Episódio também é ponto de partida para refletir sobre o jogo da extrema-direita no ambiente das redes digitais
Depois que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou que Elon Musk, dono do X, antigo Twitter, encerrasse contas na rede social, um rastilho de pólvora foi aceso. O STF alega, baseado em relatório da Polícia Federal, que a suspensão é necessária e emitiu sua determinação ainda em 2022, ano da campanha à Presidência da República e, em 2023, quando houve os atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília. Isto porque o X permitiu a transmissão ao vivo de investigados com perfis bloqueados pela plataforma que propagaram fake news tanto nas eleições como nos ataques aos três poderes. Musk se levantou como paladino da liberdade e disse que não cumpriria a determinação, alegando que o Brasil cerceia a liberdade de expressão.
Esse é o Michael Shellenberger, jornalista que foi instrumentalizado pelo Musk para atacar o Moraes e a soberania do BR. Ele não viu nada e não sabe de nada. Parece piada. O @demori fez a melhor síntese sobre o caso. 👇 Preciso do RT de vocês. pic.twitter.com/TVEYwiJTd9
— Cesar Calejon (@cesarcalejon1) April 9, 2024
O movimento de Musk, que se coloca como um xeique das big techs, provocou reação da Justiça que não renuncia à medida e o chamou pessoalmente para prestar contas. Todo esse episódio cria uma espécie de cortina de fumaça que visa encobrir muito mais do que manter ou não certos perfis do X no ar. Afinal, essa rede é um dos férteis terrenos onde a extrema-direita, não só do Brasil, mas do mundo, planta suas sementes. Luis Felipe Miguel, professor do Instituto de Ciência Política, da UnB, em artigo publicado pelo IHU, é bem direto e assopra para longe essa cortina de fumaça e afirma: “a gente finge que acredita. Como as outras vozes da extrema-direita da qual Elon Musk se tornou corifeu, há muita conversa sobre princípios, mas procurando um pouco se acha a motivação real: grana”.
Sendo ainda mais claro na reflexão do professor, na verdade, há um desenho que fugir de qualquer tipo de regulação das redes sociais digitais com dois objetivos bem claros: a) poder falar e agir como bem entende seus ideais de ódio e implosão das instituições republicanas e democráticas; e b) assegurar o X como uma big tech que dê lucro, muito lucro.
Na mesma linha, também em artigo no IHU Tarso Genro vê este episódio como um embate entre “o novo estado privado contra o estado público”. “A experiência de Elon Musk como CEO, chanceler e líder de um novo poder soberano global, que se ergue no horizonte da história contemporânea, não é apenas o novo traçado de uma epopeia fascista libertina, hoje apelidada de 'libertária', mas é sobretudo a promessa de uma nova etapa – na época da dissolução do projeto imperial-colonial tradicional – que se encaminha para um outro patamar de poder do capital financeiro global, no atual sistema-mundo”, detalha Genro.
Pós STF, Musk ataca Austrália e é chamado de 'bilionário arrogante' por primeiro-ministro https://t.co/XtBNOXnjin
— Jamil Chade (@JamilChade) April 23, 2024
Em entrevista recentemente concedida ao IHU, o professor Moysés Pinto Neto também reconhece o terreno das redes como um espaço de fomento dos valores que flertam com o reacionarismo. Para ele, “a extrema-direita reivindica o realismo da ‘crueldade’ do mundo”. E exemplifica, a partir do caso brasileiro: “as peças produzidas pela extrema-direita, como o recente rascunho de fundamentação do golpe encontrado, ou os tuítes do Carlos Bolsonaro, falam por si só: trata-se de pessoas extremamente despreparadas e arrogantes, em geral acreditando que sua condição (branca, masculina, hétero, cristã, rica, forte) pudesse, por si só, levar à credibilização das suas ‘opiniões’ fraquíssimas”.
Moysés será um debatedores do evento que o IHU realiza logo mais, às 10h, justamente para refletir e mergulhar nas questões de fundo envolvendo Musk e o STF. O evento terá participação do professor Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC – UFABC, que tem se dedicado a estudar os movimentos das redes sociais; e Letícia Duarte, jornalista e mestre em Política e Assuntos Internacionais que tem pesquisado a extrema-direita global. A atividade é gratuita, com transmissão ao vivo pelas redes do IHU.
Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, realizou período-sanduíche no Centre for Research in Modern European Philosophy, no Reino Unido.
Moysés Pinto Neto (Foto: Arquivo pessoal)
É editor do canal Transe e fundador da plataforma educacional Alternativa Hub.
Sociólogo e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP, leciona na UFABC.
Sérgio Amadeu (Foto: PT)
Foi um dos pioneiros no debate da inclusão digital no Brasil e pesquisou as práticas colaborativas e o software livre. Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Entre suas publicações, destaca-se Exclusão digital: a miséria na era da informação (Perseu Abramo, 1996).
Jornalista radicada em Nova York, mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e mestre em Política e Assuntos Internacionais pela Universidade de Columbia, em Nova York. É gerente para a América Latina do programa Report for the World, da ONG americana The GroundTruth Project, que apoia o jornalismo independente pelo mundo. Ela integra o grupo de Global Content Analysts, do Spotify.
Letícia Duarte (Foto: acervo pessoal)
Dedicada a reportagens em profundidade sobre temas sociais e políticos, já recebeu os principais prêmios de jornalismo do país, incluindo três Prêmios Esso e o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos. Nos últimos anos tem se dedicado a investigar desinformação e discursos de ódio. Entre seus trabalhos recentes, está a série global Democracy Undone (Democracia Desfeita), investigando os efeitos sociais da ascensão da extrema-direita no Brasil e nos Estados Unidos para a revista americana The Atlantic e o The GroundTruth Project. Também produziu o episódio bônus sobre o olavismo para a série de podcasts Retrato Narrado, da Revista Piauí e do Spotify Brasil. É autora do livro Vaza Jato (Mórula Editorial, 2020), em parceria com o The Intercept Brasil, que foi finalista do Prêmio Jabuti como melhor livro de não ficção em 2021.