16 Julho 2024
As férias de verão são um tempo propício para os diálogos, banais ou profundos. Trata-se uma arte verdadeiramente humana, mas ameaçada pela invasão das telas, que o sociólogo nos convida a redescobrir.
A entrevista é de Félicité de Maupeou, publicada por La Vie, 12-07-2024. A tradução é do Cepat.
O verão, o tempo lento, as longas refeições com a família e os amigos são oportunidades para os diálogos, banais ou mais profundos, que dão o sabor das férias. Elemento da “civilização dos costumes”, a conversação é uma arte que o sociólogo David Le Breton celebra como uma respiração gratuita, às vezes até uma elevação. Vai e vem espontâneo, o diálogo, ou conversa, é também para este professor da Universidade de Estrasburgo, uma resistência, um “asilo de liberdade” diante das exigências de produtividade, de conexão e de rapidez. Porque se baseia numa “qualidade de presença”, numa atenção ao outro, e ao mesmo tempo nos situa plenamente na realidade, tanto nas suas belezas como nas suas asperezas.
No entanto, esta arte verdadeiramente humana do contato face a face está em perigo, alerta no seu novo livro La fin de la conversation? (Métailié, 2024). A razão é a invasão das telas que, ao nos isolar do mundo e dos outros, substitui o diálogo por uma “comunicação” hiperprolífica, rápida e utilitária. Felizmente, o remédio é simples: para nos reconectarmos com o gosto de dialogar, David Le Breton recomenda esquecer um pouco os smartphones... durante o verão, por exemplo.
O que é um diálogo? O que faz com que ela não seja uma simples troca de informações?
Dialogar é estar frente a frente, cara a cara, com o outro, em atenção mútua. Vemos então uma série de emoções passarem pelo rosto dessa pessoa que guiam intuitivamente nossas palavras. Existe uma relação corpo a corpo no diálogo entre duas pessoas, que estão no mesmo ambiente, ouvem os mesmos barulhos e presenciam os mesmos acontecimentos. Nele, há finalmente a incerteza do seu progresso: não sabemos quando ela irá terminar e que assuntos vai tratar.
Você diz que o diálogo também é feito de silêncio.
Sim. Este não é um vazio, mas uma respiração, por exemplo, para pensar melhor no que vai se dizer, quando já não sabemos o que dizer, ou quando estamos juntos em silêncio. Ao contrário do diálogo, a comunicação não tolera os silêncios. São apenas apneias e, quando se instalam no fim da linha, são resultado de um corte acidental. No mundo da conexão, o silêncio é chamado de pane.
O que é um “bom diálogo” para você?
Nos salões do século XVIII existiam critérios para um “bom diálogo”, descritos pelos filósofos. Mas eu gostaria se hierarquizar os diálogos. Encontrar um vizinho e trocar umas palavras é um ponto de partida para um diálogo, certamente banal mas importante, porque é uma forma de nos reconhecermos. Se nos cruzássemos sem nos olhar ou falar, pairaria no ar um mal-estar. Precisamos também dessas conversas insignificantes, que aparecem pontilhadas ao longo dos nossos dias como bolhas de respiração comuns e livres, sem utilidade direta ou imediata.
Outros diálogos tomam rumos apaixonantes e duram horas. Algumas são essenciais, quando aprendemos coisas terríveis ou maravilhosas ou quando entramos em uma discussão. Há um teste de verdade no diálogo, pois exige uma forma de nudez, de honestidade para revelar um pouco de si ao outro. Por outro lado, não sabemos o que vai acontecer no fim do diálogo: podemos ficar com raiva, nos machucar, amizades ou amores podem terminar ou começar. De qualquer forma, nossos diálogo entrelaçam nossas existências umas às outras.
Existe uma arte do diálogo?
Sim, vemos isso acontecendo em certos programas de rádio, por exemplo, onde às vezes ocorrem intercâmbios longos e fluidos entre o convidado e o apresentador. O diálogo tem rituais, que diferem de uma sociedade para outra. Na França, as palavras vão e vêm, enquanto os americanos são mais calados.
Entre os Apaches, uma resposta pode demorar para vir, deixando um longo silêncio. Também nos países do Norte da Europa o silêncio está mais presente e envolve a palavra. Também a nível físico as coisas variam: na Itália, ao contrário dos Estados Unidos, fala-se uns com os outros estando muito próximos fisicamente.
Há também assuntos que não são discutidos nesta ou naquela cultura. Em suma, o diálogo é feita de um grande número de rituais. Porém, embora seja codificada, não é angelical e pode assumir a forma de debate. Mas exige reconhecimento mútuo, respeito pelo outro, que não se quer perder de vista.
Quais são as virtudes do diálogo para o indivíduo?
Montaigne diz que dialogar é “emprestar-se ao outro”. Aprendo acessando outro ponto de vista, tentando argumentar. Às vezes é uma elevação e depois assume uma dimensão espiritual no sentido de que ajuda a formular um pensamento, a compreender melhor um acontecimento que me afasta das minhas evidências, dos meus hábitos de pensamento. Todos temos memórias de trocas que nos deslumbraram, ou pelo menos nos marcaram profundamente. Não podemos imaginar um SMS tendo esse efeito!
O diálogo frente a frente faz parte da nossa condição humana, desde os gritos dos primeiros humanos até a multiplicidade de línguas de hoje. Mantém ou cria o vínculo, contra a fragmentação social. O seu perigo pela invasão das telas em nossas vidas é uma ruptura antropológica.
O que quer dizer com isso?
O smartphone cria um mundo próprio. Nós entramos em diálogo com a tela, que dá uma simulação de vínculo, mas não de contato. O que acontece então com o verdadeiro vínculo social? Esse abalo não poupa nenhuma sociedade: o espetáculo desses rostos hipnotizados pelas telas me dá a impressão de uma sociedade espectral, composta de fantasmas.
Então, se ando na rua, não encontro mais alguém sem rumo a quem possa perguntar, quase não vejo mais rostos, mas pessoas imersas em sua tela. Tudo isso me abala profundamente; é preocupante e doloroso porque estamos perdendo muito.
Não há nada para salvar no digital? Ele não prolonga o diálogo em certas condições?
Nunca, sem dúvida, as gerações mais jovens estiveram tão conectadas e ao mesmo tempo tão desconfortáveis na sua própria pele, em desacordo com o mundo, sozinhos. A comunicação, na qual estamos constantemente imersos, não é diálogo. Nas palavras próprias do diálogo há escuta, paciência, alegria do intercâmbio, atenção ao outro, enquanto a comunicação pretende ser eficaz, utilitária, urgente, saturante.
Quanto mais nos comunicamos, menos falamos. Mas estamos numa profusão de comunicação: quando recebemos notificações a cada cinco minutos e dezenas de textos por dia, sem falar das mensagens de voz e correios eletrônicos, ficamos sobrecarregados, e essa profusão destrói o valor da palavra. Porque o valor do intercâmbio reside na sua parcimônia. A palavra perde em sacralidade: com a comunicação permanente, torna-se profanada pela repetição. Nada permanecerá, porque a velocidade e a saturação têm precedência sobre o conteúdo. Em suma, não creio que a tecnologia digital nos tenha tornado melhores em termos da qualidade dos intercâmbios. Perdemos enormemente.
Como a conversa por texto, correio eletrônico, chamada telefônica ou correio de voz altera a natureza do intercâmbio?
Aqui, perde-se a corporificação e a sensorialidade do diálogo. Às vezes podemos ver os rostos dos nossos interlocutores no Facetime ou outro, mas sem ver as nuances das suas emoções. Às vezes, inclusive, a tecnologia digital, este universo de máscaras, permite o anonimato, o fato de já não ter que responder pelos seus atos ou palavras. Daí a eclosão da violência tanto no campo político como na escola, nas redes sociais, onde os confrontos são incentivados porque atraem audiências e, portanto, “tempo de cérebro disponível”.
Os textos e as mensagens de voz estão se tornando mais comuns e tendem a substituir as chamadas telefônicas. O que pensa sobre isso?
Usar textos e mensagens de voz são uma forma de exercer controle: quando telefonamos, não sabemos quando o diálogo vai terminar ou aonde nos levará, ao passo que uma troca de mensagens de texto ou de voz para facilmente. Os adolescentes trocam mais de cem mensagens de texto por dia.
É uma forma de controlar sua relação com o mundo e com os outros; eles fazem muito menos ligações telefônicas. Num diálogo, é impossível “desligar” o outro, apertar o botão de pausa na sua presença.
Somos mais escapistas do mundo e dos outros hoje?
Vivemos num mundo voltado sobre si mesmo. O encontro com o outro – no ônibus, na sala de espera do consultório médico, etc. – tem algo de provação. Nós temos medo de atrapalhar, desaprendemos a intercambiar e a gerir a incerteza ligada ao diálogo, porque a comunicação em que hoje nos encontramos oferece-nos um mundo distante e menos perigoso.
Antes do celular, conversávamos nos trens, nos transportes públicos, nos cafés, nos restaurantes, nas ruas. Hoje, quase não mais. Porém, o diálogo restabelece a realidade, dá lugar ao outro. É uma barreira contra a violência, porque a presença do outro, do seu rosto, uma palavra desarma, abre uma brecha, cria uma cumplicidade.
Como podemos fortalecer a nossa capacidade de dialogar?
Existem apenas soluções individuais. Eu praticamente nunca uso meu smartphone, procuro ler meus correios eletrônicos apenas à noite. Vi como a conexão permanente com as telas cria uma sensação constante de urgência e de vigilância. O smartphone origina muitas novas incivilidades na conversa cívica, nos restaurantes quando não sai dos olhos apesar da presença de um amigo; ou no caixa do supermercado quando você nem tira os olhos dele para cumprimentar o caixa.
Sob a influência das telas, uma determinada forma de conversa – aquela em que estamos atentos aos outros, disponíveis para ouvir e falar – é hoje cada vez mais substituída, sobretudo em família ou em casal, por uma presença flutuante. O smartphone deteriorou uma parte significativa das nossas conexões sociais básicas! Porém, é possível fazer dele um uso moderado ao fazer caminhadas, andar de bicicleta, fazer jardinagem ou refeições, esses lugares privilegiados para dialogar!
Emmanuel Macron falou recentemente sobre o estabelecimento de uma maioridade digital. O tema é também político?
É claro que há um sobressalto político positivo sobre o assunto. Às vezes é difícil não ser visto como um idealista quando criticamos as telas, porque nos acostumamos, e isso é óbvio para os adolescentes. Não se trata de retroceder, mas de regulamentar, especialmente no campo educativo.
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“O diálogo é uma barreira contra a violência”. Entrevista com David Le Breton - Instituto Humanitas Unisinos - IHU