Os 50 anos de história da luta dos bispos franceses contra o aborto

Foto: Janko Ferlič | Unsplash

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06 Março 2024

Desde a lei de 1975 que descriminalizou o aborto até à alteração constitucional que garante a liberdade de interromper a gravidez, os bispos franceses têm-se mantido firmes na proteção da vida

A reportagem é de Alix Champlon, publicada por La Croix International, 05-03-2024.

“Se há uma questão em que a posição da Igreja deriva claramente das convicções fundamentais dos ensinamentos de Cristo, é o aborto, uma vez que ataca diretamente a vida criada por Deus”, escreveu Jean Potin num editorial publicado em 17 de Janeiro de 1975 – um um dia depois da França descriminalizar o aborto ao aprovar a “Lei Veil”, nome da falecida ministra da Saúde do país, Simone Veil.

A nova lei pretendia permitir o aborto especificamente em “situações de angústia”. Mas Potin, um padre assuncionista que era então editor-chefe do La Croix, expressou preocupação de que a prática "se tornaria gradualmente aceita na sociedade e que as consciências ficariam gradualmente entorpecidas".

Cinquenta anos depois, os legisladores na França aprovaram uma alteração constitucional que dá às mulheres uma “liberdade garantida” para interromper a gravidez. A Conferência Episcopal Francesa (CEF) expressou “tristeza” e reafirmou que “o aborto continua a ser um atentado à vida no seu início, que não pode ser visto apenas na perspectiva dos direitos das mulheres”.

Ensino inalterado

Apesar da sua aceitação popular, meio século de descriminalização do aborto não mudou a posição da Igreja Católica. Pelo contrário, tornou-se mais definido após a Lei Veil.

“No início da década de 1970, ainda havia intelectuais e teólogos católicos debatendo o início da vida”, explica Charles Mercier, historiador do catolicismo contemporâneo. “Mas com o pontificado de João Paulo II, que começou em 1978, houve um período em que estes teólogos foram chamados de volta à ordem”.

Depois de estabelecerem o estatuto do embrião como plenamente humano, o aborto tornou-se então um pilar das "estruturas do pecado", de acordo com João Paulo II na sua encíclica Sollicitudo rei socialis de 1987. Mais tarde, o aborto foi um dos marcadores daquilo que o papa polaco chamou de “cultura da morte” na sua encíclica Evangelium vitae de 1995.

“Essas ideias são adotadas pelo episcopado francês, mas os bispos estão mais ou menos dispostos a utilizá-las individualmente, especialmente no que diz respeito ao aborto”, explica Denis Pelletier, outro historiador do catolicismo.

Adaptando a prática pastoral

Embora o ensinamento dos bispos tenha permanecido firme ao longo destes cinquenta anos, eles adaptaram a sua pastoral desde 1975 a uma população francesa em grande parte favorável à Lei Veil.

“Nas suas aparições nos meios de comunicação social em 1975, o Cardeal (François) Marty afirmou a hostilidade da Igreja para com a lei, embora reconhecesse que os franceses a favoreciam”, recorda Pelletier, fazendo referência ao homem que serviu como arcebispo de Paris de 1968-81.

Este reconhecimento “lamentável” levou os bispos a adaptar o seu discurso. Retornando da assembleia plenária da CEF em novembro de 1974, Félix Lacambre, então editor-chefe de religião do La Croix, escreveu: “Intencionalmente, não há mais qualquer referência à lei natural ou à moralidade, mas à herança dos cristãos: a Bíblia, o chamado para se tornar um filho de Deus. Palavras emotivas e de julgamento como 'crime', 'assassinato' não são mais usadas, mas sim 'um ataque radical à vida'."

Da mesma forma, os argumentos da CEF contra o aborto baseiam-se mais na ideia de direitos humanos. Nas suas comunicações desde 1975 até ao presente, a Conferência Episcopal introduziu a questão da vida como o direito da criança de nascer. Destaca os riscos psicológicos do aborto para as mulheres, insiste que as famílias em situações difíceis sejam apoiadas social e economicamente e apela ao respeito da cláusula de consciência para os cuidadores católicos.

Apenas um problema entre outros?

Apesar da posição firme dos bispos, a CEF só fala publicamente sobre o aborto por ocasião de alterações legislativas: em 2001, por exemplo, quando o prazo passou de dez para doze semanas, ou em 2014, quando a Assembleia Nacional substituiu a noção de “angústia” nas mulheres com ausência de vontade de continuar a gravidez. Caso contrário, “o aborto é apenas uma questão entre outras para a Igreja da França, atenta a garantir que a sua posição não torne o resto da sua mensagem inaudível”, observa Charles Mercier.

Embora a Igreja Francesa nunca tenha feito do aborto o seu ponto central de convergência, a sua posição permaneceu firme. A inclusão do direito ao aborto na Constituição suscita hoje sérias preocupações entre os bispos.

“O debate ainda é possível?”, pergunta Olivier de Germay, Arcebispo de Lyon. “Será garantida a liberdade de expressão e a liberdade de consciência?”

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