23 Abril 2024
Os preconceitos raciais interpessoais e a discriminação, assim como o racismo sistêmico, continuam os grandes obstáculos à vida e dignidade das pessoas de ascendência africana. Com “um sentimento de decepção”, organizações religiosas e da sociedade civil, convidadas pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI), encaminhou documento à Terceira Sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Pessoas de Ascendência Africana, reunido em Genebra dias 16 a 19 de abril, pedindo reparação aos povos negros.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Na consulta dos representantes eclesiais, também em Genebra, no dia 15 de abril, o relator do Fórum Permanente, Dr. Michael McAeachrane, frisou que “reparação” não diz respeito a uma mera compensação financeira. “A soma de dinheiro não é o ponto. O objetivo é abordar os legados das injustiças passadas em todas as áreas da sociedade, incluindo até mesmo as psicológicas e de identidade”, apontou.
A líder Antirracismo e Equidade da Igreja Unida do Canadá, Adele Halliday, instou os participantes da consulta chamada pelo CMI a abordarem as discussões considerando que instituições e atores religiosos são cúmplices no racismo, por elas muitas vezes legitimado.
O bispo camaronês da Igreja Cristã Internacional Revive, Dr. Pius Inobuh Bah, observou que há muitas pessoas que ainda sofrem os efeitos da escravidão e do colonialismo. “A cura é um processo e penso que muitos africanos nunca esquecerão o que os colonizadores fizeram. Essas pessoas foram extorquidas”, disse.
O documento dos representantes eclesiais enviado ao Fórum expressa tristeza ao constatar que muitos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 2030 mostram-se, de modo claro, irrealizáveis dentro do prazo. “Estamos particularmente preocupados com o aumento das desigualdades em todo o mundo”, desde desigualdades de gênero, raciais, digitais, educacionais e econômicas.
“As políticas governamentais que abrangem a participação econômica, o acesso à educação, à saúde, à habitação, a migração e as intervenções políticas em zonas de conflito continuam a apresentar elementos de perfil racial e de parcialidade”, arrola o documento.
Também expressa desapontamento com as atividades de extração econômica das empresas multinacionais do Norte Global, incluindo a Rússia e a China, em estados habitados por pessoas de ascendência africana, que são explorados. Por isso, pede uma declaração de que a extração e a repatriação de recursos naturais sem beneficiação e remuneração adequada para os países e comunidades de origem é uma prática econômica injusta”.
A consulta enfatiza que “embora não haja disputa sobre quem são os principais contribuintes para a crise climática que o mundo enfrenta hoje devido à sua associação com a industrialização, também não há dúvidas sobre quem carrega o fardo mais pesado da crise”. O continente africano paga “um preço elevado pelos excessos dos países desenvolvidos”.
Os representantes eclesiais enunciaram 13 recomendações ao Fórum, entre elas o pedido de declaração e reconhecimento de que a escravização e a colonização foram e são “crimes contra a humanidade” e “genocidas”; que o impacto econômico da escravatura e da colonização inibiram o progresso econômico de pessoas de ascendência africana, vítimas de sistemas políticos e econômicos racistas.
Mais: “Recomendamos políticas humanas de migração, para refugiados e requerentes de asilo, que reconheçam e defendam a dignidade das pessoas que fogem de situações perigosas”.
No campo simbólico, o documento das igrejas recomenda “uma descolonização deliberada e completa das epistemologias do Ocidente, que têm sido responsáveis por séculos de epistemicídio” e uma “descolonização da branquitude como o padrão universal das culturas humanas, que tem sido responsável pela morte ou marginalização de culturas não ocidentais, resultando em ‘espiritualicídio’ generalizado (o genocídio/assassinato de espiritualidades)”.
Pede, ainda, o direito do povo haitiano à autodeterminação e recomenda uma declaração reconhecendo que a dívida histórica imposta ao povo do Haiti pela sua independência é “ilegal e deve, portanto, ser devolvida”, e que seja criado um mecanismo de reparação abrangente aos danos históricos e contínuos perpetuados contra esse povo.
O documento da consulta foi lido perante o Fórum, no dia 17 de abril, pela pastora Dra. Angelique Walker-Smith, presidente do CMI na América do Norte e estrategista para o Engajamento da Fé Pan-Africana e Ortodoxa.
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Consulta do Conselho Mundial de Igrejas pede descolonização da branquitude - Instituto Humanitas Unisinos - IHU