28 Abril 2024
Documento da ANEEL revela pela primeira vez um laudo sobre os ataques que ocorreram em 8 de janeiro. Foram 24 torres de energia avariadas – todas sabotadas pelo mesmo método. O acaso é improvável, mas episódio foi abafado dos noticiários.
A reportagem é de Lúcio de Castro, publicada por Agência Sportlight, e reproduzida por Outras Palavras, 25-04-2024.
Oito de janeiro de 2023.
Eram 21h30 quando uma torre de energia tombou em Cujubim, Rondônia.
O segundo ataque veio logo depois.
Brasília ainda ardia sob a fúria dos atos golpistas que atacaram Palácio do Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal quando, 0h13 em ponto, exatas duas horas e quarenta e três minutos depois da primeira, desabou a segunda torre em Medianeira, Paraná. 0h40, num espaço de três horas e dez minutos entre as três, foi ao chão a terceira. Em Rolim de Moura, também Rondônia, a cerca de 380 quilômetros de Cujubim.
O documento da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) que relata os acontecimentos dos ataques as linhas de transmissão de energia do Brasil em janeiro de 2023, obtido pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação, é definitivo:
“Sabotagem. Atuação ou tentativa criminosa”. Define como “ações criminosas”. E completa: “não foram registradas condições climáticas adversas que possam ter causado queda das torres”.
No total, entre os primeiros ataques, no dia 8 de janeiro e o dia 31, foram 24 torres avariadas em 14 diferentes locais, espalhados por seis estados: Rondônia (4 locais), Paraná (4), São Paulo (3), Mato Grosso (1), Piauí (1) e Pará (1). Quatro foram ao chão, sendo que 3 em Rondônia e uma no Paraná. As três atacadas em 8 de janeiro ao longo da noite e madrugada, (duas em Rondônia e uma no Paraná) foram ao chão. O laudo de todas define como sabotagem.
Em todos os casos, ocorreu a repetição sistemática de um conjunto de ações: todos os parafusos da base das torres foram retirados, “ficando a torre sem sustentação, possibilitando a queda”. Além dos parafusos, foram cortados também os cabos de sustentação.
Em resumo: existiu um modus operandi. Um método repetido que uniu todas as ações.
Mais do que isso: uma organização, planejamento e pessoas com treinamento para tal operação realizada de forma sistematizada.
Foto: Aneel | Obtido a partir da Lei de Acesso à Informação
“É preciso não perder de vista jamais que o caso das torres derrubadas começam no mesmo dia, quase simultaneamente, exatamente horas depois do início dos eventos golpistas de Brasília, ao anoitecer. O que pode ser entendido como parte de um mesmo plano. Dentro desse plano, Brasília já estaria tomada pelos golpistas no executivo, judiciário e legislativo, e problemas em série com a rede de energia trariam de vez o caos ao país. Restaria a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e o poder transferido para o exército. E o governo estaria entregue. Hoje sabemos que esse era o plano”, resume um servidor envolvido na apuração dos episódios do 8 de janeiro e que pediu para não se identificar.
O histórico anual de ocorrências em torres de energia também afasta a hipótese do acaso. De acordo com a ANEEL, o ano de 2023 representa um recorde. Mais especificamente janeiro de 2023, mês em que as ações se concentraram. Para se ter uma ideia através de termos comparativos, 2019 inteiro fechou com dois registros de vandalismo em torres. Menos do que o 8 de janeiro de 2023.
Esquecido no noticiário sobre a tentativa de golpe de 8 de janeiro, jamais citado como objeto da investigação em curso sobre , sem nenhuma prisão ou operação específica, o episódio dos ataques às torres de energia foram e requerem, no entanto, tanta complexidade ou mais, logística, verbas e expertise do que os próprios eventos de 8 de janeiro ocorridos em Brasília.
Coisa de especialista.
Em relação aos episódios de Brasília, as investigações caminham para uma direção. Em relação aos ataques contra as torres, os caminhos e os relatórios da ANEEL mostram também alto grau de profissionalismo.
Em junho de 2022, o repórter Allan de Abreu publicou a reportagem “Os Kids Pretos – O papel da elite de combate do Exército nas maquinações golpistas”, na revista Piauí, onde, pela primeira vez, era citada a participação efetiva de militares da forças especiais, os chamados “kids pretos”, na tentativa de golpe de 8 de janeiro.
Na ocasião, a reportagem mostrou que o nível de organização das ações na capital demandava profissionais capacitados.
E os profissionais no exército capacitados para tal, treinados em operações especiais, eram os kids pretos, círculo de oficiais que formavam o ciclo mais próximo a Jair Bolsonaro.
Os kids pretos são treinados em ações de sabotagem e incentivo à insurgência popular, as chamadas “operações de guerra irregular”.
As fotos abaixo, todas constantes do relatório da ANEEL sobre os ataques, mostram as distintas sabotagens, como retiradas de parafusos estratégicos na base, corte de cabos também da base e retirada de hastes de sustentação:
Foto: Aneel | Obtido a partir da Lei de Acesso à Informação
Desde o início das investigações sobre os atos golpistas, duas operações especificamente voltadas para a participação e organização dos kids pretos já foram realizadas pela Polícia Federal.
Em 29 de setembro de 2023, a PF realizou mais uma etapa, a 18ª, da “Operação Lesa Pátria”, nome da investigação que apura financiadores, participantes e organizadores dos atos golpistas. A operação foi voltada especificamente para cumprir um mandado de busca e apreensão contra o general da reserva Ridauto Lucio Fernandes, um “kids preto”, que chegou a gravar vídeo da própria participação nos atos golpistas de 8 de janeiro.
“A nova fase da Lesa Pátria faz parte de uma frente da investigação que busca identificar supostos integrantes das Forças Especiais do Exército, os chamados “kid pretos”, que teriam dado início às invasões às sedes dos Três Poderes”, comunicou então a Polícia Federal.
Já em 8 de fevereiro de 2024, foi deflagrada a “Operação Tempus Veritatis” da Polícia Federal, para apurar os crimes de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito por membros do governo de Jair Bolsonaro, apontou que integrantes das Forças Especiais do Exército, os chamados “kids pretos”, estiveram envolvidos em um “planejamento minucioso” para impedir a posse de Lula na presidência da República.
De acordo com a PF, “houve planejamento minucioso de kids pretos do exército para a consumação do golpe de estado”. O plano envolveu uma reunião em novembro de 2022 com oficiais especializados em ações contra terrorismo, insurgência e guerrilha. Os “kids pretos” seriam os responsáveis por realizar as prisões de autoridades após a edição de um decreto de intervenção militar. Entre os alvos estaria o ministro do STF, Alexandre de Moraes, que chegou a ser monitorado pelos investigados.
Os detalhes do plano foram relatados em mensagens encontradas no celular do tenente-coronel Mauro Cid, que fechou colaboração premiada com a Polícia Federal.
A reportagem enviou para a Polícia Federal um pedido oficial de resposta sobre as investigações específicas sobre o ataque às torres, mas não recebeu resposta.
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Quem cortou a luz no dia do golpe? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU