhas raízes, é onde me sinto bem. Eu costumava me sentir confortável na França, mas agora não tanto, se tornou um país agressivo, mesmo na vida cotidiana, me parece que todos estão infelizes, e realmente espero que a Itália não se torne assim.
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A paz é impossível. Entrevista com Tahar Ben Jelloun - Instituto Humanitas Unisinos - IHU