28 Mai 2024
"A diversidade foi sendo substituída por espaços controlados e fechados. Tanto os serviços da rede, como a sua infraestrutura, são cada vez mais concentrados nas mãos de poucas grandes empresas. Com a chegada da inteligência artificial, a aposta na monocultura está sendo dobrada", escreve Ronaldo Lemos, advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, em artigo publicado por Folha de S.Paulo, 19-05-2024, e reproduzido na página do Facebook de André Vallias, 20-05-2024.
No século 18, oficiais da Prússia tiveram uma ideia que parecia genial: reorganizar as florestas do país. Em vez da configuração selvagem original, replantar tudo de forma organizada. Árvores e plantas consideradas úteis foram colocadas juntas em fileiras definidas, trocando diversidade florestal por monoculturas.
Quando a primeira colheita chegou, anos depois, a fortuna gerada foi extraordinária. A madeira e os insumos colhidos foram abundantes como nunca se havia visto. O problema foi o desastre que se seguiu. As monoculturas foram devastadas por inanição, levando à eliminação de florestas inteiras na Alemanha. Surgiu até nova palavra em alemão: "Waldsterben", a morte da floresta. Esse termo marca até hoje o fracasso da monocultura.
Corte para o mundo de hoje.
Essa história recontada por Maria Farrell e Robin Berjon no artigo "É preciso tornar a internet selvagem de novo" serve de lição para os tempos atuais. Não é só a natureza que sofre com a monocultura. A internet como a conhecemos também.
Se a rede de 1994 a 2009 operava como um ecossistema ainda selvagem, onde a descentralização e a imprevisibilidade eram a regra, o que veio a partir dos anos 2010 lembra o caso da Prússia.
A diversidade foi sendo substituída por espaços controlados e fechados. Tanto os serviços da rede, como a sua infraestrutura, são cada vez mais concentrados nas mãos de poucas grandes empresas. Com a chegada da inteligência artificial, a aposta na monocultura está sendo dobrada.
Veja-se o caso do serviço novo do Google, chamado "Google Overviews", anunciado na terça da semana passada. A ideia é que quando alguém fizer uma busca na plataforma, o resultado não seja mais somente uma coleção de links clicáveis. Haverá um resumo das informações disponíveis sobre o tema pesquisado, feita por inteligência artificial, e mostrada para o usuário para fins de conveniência no site da plataforma.
A preocupação é que o usuário fique satisfeito com o que está vendo no buscador e não se dê ao trabalho de sequer clicar nas fontes originais. Com isso, o tráfego que hoje é distribuído para inúmeras páginas indexadas, passa a ficar concentrado no próprio buscador. Que, aliás, deixa de ser buscador e se torna também "informador".
O caso do Google é só um dos inúmeros exemplos de perda de diversidade da internet em curso. Já falei disso em outras colunas, inclusive em uma que tratou da hipótese de que a internet está morrendo.
O que fazer em face da monocultura? A solução brasileira foi criar áreas de preservação permanentes, definidas pela lei como "área protegida com a função ambiental de preservar a estabilidade geológica e a biodiversidade, assegurando o bem-estar das populações". Essas áreas obrigatórias em qualquer propriedade derivam do artigo 225 da Constituição, que protege o direito a um "meio ambiente ecologicamente equilibrado".
Esse mesmo pensamento ecológico precisa ser pensado para nossos ecossistemas de informação. Como criar áreas de preservação na internet, em face do avanço das monoculturas? Evitar um "Internetsterben" torna-se tema central para os próximos anos.
Já era – Diversidade da internet.
Já é – Monocultura da internet.
Já vem – Uma internet feita muito mais por máquinas do que por pessoas.
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Monocultura vai tomando conta da internet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU