03 Agosto 2024
O artigo é de Jesús Martínez Gordo, doutor em Teologia Fundamental e sacerdote da Diocese de Bilbao, professor da Faculdade de Teologia de Vitoria-Gasteiz e do Instituto Diocesano de Teologia e Pastoral de Bilbao, publicado por Religión Digital, 20-07-2024.
No dia 2 de maio, a revista católica The Tablet publicou um editorial abordando "as raízes do abuso" de poder na Igreja e defendendo mudanças significativas na concepção e no exercício do poder. Seu ponto de partida foi o escândalo de abusos de menores por parte de pessoas em cargos de responsabilidade eclesial, agressores e cúmplices. Este escândalo, grave por si só, aponta para a existência de problemas subjacentes tanto na estrutura eclesiástica quanto em seu governo e nas pessoas que o exercem. Como é possível que uma instituição tenha podido cair tão baixo e não tenha sido capaz de proteger muitos de seus membros mais vulneráveis?
Para responder a essa questão — como Gordo indicou um pouco mais adiante — contamos com um critério evangélico que parece ter sido deixado de lado: "Sabeis que os governantes das nações as dominam como senhores absolutos e os grandes as oprimem com seu poder. Não deve ser assim entre vós; mas aquele que quiser ser grande entre vós, será vosso servo" (Mt 20,25-26). E também contamos com a luz lançada por um relatório realizado por um grupo de pesquisadores do Centro de Estudos Católicos da Universidade de Durham (Inglaterra), intitulado "A cruz do momento" (The Durham University Report).
Este relatório, segundo o editorial, é, pelos passos dados até agora, muito mais importante do que o programa de reformas que, iniciado pelo Papa Francisco, alcançará "um de seus momentos decisivos com a assembleia sinodal do outubro próximo em Roma". Continua o editorial dizendo que este evento não resolverá as questões que estão na origem deste escândalo, algumas das quais estão expressas nestas perguntas: por que o modelo atual da Igreja hierárquica se transformou em uma estrutura de pecado? A atual concepção e exercício do governo hierárquico da Igreja são compatíveis com o evangelho?
Não podemos ignorar, prosseguiu citando o relatório, que por trás do clericalismo existe uma cultura hierárquica perniciosa, evidente na normalização do poder exclusivo pelo episcopado. É preciso enfrentar este assunto sem medo nem tabus. E fazê-lo dessa maneira significa que os bispos, incluindo o de Roma, não devem sempre ter, por fidelidade ao texto evangélico citado acima, as últimas respostas para tudo. E, igualmente, significa que também não devem estar sempre no centro de tudo ou sentados sempre na cabeceira da mesa.
É verdade que a existência de hierarquia é um fenômeno generalizado: no exército, em todas as profissões, nas empresas, na política e em qualquer coletivo. Talvez, por isso, seja algo inevitável. Mas também é verdade que está exposta a muitas tentações danosas ou perigosas. E, igualmente, é verdade que a sociedade civil, ao contrário da eclesiástica, tenta proteger-se dessas tentações inerentes ao hierarquismo através de controles e equilíbrios como eleições democráticas, liberdade de imprensa; a implementação de instâncias onde queixas possam ser apresentadas ou a fixação de indenizações legalmente previstas pelos danos causados pelo exercício autoritário do poder.
Na Igreja, não há essas garantias. E não há porque ela prefere promover, muitas vezes em nome da tradição, a cultura do tratamento deferente, recorrendo a títulos como "sua eminência", "monsenhor", "santidade" ou "sua excelência". Ao conceder tal tratamento a essas pessoas, coloca-as, queiram ou não, em uma posição muito específica dentro de um sistema hierárquico que, basicamente feudal, exige obediência acrítica.
Este é o cerne das respostas fornecidas pelo relatório sobre por que o modelo atual da Igreja hierárquica se transformou em uma estrutura de pecado e qual é a relação da concepção e do exercício atual do governo hierárquico da Igreja com o Evangelho. Não é surpreendente, conclui o editorial de The Tablet, que na Igreja "tenha sido cometido um erro tão grande".
Há outras contribuições, amplio por minha conta, que lembram, corretamente, que uma coisa é o "poder" concedido, transferido ou dado e que, no caso do poder eclesiástico na tradição latina, concentra-se em uma pessoa ou em um pequeno grupo de pessoas o legislativo, executivo e judiciário em nome de uma exegese muito questionável de Mt 16,19: "tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja". E outra coisa muito diferente é a "autoridade": ganha, quem a adquire, por seu comportamento, decisões e credibilidade.
Mas também há silêncios sobre este assunto que não podemos perder de vista e que, especificamente, nos concernem diretamente. Um deles é o da Conferência Episcopal Espanhola — CEE e da grande maioria dos bispos espanhóis. Surpreende que no famoso relatório da CEE ("Para dar luz II", dezembro de 2023, revisado em março de 2024) se diga que recolhe as recomendações mais relevantes do relatório Cremades & Sotelo, assim como do Defensor do Povo, e que, ao revisá-lo, não apareça em lugar algum o trecho em que se recomenda à Igreja Católica espanhola enfrentar o problema sistêmico ou estrutural que também sofre devido à sua compreensão e exercício do poder. Não me surpreende que haja pessoas que, conscientes deste silêncio, se indignem e até abandonem a Igreja.
À sombra do diagnóstico da revista The Tablet e da distinção entre poder e autoridade, sem esquecer o silêncio da CEE, esta contribuição deve ter quatro seções.
A primeira, dedicada a expor os quatro modelos teológicos e de exercício da autoridade, do magistério e do governo na Igreja, assim como da organização da catolicidade a partir de 1870 - data de conclusão do Concílio Vaticano I - até os dias de hoje, ou seja, até o pontificado do Papa Francisco, passando pelo Vaticano II. Para os interessados em uma análise mais detalhada, remeto às páginas do livro coletivo em que abordo este assunto, publicado pela editora HOAC: "Caminhar juntas e juntos. Sonhar a Igreja, viver a missão" (Madri, 2023). Acredito que não seja demais destacar que são modelos que frequentemente coexistem na grande maioria das dioceses, dependendo da centralidade de um ou outro nas situações dessas igrejas locais, das culturas dos países e também das psicologias, formações e aspirações dos responsáveis pastorais em cada momento.
A segunda seção, dedicada a expor como vem sendo argumentado e implementado no Caminho Sinodal Alemão uma Igreja verdadeiramente corresponsável e codecisiva, além de sinodal. Trata-se de um argumento e implementação que devem ser contextualizados na jornada anteriormente realizada pela Igreja Holandesa no período imediatamente após o término do Vaticano II e, como entendo, frustrado de maneira autoritária e pré-conciliar no início do pontificado de João Paulo II. E, igualmente, pela trajetória que as igrejas australiana e amazônica estão desenvolvendo mais recentemente; impossível de expor com o rigor necessário nessas linhas.
A terceira seção teria que expor os pontos mais relevantes propostos em algumas teologias sacramentais contemporâneas, a partir da participação de todos os batizados — utilizando a linguagem do Vaticano II — no poder (potestas) de Cristo, Mestre, Sacerdote e Rei, ou seja, no poder de todos os batizados, ao mesmo tempo, magisterial e evangelizador (mestre), litúrgico ou celebrativo (sacerdote) e governativo ou executivo (rei).
Além disso, seria necessário adicionar as contribuições da teologia mais recente sobre o ministério ordenado (diácono, presbítero e bispo) à luz da matriz batismal comum a todos os cristãos e à articulação renovada dessa matriz com os diferentes carismas, sejam ordenados, instituídos ou reconhecidos, com os quais o Espírito assiste à Igreja, bem como à revisão da "representação" de Cristo por parte de todo batizado e da ação "em pessoa de Cristo Cabeça" e, por extensão, da sacramentalidade. Como sustenta o Caminho Sinodal alemão, o presbiterado não é "um grau superior do sacerdócio comum de todos os batizados (sacerdotium commune), mas uma potestade do ordenado em execuções sacramentais determinadas de maneira estreitamente definida para agir in persona Christi capitis a favor dos fiéis".
Em suma, parece que chegou a hora de repensar a tese conciliar críptica de que entre o ministério dos batizados e o dos ordenados há uma diferença essencial e, portanto, não apenas gradual (essentia et non gradu tantum, LG 10) à luz da ministerialidade batismal e não apenas, como tem sido feito até agora, a partir da essencialidade e sacralização do ministério ordenado em si mesmo.
A formulação desta terceira seção e da seguinte no potencial ("haveria") já indica que não será possível entrar profundamente neste capítulo, mas, de qualquer forma, acredito que não seja desnecessário tê-lo presente.
Finalmente, na quarta seção, eu precisaria focar na compreensão e reorganização da catolicidade a partir do que já foi implementado no primeiro milênio do cristianismo, bem como da existência de 23 ritos litúrgicos católicos, entre latinos e orientais. A estes, em breve, deverá ser adicionado mais um, o da Amazônia. E também deveria me concentrar nas contribuições esclarecedoras do documento de estudo O Bispo de Roma. Primado e sinodalidade nos diálogos ecumênicos e respostas à encíclica Ut unum sint (1995), publicado pelo Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos em junho de 2024.
E, da mesma forma, seria necessário avaliar o acordo alcançado entre os bispos alemães e alguns cardeais significativos da Cúria Vaticana sobre a recognitio. E, à luz disso, considerar uma implementação dessa recognitio que articule a sinodalidade e a corresponsabilidade, batismal e ministerial, e que, portanto, esteja atenta tanto à responsabilidade — própria do ministério ordenado — de cuidar da unidade da fé e da comunhão eclesial quanto à percepção ou sensus fidei de todo o povo de Deus, "infalível quando crê". Em suma, trata-se de alcançar uma implementação adequada da recognitio que garanta devidamente a codecisão e que, portanto, não se torne um procedimento no qual continue a encontrar refúgio e moradia o modelo absolutista, monárquico e medieval de entender e exercer o poder na Igreja.
Reitero a importância de focar especialmente na implementação dessa recognitio. Acredito que será a questão que ocupará muitas horas e páginas nos próximos anos. Trata-se de um mecanismo procedimental importante para garantir a catolicidade e a corresponsabilidade que — já reivindicado por João Paulo II na carta apostólica Apostolos suos (1998) em um contexto eclesial (o de uma Conferência Episcopal dos Estados Unidos ensinando magistério sinodal e corresponsável após o Vaticano II) — pouco ou nada tem a ver com o atual. E que, naquela ocasião, serviu, e, desde então até o presente, para reforçar, como se pode constatar nos pontificados de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI — o modelo absolutista e monárquico de governar, ensinar magistralmente, reorganizar a Igreja e fazer justiça.
Por isso, é fundamental considerar que, graças a uma boa implementação dessa recognitio, será possível articular a catolicidade como comunhão ou unidade diferenciada de igrejas locais individuais (entre os católicos). E também como comunhão ou unidade de diferentes igrejas reconciliadas — no caso das demais igrejas cristãs — sem esquecer sua importância, por exemplo, nos âmbitos mais domésticos de algumas dioceses onde existe uma firme intenção de promover uma igreja codecisiva ou corresponsável, além de sinodal. Este é o caso de um Conselho Sinodal Diocesano ou de um Conselho Sinodal Paroquial.
Felizmente, contamos com alguns ensaios interessantes, embora limitados, aprovados ou propostos pelo Caminho Sinodal sobre conselhos sinodais paroquiais e diocesanos, assim como sobre o Conselho Sinodal alemão aos quais eu me referirei mais adiante.
Algo disso parece estar timidamente abrindo caminho graças à nova compreensão e exercício da sinodalidade — neste caso, codecisiva e deliberativa — com a aprovação vaticana (recognitio) do Conselho Eclesial da Amazônia.
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O poder codecisivo na Igreja. Artigo de Jesús Martínez Gordo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU