04 Abril 2024
A ministra chilena Aisen Etcheverry Escudero, ex-advogada, lidera a estratégia de inteligência artificial da América Latina, enfatizando a integração crucial da tecnologia com uma perspectiva social.
A reportagem é de Mélinée le Priol, publicada em La Croix International, 02-04-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A IA está destinada a ser concebida, implantada e regulamentada exclusivamente pelo Norte global, com a liderança dos Estados Unidos? Para contrariar essa ideia, a Unesco organizou um fórum global sobre ética na IA na Eslovênia, no início de fevereiro. O “Sul global” estava bem representado, com delegados do México ao Vietnã, incluindo Gabão, Turquia e o sultanato de Omã.
Aisen Etcheverry Escudero cruzou o Atlântico para representar o Chile. Próxima do jovem presidente progressista Gabriel Boric, eleito há dois anos, Etcheverry, 44 anos, foi nomeada no ano passado ministra da Ciência, Tecnologia, Conhecimento e Inovação. Embora não tenha um portfólio enorme, o ministério abrange questões cruciais como o lítio, usado na produção de baterias, sendo o Chile o segundo maior produtor mundial no árido deserto do Atacama.
Outro tema candente para Etcheverry é a IA. Em outubro de 2023, Santiago sediou a primeira cúpula latino-americana e caribenha dedicada à IA, em parceria com a Unesco, na qual o Chile emergiu como um aliado fundamental. Essa foi a primeira vez que os Estados da região tentaram forjar uma estratégia comum em relação à IA, embora o setor esteja menos desenvolvido lá do que nos Estados Unidos, na China ou na Europa. Foi criado um conselho regional para a IA, presidido pelo Chile durante seu primeiro ano.
“Minha principal preocupação é que a IA seja inclusiva, levando em conta as diferentes culturas”, explicou Etcheverry. Nós a encontramos no Centro de Convenções Kranj, na Eslovênia, entre as mesas redondas sobre “IA para o planeta” e “IA como ferramenta para atores judiciais”. Em uma indústria repleta de inovações que prometem estar centradas no humano com uma “maquiagem ética”, sua abordagem prática como ex-advogada se destaca.
“No Chile, temos o espanhol, mas também línguas indígenas”, diz ela. “Muitas vezes, quem as fala não tem telefone nem computador: seus dados estão ausentes da internet.” Com modelos algorítmicos treinados em vastos volumes de dados da web, seu argumento é claro: "Não se trata de fazer com que essas populações utilizem a IA, mas pelo menos incluí-las em seu desenvolvimento. Caso contrário, essas ferramentas nunca serão representativas”.
Para Etcheverry, que, depois de ser advogada, trabalhou para o governo chileno por mais de uma década, a tecnologia deveria apoiar as políticas públicas. Ela cita frequentemente o exemplo da agência de ajuda social do Chile, que utiliza um modelo algorítmico para prever quem tem menos probabilidade de reivindicar seus direitos.
O Chile também está implementando a IA para fins ambientais: estão em curso projetos de investigação sobre IA em oceanografia (o país tem 4.000 km de costa) e astronomia (o Chile é um local privilegiado de observação).
Esses projetos são liderados pelo Instituto Nacional Francês de Pesquisa em Ciência e Tecnologia Digital (Inria Chile), o primeiro e único centro Inria fora da França, estabelecido em 2012. Após sua visita à Eslovênia, Etcheverry parou em Paris como parte de uma colaboração entre esses institutos e de uma parceria franco-chilena mais ampla em matéria de IA.
Valorizada por suas habilidades de escuta, Etcheverry é vista como a “pessoa certa para promover um diálogo frutífero” sobre IA na América Latina, de acordo com Juan Carlos Lara, codiretor executivo da Derechos Digitales, uma organização sem fins lucrativos sediada no Chile que visa a desenvolver, defender e promover os direitos humanos por meio de tecnologias digitais. No entanto, ele observa uma “tensão” entre o papel coordenador do Chile e suas ambições tecnológicas na América Latina.
Segundo Etcheverry, “ao contrário dos meus antecessores no Ministério da Ciência e Tecnologia, eu não venho do mundo científico, mas do mundo jurídico. Trabalhei em empresas de tecnologia como a Oracle Corporation e a Amazon, e foi lá que me apaixonei por esse setor. Seja na ciência ou na tecnologia, sempre há novas questões e conhecimentos a adquirir. Isso está sempre mudando, então estamos constantemente aprendendo. Para mim, isso é fascinante: meu trabalho muda todos os dias. Todos os meses eu tenho que mergulhar em um novo assunto, aprender de novo, encontrar cientistas... É cansativo, porque exige muito estudo, mas é muito estimulante.”