08 Agosto 2024
Desde que, em 2015, Paris apresentou oficialmente sua candidatura para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, o rio Sena aparecia como um dos protagonistas de ambos os eventos. Os recentes casos de intoxicação de vários atletas reavivaram a polêmica.
A reportagem é de Xabier Rodríguez, publicada por El Salto, 07-08-2024.
O rio Sena estava destinado a ser notícia de uma forma ou de outra nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 e havia muitas probabilidades de que fosse devido à qualidade de suas águas. O tema já havia se tornado material para numerosos memes depois da disputa do triatlo e ganhou uma nova dimensão com a hospitalização da triatleta belga Claire Michel, infectada pela bactéria e.coli após nadar na prova olímpica no Sena. Uma vez conhecido o diagnóstico da atleta, a federação belga de triatlo anunciou que retirava sua equipe da prova de revezamento misto disputada na segunda-feira, 5 de agosto.
Também não pôde participar desta prova devido a uma gastroenterite o triatleta suíço Adrien Briffod. Sua vaga seria ocupada por Simon Westermann, mas ele também sofreu problemas intestinais e teve que deixar seu lugar para outro colega. Em palavras do médico da delegação suíça, nenhum desses dois casos tem relação com a água do Sena.
Ainda assim, na terça-feira, 6 de agosto, os treinos no rio foram suspensos, embora, se não houver mudanças de última hora, as provas de natação em águas abertas serão disputadas no Sena nos dias 8 e 9. Desde o Comitê Olímpico Internacional (COI) é garantido que “a prioridade é a saúde dos atletas”, mas o certo é que estas são, precisamente, as provas nas quais os atletas têm mais risco de contaminação, ao passar mais tempo na água.
Desde que, em 2015, Paris apresentou oficialmente sua candidatura para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, o rio Sena aparecia como um dos protagonistas de ambos os eventos. O COI buscava uma candidatura cujo orçamento não ultrapassasse os altos custos de Londres, Rio ou Tóquio; e Paris buscava conquistar o favor do movimento olímpico e de seus próprios cidadãos. Não ter prevista a construção de novas grandes instalações e aproveitar os espaços públicos mais conhecidos de Paris parecia uma solução que poderia agradar ao COI e, de quebra, exibir a cidade em todo seu esplendor. Se fosse adicionada ao projeto a promessa de recuperar o rio Sena para o banho público, poderia conquistar o apoio da população, fundamental para a decisão final do COI.
Uma vez que as sedes dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2024 e 2028 foram divididas entre Paris e Los Angeles, por não haver mais candidaturas em consideração, foram conhecidos mais detalhes do projeto. Pela primeira vez na história, a cerimônia de inauguração sairia do estádio olímpico e seria celebrada ao longo do Sena. O rio seria, além disso, sede das provas de triatlo, paratriatlo e de natação em águas abertas. Além disso, uma vez terminados os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, o Sena se abriria ao banho público, cem anos depois de ter sido definitivamente proibido, no que significaria um valioso legado olímpico para os parisienses. Para que isso fosse possível, havia sido prevista a construção de um depósito gigante, capaz de captar o excesso de água da chuva e evitar que as águas residuais fluam para o rio. Foi projetada também a renovação da infraestrutura de esgoto e a modernização das estações de tratamento de água. O custo dessas obras é calculado em 1.400 milhões de euros, uma parte importante do orçamento total dos Jogos Olímpicos, que é estimado em aproximadamente 9.000 milhões.
A qualidade da água do Sena era questionada desde o princípio, mas começou a gerar polêmica no verão de 2023, quando se tornou público que as medições feitas davam resultados não aptos para o banho. Desde a organização pediu paciência, já que não haviam terminado as obras previstas nas infraestruturas sanitárias do rio, mas já havia quem lembrava o caso da baía de Guanabara, que foi prometido limpar para os Jogos Olímpicos do Rio 2016 e acabou se tornando uma das vergonhas daquela edição.
Na primavera deste mesmo ano, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, prometeu se banhar no Sena antes da inauguração dos Jogos Olímpicos e cumpriu sua promessa no dia 17 de julho, acompanhada por Tony Estanguet, presidente do Comitê Organizador de Paris 2024. Nessa época, as últimas medições haviam dado resultados que tornavam o banho no rio apto, no entanto, a possibilidade de que se disputassem provas olímpicas em suas águas ainda gerava muitas dúvidas, pelo risco de chuvas e também pelas altas temperaturas que suportava a capital da França. “Vivemos no século XXI, onde, lamentavelmente, ocorrem muito mais fenômenos meteorológicos que escapam ao controle dos organizadores”, explicou Aurélie Merle, diretora de esportes de Paris 2024.
No dia 28 de julho, com os Jogos já inaugurados, foram suspensos os treinos para o triatlo e as provas masculina e feminina foram adiadas de 30 para 31 de julho. “Estamos simplesmente apoiando os atletas, para garantir que estejam seguros”, disse então Gergely Markus, diretor esportivo da World Triathlon.
Entre as alternativas que a organização considerava estava a de transformar o triatlo em um duatlo, excluindo a prova de natação. No entanto, a prova foi disputada com o formato previsto e com as águas do Sena como cenário da prova de natação. Superado esse problema, a polêmica envolveu a prova feminina por uma manifesta saída nula que não foi sancionada pelos juízes e, a essas alturas, parecia já um evento amaldiçoado.
A organização de Paris 2024 continua assegurando que a prioridade é a saúde dos atletas, mas os recentes casos de intoxicação reacenderam a polêmica. Após a retirada da equipe belga do revezamento misto, o Comitê Olímpico da Bélgica e a federação de triatlo declararam em um comunicado conjunto: “O COIB e o Triatlo Belga esperam que lições sejam aprendidas para as próximas competições de triatlo nos Jogos Olímpicos. Pensamos na garantia dos dias de treinamento, dos dias de competição e do formato das competições, que devem ser esclarecidos com antecedência e garantir que não haja incerteza para os atletas, o ambiente e os espectadores.”
Por enquanto, a organização de Paris 2024 não conseguiu acabar com a incerteza em torno das provas no Sena. Conseguiu a foto dos triatletas saltando na água na altura da ponte Alexandre III e parece que a natação em águas abertas também será realizada no rio. Em algumas semanas, a polêmica voltará com a disputa dos Jogos Paralímpicos e, uma vez que terminarão, será visto finalmente se o prometido legado olímpico da recuperação do Sena para o banho público se tornará realidade.
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As últimas intoxicações semeiam dúvidas sobre o prometido legado olímpico do rio Sena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU