19 Junho 2024
Em 2019, Aviv Kochavi, então chefe do Estado-maior das Forças de Defesa de Israel (FDI), fez um discurso otimista. As FDI, proclamou, são "a vitória em estado puro". De fato, após avaliar que as principais ameaças à segurança de Israel provinham de atores não estatais como o Hamas e o Hezbollah, Kochavi introduziu no ano seguinte uma nova doutrina operativa chamada "vitória decisiva".
A reportagem é de Peter Beaumont, publicada por El Diario, 17-06-2024.
Essa estratégia previa "operações rápidas e de caráter ofensivo baseadas no uso de unidades menores apoiadas por uma potência de fogo massiva" contra o que havia sido reformulado como "exércitos terroristas que utilizam mísseis". Kochavi já contemplava a possibilidade de que Israel tivesse duas frentes abertas ao mesmo tempo.
Quando se completam nove meses desde o início do conflito em Gaza após o inesperado ataque transfronteiriço do Hamas em 7 de outubro, Israel tem duas frentes abertas. No entanto, a promessa de Kochavi de uma “vitória rápida” ou “decisiva” revelou-se ilusória, apesar do potente arsenal utilizado com consequências devastadoras sobre a população civil de Gaza.
A dinâmica da guerra, cada vez mais longa, impôs sua própria realidade, apesar das tentativas lideradas pelos Estados Unidos para que se realizem conversas sérias de cessar-fogo e se chegue a um acordo de troca de reféns por prisioneiros, respaldado pela aprovação de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A suposta existência de cartas enviadas por Yahya Sinwar, dirigente do Hamas em Gaza, nas quais descreve as vítimas civis palestinas como “um sacrifício necessário”, sugere que o grupo vê a evolução do conflito de uma perspectiva fundamentalmente diferente da das autoridades israelenses.
Essas supostas afirmações de Sinwar foram analisadas em detalhe. O certo é que o contexto é mais significativo: o Hamas vê sua batalha em termos de movimentos de libertação históricos, como a luta argelina pela independência da França, que sofreu importantes reveses civis às mãos das forças francesas.
O contínuo fracasso das conversas para um cessar-fogo significativo evidenciou os pontos de vista diametralmente opostos de Israel e do Hamas, não só sobre o que representa o conflito atualmente, mas também sobre as perspectivas a longo prazo.
Os líderes políticos e militares de Israel acreditaram durante anos que era possível gerir seus conflitos, tanto com os palestinos quanto com o Hezbollah no norte, ignorando os vetores políticos que impulsionam a violência, entre eles a demanda palestina por um Estado e a autodeterminação.
Por outro lado, o Hamas e o Hezbollah contemplam há muito tempo um horizonte mais distante. Para o Hamas em particular, a última guerra não é vista como apenas mais um de uma série de conflitos encadeados, mas como um compromisso em uma luta mais longa que acredita que acabará vencendo. De fato, se há um elemento comum nas avaliações de Israel e do Hamas sobre os confrontos, é a sombria convicção de ambos os lados de que não há outra opção senão continuar lutando.
Por sua parte, Sinwar, em uma de suas missivas, falou em termos dignos de Macbeth. “Temos que continuar avançando pelo mesmo caminho que começamos”, afirma, segundo o Wall Street Journal. “Ou que seja uma nova Karbala”, acrescenta, em referência à batalha de Karbala, que ocorreu no século VII no Iraque, na qual o neto do profeta Maomé foi assassinado com seus seguidores.
De maneira mais geral, o Hamas acredita que conseguiu suas realizações mais significativas longe do campo de batalha; no front diplomático. À medida que mais países reconhecem a condição de Estado palestino, Israel enfrenta um crescente isolamento diplomático e acusações de crimes de guerra em série, como genocídio e uso da fome como arma de guerra; acusações que nega.
Isso poderia explicar a postura maximalista do Hamas nas negociações de cessar-fogo, que afirma que só se sentará se houver um fim aos confrontos e uma retirada do exército israelense de Gaza. Por sua vez, a postura de Israel, apesar dos desejos de Washington, é igualmente inflexível.
A saída do político e ex-general israelense Benny Gantz e seu partido do gabinete de guerra de Benjamin Netanyahu fez com que o primeiro-ministro dependesse mais dos partidos de extrema-direita que se opõem a um cessar-fogo. Além disso, não conseguiu desencadear uma crise política e o apoio a Netanyahu só aumentou nas pesquisas.
O conflito em Gaza está impondo sua própria dinâmica perigosa, e não apenas em torno da questão da guerra em si. No conflito paralelo com o Hezbollah, lançado em apoio a Gaza em 8 de outubro, ficaram expostas as mesmas premissas israelenses sobre a gestão do conflito e a visão de uma vitória rápida e fácil.
Nove meses de intercâmbios diários e gradualmente intensificados deslocaram dezenas de milhares de pessoas em ambos os lados da fronteira libanesa. Um cenário impensável no último setembro – que Israel se visse envolvido em uma guerra fronteiriça prolongada e perigosamente inconclusa com o Hezbollah – tornou-se uma questão política em meio às crescentes demandas por uma ampla ofensiva contra o Hezbollah.
As conversas de desescalada, lideradas pelo enviado especial dos EUA Amos Hochstein, não conseguiram resultados mágicos, já que o Hezbollah insistiu que sua própria campanha depende do fim dos combates em Gaza.
O Hezbollah insistiu que não busca uma guerra total, mas que está preparado para ela se ocorrer. No entanto, o que ainda não está claro é como os confrontos terminarão e em que condições. Assim como o Hamas, o Hezbollah considera que talvez não tenha vencido, mas também não perdeu. Os líderes do Hezbollah não parecem preocupados com a morte de 400 combatentes e resta saber se podem ser convencidos, através de negociações, a se retirarem da fronteira.
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Netanyahu trava uma guerra em duas frentes e não há fim à vista para nenhuma delas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU