14 Junho 2024
"Acredito que Deus ama a pequenez, a humildade, aquilo que não chama a atenção, mas liberta de dentro uma imensa força vital", escreve Simone Cristicchi, cantor italiano, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 11-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
A mostarda é uma planta muito comum, um inço, pouco chamativa e cresce nos lugares mais inesperados. Mas, apesar de ser a menor das sementes da horta, torna-se tão grande que permitir que os pássaros construam um ninho.
Gosto de pensar em Jesus como um poeta que olha a realidade e a transfigura, tornando-a vida pulsante.
Ele observa a realidade da criação e faz com que ela se torne eterna. Apreende o infinitamente pequeno e, nutrindo-o de atenção, o torna algo infinitamente grande. É atento aos detalhes, mesmo mantendo uma visão total: no Evangelho fala-nos de lírios, de uma pitada de fermento, de uma moeda da pobre viúva ou de um simples copo de água. Conta-nos de flores desabrochando, de voos de pássaros, de campos dourados de trigo.
Acredito que Deus ama a pequenez, a humildade, aquilo que não chama a atenção, mas liberta de dentro uma imensa força vital. A palavra “humildade” vem da raiz latina húmus. O húmus - os agricultores sabem bem - é aquela substância que torna a terra fértil. Se eu voltar a ser uma pessoa humilde, transformo-me num campo arado, com torrões de terra soltos, pronto para receber as sementes de beleza, conhecimento e amor que qualquer um pode me doar: de um recém-nascido até um idoso, de um filósofo a um cientista, de um manager a uma freira de clausura. Todos podem nos ensinar algo mas é preciso ter a coragem de abrir o nosso campo ao outro para que, voltando à terra, se possa aprender com todos.
Amo a humildade daqueles que vivem separados, longe dos holofotes e do barulho do mundo: eu os chamo de “santos silenciosos”. Eles são perfeitos “senhor ninguém” que vivem simplesmente, lidando com amor no seu pequeno pedaço de terra, sem necessidade de aplausos ou medalhas ao mérito. Por que acredito que uma pessoa anônima respeitável é muito melhor do que uma pessoa medíocre bem-sucedida.
Gosto da humildade da cotovia, o passarinho preferido de São Francisco, porque se alimenta das poucos migalhas que encontra no chão e anuncia o alvorecer cantando com o coração cheio de alegria. Amo a humildade de quem se torna tão pequeno que não pode mais ser atingido por nenhum golpe da vida. Amo a humildade da árvore, que nos ensina a lição mais nobre de todas: o amor incondicional. A árvore dá tudo o que tem: a lenha para me aquecer no inverno, sombra no verão se estiver com calor. Ela me dá seus frutos doces e o oxigênio para respirar. Considero toda essa riqueza um presente garantido, apenas porque a árvore não me faz pagar por ela.
E por isso “ser humildes”, para mim, significa “gratidão”, saber agradecer também a uma árvore qualquer.
Gosto de me perder no silêncio eloquente dos bosques, aprendendo com a sabedoria eterna de uma montanha, observar a lenta evolução das estações. É durante essas experiências de imersão na beleza e na minha interioridade que nasceu uma das minhas canções mais inspiradas, Abbi cura di me [Cuide de mim]: “Não procures um sentido em tudo, porque tudo tem sentido! Mesmo num grão de trigo se esconde o universo. Porque a natureza é um livro de palavras misteriosas, onde nada é maior que as pequenas coisas. É a flor no asfalto, o espetáculo do firmamento; é a orquestra de folhas vibrando ao vento. É a lenha que queima, que aquece e vira cinzas. A vida é o único milagre em que você não pode deixar de acreditar."
Diante do imenso mistério em que todos estamos imersos, não podemos deixar de nos ajoelhar e recomeçar pela humildade. E talvez a autêntica felicidade– o “Reino de Deus” a que Jesus alude nessa parábola – seja sentir-se parte de uma paisagem encantadora, apesar de não ser nada mais do que um minúsculo grão de areia.
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A grandeza das pequenas coisas. Artigo de Simone Cristicchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU