24 Abril 2024
CCJ aprova PL que limita a arrecadação do órgão ambiental; edição traz ainda a pandemia de branqueamento de corais.
Reproduzimos a seguir a newsletter do Observatório do Clima, 22-04-2024.
A expressão inglesa juggernaut designa uma força ou organização imparável, como um caminhão sem freio descendo uma ladeira. Neste terceiro governo Lula, a agenda ambiental vem sendo atropelada pelo juggernaut do Congresso. A vítima mais recente e negligenciada é a TCFA, a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, que compõe o caixa do Ibama e cuja derrubada frequenta os sonhos molhados da bancada ruralista há boas duas décadas.
Como explica nesta edição da newsletter Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, a taxa é cobrada desde o ano 2000 e respondeu em 2023 por R$ 430 milhões, um quarto do orçamento do Ibama (incluindo pessoal). Não apenas isso, ela também permite o funcionamento dos órgãos ambientais dos estados, já que a autarquia federal repassa a eles até 60% do que é arrecadado com a taxa – apenas no ano passado foram R$ 315 milhões.
Nesta semana, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou um PL do ex-deputado überruralista Jerônimo Goergen (PP-RS) que limita a arrecadação da taxa aos empreendimentos licenciados pelo Ibama. A ideia é tentar enfraquecer o órgão por inanição. Já em 2001, um parecer de ninguém menos que Ives Gandra, o rábula do golpe de Estado, buscava produzir essa limitação, que foi derrotada no Supremo. Como a modinha no Congresso agora é ignorar a corte constitucional, a CCJ presidida pela bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC) nem pestanejou. Se ninguém recorrer, a matéria vai direto ao Senado, sem passar pelo plenário de Câmara. E o Ibama e os órgãos estaduais de meio ambiente podem se ver privados de algo em torno de R$ 740 milhões por ano.
Claro que não para por aí. O chamado “pacote da destruição” do Congresso cresceu de 5 para 15 projetos de lei, incluindo cinco que buscam desmontar o Código Florestal pedaço por pedaço. E o senador preferido dos grileiros do Pará, Zequinha Marinho (Podemos), resolveu homenagear a semana dos povos indígenas propondo uma emenda constitucional que transfere as demarcações do Executivo para o Congresso.
Nessa toada, é mais fácil o tio Paulo ficar bem do que o Brasil ter condições morais de sediar a COP30 em 2025.
Boa leitura.
Por Suely Araújo | OC
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (17) o Projeto de Lei nº 10.273/2018, do ex-deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que reduzirá em muito o orçamento do Ibama ao mudar a forma de arrecadação da TCFA (Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental). A proposta também prejudica os órgãos estaduais de meio ambiente, que hoje recebem boa parte dos recursos da taxa, repassados pelo órgão federal.
A Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental é um tributo existente desde o ano de 2000, que tem como fato gerador o exercício do poder de polícia do Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.
Há um anexo na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente que lista as atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais que geram a obrigatoriedade de pagar a TCFA, entre elas a extração de minerais, a indústria metalúrgica, a indústria de papel e celulose, a indústria química, serviços como produção de energia termelétrica, tratamento e destinação de resíduos industriais líquidos e sólidos, exploração econômica da madeira ou lenha e subprodutos florestais.
A lógica é manter uma lista ampla de contribuintes, com um pagamento de valor baixo. Uma indústria química de uma empresa de grande porte, por exemplo, paga uma taxa de pouco mais de R$ 5.700 reais trimestralmente.
No total, os pagamentos pequenos somam um dinheirão: segundo o Ibama, no ano passado foram R$ 746,8 milhões arrecadados. O recurso tem utilização restrita a atividades de controle e fiscalização ambiental. Serve, por exemplo, para manter fluxo de caixa (“financeiro”, no jargão da administração pública) para custear valores autorizados para o Ibama fazer girar a máquina de fiscalização. Também beneficia governos subnacionais, porque o Ibama faz acordos de cooperação com estados que têm taxas similares para repasses que podem chegar a 60% dos valores. No ano passado, 20 estados receberam no total R$ 315 milhões (municípios também podem receber, desde que façam acordo com os estados). A parcela que ficou com o órgão federal, R$ 431 milhões, equivale a quase 25% do orçamento do Ibama, incluindo despesas com pessoal.
A proposta aprovada pela CCJ restringe muito a aplicação da TCFA. Determina que o Ibama poderá realizar a cobrança da TCFA apenas das atividades licenciadas pela União. Ocorre que a fiscalização do Ibama vai muito além dos empreendimentos licenciados pela autarquia. Por exemplo, o Ibama em geral não licencia empreendimentos em imóveis rurais, mas os fiscaliza o tempo todo. As competências de fiscalização são comuns aos três níveis da federação por força do artigo 23 da Constituição Federal, o que é reconhecido pelo art. 17, § 3º, da Lei Complementar nº 140/2011.
No passado, ocorreu debate jurídico sobre a possibilidade de cobrança da TCFA pelo Ibama em razão do poder de fiscalizar supletivamente empreendimentos licenciados pelos governos subnacionais, quando essa taxa foi criada há mais de duas décadas e em outras ocasiões, e a decisão do Supremo Tribunal Federal foi de confirmar a constitucionalidade do tributo.
Como o Ibama licencia empreendimentos complexos e de grande porte, mas a grande maioria dos licenciamentos ambientais é estadual, a aprovação da legislação que fundamenta a TCFA como previsto no PL nº 10.273/2018 implicará o esvaziamento completo dos recursos arrecadados com essa taxa, com reflexos diretos também nos repasses para os governos estaduais. Note-se que há subentendida na proposta uma redução – inconstitucional – do alcance da fiscalização do Ibama.
Há outros dispositivos do projeto de lei que contribuem para agravar essa situação. O projeto dispõe que “A TCFA é devida por pessoa física ou pessoa jurídica, independentemente da quantidade de filiais ou estabelecimentos que a compuser”, e que “Caso a pessoa física ou pessoa jurídica exerça mais de uma atividade sujeita à TCFA, pagará a taxa relativamente a apenas uma delas, pelo valor mais elevado”. Desconsidera, portanto, a proporcionalidade com o esforço de fiscalização ambiental, ou seja, a relação entre o valor da taxa e a atuação estatal.
Trata-se de proposta perversa, que busca reduzir o poder e os recursos do Ibama. Esperamos que o Executivo se movimente para derrubar esse projeto de lei.
Suely Araújo é coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima,
Mesmo que as emissões de carbono parassem hoje no mundo, a renda per capita média global pode cair 19% no meio do século como decorrência das emissões passadas. O cálculo foi feito por um trio de pesquisadores alemães, que consideraram as perdas econômicas decorrentes de eventos extremos e da alteração nos regimes de chuva mundo afora. O impacto agregado é de US$ 38 trilhões ao ano, quase 20 vezes o PIB do Brasil, ou seis vezes o que seria necessário investir para evitar que o aquecimento global ultrapasse 2ºC. Como tudo é pior no Sul global, em algumas regiões do Brasil o tombo na renda será de 25%.
O deserto da Arábia virou mar nesta semana: no intervalo de algumas horas, entre segunda e terça-feira, a cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, recebeu 142 milímetros de chuva, o esperado para um ano e meio. Na fronteira dos Emirados Árabes com o Omã, a região de Khatm Al Shiklah chegou a registrar 254, 8 milímetros de precipitação em menos de 24 horas. Foi a maior chuva em 75 anos, segundo o Centro Nacional de Meteorologia. A podre de rica sede da COP28, que fez fortuna vendendo petróleo (e explorando imigrantes), registrou caos e alagamentos. Ironicamente, Dubai havia sido objeto de um vídeo fake viral no ano passado, que mostrava justamente cenas épicas de alagamento. Houve especulação sobre se as operações de “semeadura de nuvens”, em que os emiradenses usam drones e aerossóis para fazer chover, estariam por trás do fenômeno – a maior tempestade desde o início dos registros, em 1949. A Al Jazeera ouviu meteorologistas e constatou que não: a culpa é provavelmente do aquecimento global mesmo, que esquentou demais o oceano na região.
Depois de tempestades bíblicas que alagaram um terço do país e mataram mais de 1.700 pessoas em 2022, o Paquistão voltou a sofrer com chuva extremas nesta semana. Mais de 130 pessoas já morreram nas enchentes no país e no vizinho Afeganistão – adaptação climática não parece ser o forte dos fanáticos do Talibã. O Paquistão é um dos países mais vulneráveis aos impactos da mudança climática, e um dos que menos contribuíram historicamente para o problema.
Um grupo de cidadãs suíças maiores de 64 anos venceu no último dia 9 uma ação judicial contra o governo na principal corte europeia de direitos humanos. As Klimasenniorien, como são conhecidas, argumentaram que a falta de ação climática do governo suíço lhes põe em risco aumentado de morrer em ondas de calor. A Corte Europeia de Direitos Humanos lhes deu ganho de causa, o que significa que todos os 32 países europeus membros do tribunal precisarão agir com mais rigor para cortar emissões – a decisão é legalmente vinculante, como explica a Reuters.
Polêmica das grandes envolvendo a iniciativa Science Based Targets (SBTi), a mais reconhecida certificadora de projetos privados de descarbonização do mundo. O estopim foi o anúncio, no último dia 9, de que a iniciativa passaria a reconhecer projetos de compensação de emissões (offsets, ou créditos de carbono) ao conferir seu selo de confiança – reconhecido inclusive pela ONU – para ações de mitigação de empresas e instituições financeiras. Segundo o comunicado do Conselho de Administração da SBTi, os créditos de carbono seriam validados “com o propósito de redução de emissões de escopo 3” (as emissões “indiretas”, que ocorrem durante o consumo de bens produzidos por uma determinada empresa).
A reação foi imediata. Integrantes do corpo técnico da própria SBTi criticaram não apenas a decisão, mas também sua legitimidade – já que o conselho técnico do órgão não teria sido nem sequer consultado. A mudança foi vista como uma vitória das grandes corporações, que há anos tentam emplacar as compensações entre as ações previstas para certificação e, assim, contornar a pressão por ações de corte efetivo em suas emissões.
Em comunicado obtido pelo Guardian, os funcionários pediram a renúncia do CEO, o brasileiro Luiz Fernando do Amaral, e de todos os membros do conselho que apoiaram a decisão. “Estamos prontos para apoiar quaisquer esforços para garantir que a SBTi não se torne uma plataforma de greenwashing, na qual as decisões sejam indevidamente influenciadas por lobistas, orientadas por potenciais conflitos de interesse e com pouco comprometimento à governança existente”, declararam. Após a reação dos funcionários (e da repercussão externa da crise), a SBTi acrescentou um esclarecimento ao comunicado informando que tratava-se apenas de uma proposta sobre o reconhecimento de compensações, e que qualquer decisão será tomada com base na ciência e respeitando os procedimentos internos do órgão. Uma proposta será apresentada para debate em julho. Ou seja: vem mais treta por aí.
O delegado Alexandre Silveira (PSD-MG), que Lula insiste em manter como ministro de Minas e Energia, voltou a fazer jorrar seu poço de abobrinhas. Depois de comparecer a um encontro do G20 de gravata verde (vai que alguém acredita), ele resolveu fazer uma defesa da substituição de termelétricas a óleo combustível na Amazônia por… pequenos reatores nucleares.
Sério.
O “raciocínio” do ex-policial civil é que esses reatores ajudariam a “descarbonizar” os sistemas termelétricos isolados da região, aproveitando ao mesmo tempo o “patrimônio” do urânio no Brasil. Vamos poupar o leitor de nossas considerações sobre segurança e pertinácia de usinas nucleares em pleno século 21. Deixaremos aqui apenas um compilado de 2018 feito pelo Instituto Escolhas de custos por megawatt/hora de várias fontes de eletricidade (desde então as novas renováveis ficaram ainda mais baratas):
Hidrelétrica: R$ 286
Eólica no Nordeste: R$ 195
Biomassa no Sudeste: R$ 168
Solar no Nordeste: R$ 293
Nuclear (Angra 3): R$ 528
Esse fio finíssimo do Climainfo explica bem por que a proposta é absurda.
Detestada pelo PT, pelos “pragmáticos” do governo, pela bancada ruralista, pela CNI, a CNA e os grileiros da Amazônia, Marina Silva acaba de entrar na lista da revista Time das cem personalidades mais influentes de 2024 no mundo. A escolha foi feita pela reconstrução da capacidade do Brasil de combater o desmatamento. No ano passado, a mesma Time já havia eleito a ministra uma das cem líderes climáticas mais importantes do planeta. Outro líder climático do Sul global está na lista: o presidente do Quênia, William Ruto.
No final de fevereiro, a Noaa, a agência nacional de oceanos e atmosfera dos EUA, alertava para o que poderia ser a quarta pandemia de branqueamento de corais. O fenômeno acontece quando ondas de calor marinha fazem os corais perderem as algas que lhes dão cor e lhes fornecem alimento, o que pode matar as colônias. Em março, o OC registrou que o branqueamento já estava atingindo os recifes do Nordeste brasileiro.
Neste mês todas as piores previsões dos cientistas se confirmaram: a Noaa ratificou que eventos maciços de branqueamento estão em curso em todas as bacias oceânicas onde há bancos de coral; no Brasil que vem passando por eventos pequenos de branqueamento na última década, este pode ser o pior surto já registrado, segundo a Reuters.
A indefinível Leona Vingativa produziu um clipe graficamente didático sobre as consequências do acúmulo de lixo para os alagamentos em Belém. “Se continuar assim não vai ter COP30”, canta a paraense em “Sua imunda”.
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Câmara tenta tirar verba do Ibama, Dubai alagada e corais cozidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU