18 Abril 2024
O organismo geológico internacional rejeita reconhecer o Antropoceno — este período definido pelo impacto humano no clima e no ambiente — como uma nova época, decisão que alguns cientistas consideram uma oportunidade perdida de reconhecer o impacto humano na Terra.
A reportagem é de Julie de La Brosse, publicada por La Croix International, 17-04-2024.
“Quando comecei a trabalhar em geologia, era uma forma de escapar às complexidades do mundo vivendo no passado”, diz o paleobiólogo polaco Jan Zalasiewicz. Quarenta anos depois, ele se encontra no centro de uma polêmica ferozmente atual. Após anos de esforços, ele acaba de ver a sua proposta de reconhecer o Antropoceno como uma nova época geológica rejeitada pela União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS).
No domínio da ciência, onde debates e controvérsias acalorados são comuns, isto nunca antes teve um impacto tão mediático. Durante semanas, os dois campos — pró e contra-Antropoceno — batalharam através de artigos publicados e apelos às mais altas autoridades geológicas globais, com o primeiro acusando o último de sabotar a sua proposta com base no ceticismo climático, enquanto o último criticou o primeiro por falta de seriedade, acusando-os de antropocentrismo, a crença ética de que só os humanos possuem valor intrínseco.
Tudo começou em 2001, quando o químico e meteorologista holandês Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel, anunciou num congresso científico internacional que um novo capítulo na história da Terra tinha começado com a transição do Holoceno, a época geológica que abrange os últimos 12.000 anos, para o Antropoceno. “A pegada humana no ambiente global tornou-se tão grande e intensa que rivaliza com algumas das grandes forças da natureza”, escreveria mais tarde na revista Science.
Os cientistas e a imprensa perceberam a ideia rapidamente. Tornou-se tema de estudo entre pesquisadores das ciências sociais e exatas, ajudando a popularizá-lo. "Para compreender os anos de debate que se seguiriam, é preciso lembrar que Crutzen não é geólogo. O termo emerge das ciências do sistema terrestre, que analisam as mudanças globais que afetam a habitabilidade da Terra", explica o historiador da ciência Sébastien Dutreuil, pesquisador do CNRS, Centro Nacional de Pesquisa Científica da França.
Foi só no fim dos anos 2000 que alguns geólogos, incluindo Zalasiewicz, começaram a explorar a realidade geológica do Antropoceno. Em 2009, o paleobiólogo foi nomeado por um subcomissão da Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS) — encarregado pela IUGS de desenvolver a linha do tempo que divide a história de 4,6 bilhões de anos da Terra — para liderar um Grupo de Trabalho sobre o Antropoceno (AWG).
Durante 15 anos, cerca de 30 investigadores eminentes especializados em geologia, ciências naturais, arqueologia e até ciências sociais trabalharam para determinar se e quando o Antropoceno começou. Procuraram definir um marco temporal (o início do período) e um sítio sedimentar de referência, dentro do qual pudessem ser registradas as cicatrizes da humanidade na Terra.
Microplásticos, pesticidas e outros restos da combustão de petróleo ou carvão... Todos os marcadores sedimentares da atividade humana foram examinados e analisados como evidência potencial de uma mudança de época. Em 2018, Zalasiewicz chegou a sugerir que os ossos de galinha, cujos números e tamanhos explodiram devido à domesticação, poderiam tornar-se “os fósseis desta época em que os humanos dominavam o planeta”.
A data de início do período também gerou debates vibrantes e apaixonados. Seria 1780, marcando a Revolução Industrial, como sugeriu Crutzen? O início da agricultura, há oito mil anos? 1945, com o uso da bomba atômica? Ou 1610, quando a descoberta da América pelos europeus começou a deixar a sua marca no planeta?
No verão de 2023, os esforços do AWG finalmente culminaram. O grupo anunciou com grande alarde que o Lago Crawford, no Canadá, havia sido escolhido como local de referência global para o Antropoceno e definiu 1952 como o início do período. “Devido aos numerosos testes nucleares entre 1945 e 1963, a partir de então, uma camada uniforme de plutônio pode ser encontrada sedimentada na superfície da Terra”, explica a geoquímica Catherine Jeandel, membro do AWG.
Esta proposta foi finalmente rejeitada no início de março pelo subcomissão do ICS, numa votação – 12 contra, 4 a favor – que foi imediatamente contestada pelo seu presidente Zalasiewicz. Recusando participar no que considerou uma votação prematura, o paleobiólogo recorreu mesmo à IUGS para que a decisão fosse anulada. No entanto, poucas semanas depois, a prestigiada instituição decidiu ratificar esta decisão e dissolver o grupo de trabalho do Antropoceno, reconhecendo ao mesmo tempo que “esta noção está agora bem estabelecida no domínio público”, fora da geologia.
“O problema é que os proponentes do Antropoceno agiram como se a sua proposta já tivesse sido validada pela comunidade geológica, o que é completamente falso”, afirma o investigador do CNRS Thomas Servais, membro do IUGS, que acredita que desde o início eles "foram mais motivados pela necessidade de reconhecimento da mídia do que por uma abordagem científica genuína".
Substantivamente, os membros da subcomissão consideram o período demasiado curto para ser validado. “Para entender o que estamos discutindo é preciso ter em mente que a época geológica atual, o Holoceno, é a mais curta da história, durando até agora 11,7 mil anos”, esclarece Servais. “Na melhor das hipóteses, poderíamos considerar os testes radioativos como um ‘evento geológico’, a par, por exemplo, do meteorito que atingiu a Terra levando à extinção dos dinossauros, mas certamente não como uma ‘época’”, acrescenta o paleontólogo Vincent Geult.
Para a maioria dos geólogos, este trabalho, saturado de interesses políticos, foi tendencioso desde o início. “Fomos convidados a resolver um debate que não nos cabia decidir. Geologia não é arqueologia; não se trata de simbolismo”, salienta Servais. Huault concorda: “Este debate é nada menos que mais um sinal do nosso antropocentrismo, que perpetua o mito da onipotência humana”.
A etimologia da palavra Antropoceno (do grego antigo antropos, "ser humano", e kainos, "novo") não significa "a era do homem", mas "o novo homem, como se fôssemos capazes de perturbar apenas o clima, mas também as placas tectônicas", continua o paleontólogo.
Ainda assim, para muitos cientistas, incluindo alguns geólogos, esta decisão representa uma oportunidade perdida para reconhecer o impacto da atividade humana no funcionamento do nosso planeta. “Em última análise, o aspecto mais lamentável deste caso é que o grupo de trabalho sobre o Antropoceno teve uma abordagem muito interessante do ponto de vista da relação entre as ciências e as sociedades, que foi além da simples resposta binária a uma afirmação puramente geológica”, reflete o filósofo Pierre de Jouvancourt, que escreveu uma tese sobre o assunto. “Sem falar que, ao aterem-se ao raciocínio como geólogos, estes indivíduos, regularmente acusados de ceticismo climático como Claude Allègre, contribuirão para promover esta tese”, acrescenta a filósofa Catherine Larrère.
Isto não desanima Zalasiewicz e os seus colegas. A La Croix, ele confidencia que o grupo de trabalho continuará a sua luta contra todas as probabilidades, como um órgão independente. “O Antropoceno, como uma nova fase muito distinta da história planetária, é uma realidade. Ainda há muito a estudar e esclarecer sobre este tema”. O paleobiólogo polaco está longe de terminar as manchetes.