23 Mai 2024
Uma voz livre, inteligentemente crítica, da esquerda. Ela é Ritanna Armeni, jornalista e escritora.
A entrevista é de Umberto De Giovannangeli, publicada por l'Unità, 18-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Estamos agora às vésperas das eleições europeias, num planeta marcado pela guerra, mas o debate na Itália centra-se em alianças, golpes baixos, escândalos reais ou presumidos. Estamos fora do mundo?
Acredito que estamos no mundo e em breve nos daremos conta. Também acho que as pessoas são muito mais conscientes do quanto a política mostra nos noticiários. Você se referiu aos conflitos mundiais, um tema que implicaria um discurso um pouco mais amplo que diz respeito à conscientização que temos de tudo isso. Esses aspectos de distração de massa, que vão dos escândalos à magistratura e aos bate-boca televisivos, tenho certeza de que depois não contam nada na votação ou só contam na medida em que incentivam a abstenção. É inacreditável como a política se cerca de pesquisas, uma verdadeira bulimia, e depois faz pouco caso delas.
Argumento intrigante que merece ser mais aprofundado.
De todas, absolutamente todas, as pesquisas sobre as preocupações dos italianos, emerge a imagem de um povo muito sério ou pelo menos muito preocupadas pelos problemas reais. Em primeiro lugar está o problema de saúde, depois o problema dos salários que não aumentam, todas questões seríssimas que, no entanto, quase sempre desaparecem dos radares mediáticos. Até a guerra, que também é uma coisa extremamente séria e preocupante, é usada pelos meios de comunicação de massa como uma arma de distração de massa. No momento em que vemos catástrofes gigantescas ao nosso redor e nos sentimos bastante impotentes e notamos que a classe dirigente italiana e europeia não é diferente, é como se quisessem nos distrair dos problemas reais. A guerra é mostrada, certamente não é resolvida, mas serve para preencher espaços mediáticos que de outra forma poderiam e deveriam ser utilizados para contar dramas sociais que a política esconde ou aborda em termos propagandísticos. Nesse sentido a guerra se torna uma arma de distração de massa, é como se quisessem nos distrair dos problemas reais.
E, em tudo isso, as eleições de 8 e 9 de junho?
A verdadeira aposta, na minha opinião, diz respeito à abstenção. Se esses quase dois anos de governo de centro-direita conseguiram modificar alguma coisa na cabeça das pessoas, será visto pela mobilização eleitoral. Se haverá uma participação um pouco maior na votação. Se, em vez disso, continuar a tendência constante das últimas eleições regionais e administrativas, de um abstencionismo que se espalha e aumenta em todos os lugares, então o sinal seria realmente negativo.
Elly Schlein inseriu nas listas às eleições europeias do Partido Democrático algumas candidaturas de forte identidade solidária e pacifista. Estou me referindo, para citar duas, a Cecilia Strada e Marco Tarquínio. Uma escolha, a da secretária do DEM, que recebeu críticas e registrou dores de cabeça no próprio PD. Ser pacifistas hoje é um crime político?
Não, não é. Mas causa muita divisão.
Por quê?
Causa divisão porque - não creio na consciência das massas populares, mas certamente naquela dos grupos dirigentes da política -, a guerra está se tornando uma opção culturalmente aceita. Esse é o ponto. Se você fala com um líder político, mas também com alguém que faz parte da comitiva da política, falam da guerra como se fosse uma opção normal. Temos que nos defender, a guerra é assim, Gaza é assim...
Para ser pacifistas hoje é preciso partir de outros pressupostos.
Quais?
Se você permanecer dentro da lógica atual e dominante, você fica encurralado, você se entrega a uma lógica de guerra.
Acredito que Schlein fez uma escolha apreciável. No sentido que colocou nas chapas uma opção pacifista que pelo menos é visível. Pessoas como Cecilia Strada e Marco Tarquinio, que você mencionou, são pessoas que fizeram da opção pacifista uma opção decisiva, como costuma se dizer, sem ses, nem mas. Desse ponto de vista, aquela da secretária Dem parece-me uma tomada de posição bastante corajoso. Sabemos bem que dentro do Partido Democrático também existem outras opções muito fortes. Mas aquela pacifista não é tão minoritária como gostariam nos fazer acreditar.
Recentemente fui à apresentação do livro de Goffredo Bettini na Sala Petrassi em Roma, onde estava presente todo o PD romano. Os aplausos pela paz vieram de todos. Não era, digamos assim, uma plateia "popular". Estavam Tarquinio, Bertinotti, Nichi Vendola, Smeriglio e muitos, muitos outros, com histórias, percursos, até diferentes. Havia realmente um sentimento comum sobre a opção paz. Significa que mesmo no PD está amadurecendo algo que contrasta com a lógica dominante que continua sendo, infelizmente, uma lógica de guerra.
Ter uma lógica de paz é difícil se você não a praticou por meio de uma proposta diplomática, uma ideia diferente do envio de armas, e está destinada a se dissolver no ar político.
Outro tema quente é aquele dos salários e dos direitos dos trabalhadores.
Isso é uma vergonha. Uma coisa ignóbil. O governo está vendendo essa pequena recuperação, o aumento de 0,1 0,2 no emprego, como uma vitória.
Efetivamente, em termos quantitativos, a taxa de emprego aumentou, algumas centenas de milhares de empregos não precários.
Onde está a vergonha, a maquiagem?
Consiste em esconder um fenômeno desastroso, isto é, o nascimento e o crescimento do trabalho pobre.
Estamos habituados a algo que entrou no nosso sangue: trabalho não é pobreza. Há uma barra além da qual você não é mais pobre porque trabalha. Você tem o que lhe permite sustentar a si mesmo, à sua família, mandar os filhos para a escola, etc. Essa barra não existe mais hoje. Porque é verdade que os empregos aumentaram, mas também é verdade que os salários não permaneceram iguais, se reduziram neste país. Significa que você trabalha, mas é pobre. Você passou daquela barra que há décadas caracteriza as políticas do trabalho ocidentais, segundo as quais se você trabalha, você não é pobre. Hoje, porém, você tem um emprego e é pobre. Com essa inflação vale a pena contratar trabalhadores, porque o dinheiro que você dá a eles é pouca coisa.
Os dados deveriam ser lidos talvez até com um olhar de classe, como se dizia tempo atrás.
Olhando para esses dados, alguém pode dizer que sim, é verdade, são 400 mil trabalhadores a mais, também é verdade que são trabalhos não precários, mas estáveis. Mas o que uma pessoa faz com 900-1000 euros? Em breve se chegará a uma consciência mais forte, até porque o empobrecimento do trabalho é acompanhado pela dimensão cada vez mais trágica das mortes no trabalho. Aqueles que morreram não são trabalhadores precários, são trabalhadores com carteira, com contribuições, tudo é regular. Só que trabalham naquelas condições, em empresas de subcontratação e, muito provavelmente, com salários mínimos. Por outro lado, a única coisa que este governo fez foi rejeitar o salário mínimo. A perspectiva sobre o que querem me parece muito clara.
Os direitos dos trabalhadores e a esquerda. Elly Schlein assinou o referendo contra o Jobs Act promovido pela CGIL. Abra-se o céu...
Essa é uma promessa que Schlein fez bem antes de se candidatar às primárias. É um ponto complicado. Não tanto o Jobs Act em si, mas uma política do trabalho que aceitou a precariedade, tornando-a até mesmo uma forma de liberdade, que remonta a décadas atrás, a Treu só por se citar um nome. É uma cultura que deve ser derrotada. O fato de ter assinado esse referendo é um fato positivo, no sentido de que pelo menos introduziu uma ruptura no unanimismo cultural sobre a precariedade.
Lembro-me que antes de uma votação, participei de um programa de Lucia Annunziata, no qual Elly Schlein estava presente. Na época ela nem era candidata à secretaria do PD, ela acompanhava Enrico Letta, secretário do PD na época, e já então ela se manifestou contra o Jobs Act. A questão é que Schlein deve contrariar e derrotar uma política que se sedimentou ao longo de décadas nesse partido e nas suas ramificações anteriores. É a partir do governo Prodi que continua e depois atingiu o seu auge com o Jobs Act de Renzi. Não é algo que possa ser referido a Renzi de uma forma politizada.
Há quem defenda que sem memória não há futuro. Lembro-me da grande resposta de público que teve a exposição sobre Enrico Berlinguer. Um público formado por muitos jovens que não conheceram Berlinguer, não viveram sua época. Ainda há uma forte necessidade de identidade na esquerda alimentada também por uma memória histórica que não deve ser perdida, mas reavivada e atualizada?
A esquerda não existe porque não há identidade. No momento em que se quer fazer alguma coisa, ou aparece uma identidade ou não dá para construir uma esquerda. Essa necessidade é muito forte. A identidade e a ideologia não morreram. Foram derrotadas pela história algumas identidades e algumas ideologias. Como aqueles que dizem: acabou a luta de classe. Não, a luta de classe não acabou, os patrões venceram. Não é que a ideologia e a identidade estejam acabadas, mortas e enterradas. Aquela ideologia, aquela identidade foram derrotadas. Ponto. Se não se reconstruírem, é evidente que não se vai em frente. Vamos fazer um partido sem identidade? Deve haver pelo menos três ou quatro coisas nas quais todos nos reconhecemos. Na minha opinião, também não pode ser feito sem ideologia. A ideologia é o que nos distingue dos nossos maravilhosos animais companheiros domésticos. Que são certamente muito inteligentes, mais ainda afetuosos, mas não têm uma visão global de mundo, da vida, de coisas a fazer.
Além disso, podemos introduzir todos os elementos de compreensão, até mesmo de amizade entre diferentes posições, acredito muito nisso, para a compreensão e também para a aceitação de algumas coisas que os nossos adversários provavelmente têm mais do que nós. Penso, por exemplo, que em relação à cultura liberal temos algumas dívidas. Mas disso a dizer que devemos renunciar a ter uma identidade e uma ideologia claras, visíveis e fortes...
Vamos dizer então que renunciamos a elas porque fomos derrotados.
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A ideologia? Nos distingue dos animais. Entrevista com Ritanna Armeni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU