08 Fevereiro 2024
A mulher que olhava do quadro parecia séria para mim, como se estivesse dizendo que não aceita nenhum absurdo de pessoas como você. Ela parecia, na minha leitura da pintura, alguém que falava com autoridade sobre questões de vida e de morte, que falava gentilmente, de forma mais convidativa do que imperativa, mas que esperava que você escutasse e respondesse. Isso me surpreendeu, mesmo depois de duas décadas na Igreja, porque a mulher da pintura era Santa Teresa de Lisieux.
O comentário é de David Mills, publicado em Commonweal, 22-01-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A artista Ann Schmalstieg Barrett revelou “A vocação de Santa Teresa” em um evento promovido pela Assisi Arts Community, em Pittsburgh, nos Estados Unidos. O convento franciscano do bairro de Lawrenceville acolheu o evento como parte de seu trabalho de evangelização chamado “The Port”.
Ann me disse que pintou o quadro para uma capela de uma casa de retiros, a fim de encorajar as pessoas a uma relação de oração com a santa. Fui ao evento principalmente porque Ann é uma amiga, mas, mesmo conhecendo a artista, não esperava a pintura que eu vi.
“A vocação de Santa Teresa”, de Ann Schmalstieg Barrett (Foto: Commonweal)
Eu não conhecia a história de Santa Teresa e perdi todo o simbolismo, embora achasse que o lenço ao pescoço significava que ela tinha tuberculose. O rosto da santa se destacava, sua expressão era séria e inescrutável. Ela quer que você pegue a flor que está oferecendo e sabe que você deveria fazer isso, mas ela espera que você realmente faça isso?
A pintura é quase toda marrom – inclusive a auréola –, o que a torna sóbria e séria, mas as rosas sugerem que a sobriedade e a seriedade são lindas, como se fossem o solo de onde as rosas crescem.
Não acho que meu sentimento de surpresa tenha sido inteiramente culpa minha. O que eu sabia sobre a Pequena Flor vinha da forma piedosa como alguns católicos falavam dela e a retratavam. A santa deles era classicamente feminina: doce, suave, sacrificial, submissa.
Ela sofreu continuamente e morreu jovem. Era uma das santas que eu considerava como as santas de tons pastéis, todas (em espírito) nas cores rosa suave e azul-bebê, como algumas das estátuas de Maria que eu via nas igrejas. [...]
C. S. Lewis via esse tipo de piedade intensificada no anglicanismo de sua infância. Lá, o cristianismo “estava associado a vozes baixas; quase como se fosse algo médico” e vinha com “associações entre vitrais e escola dominical”.
Ele observava que “a obrigação de sentir pode congelar os sentimentos”. Eu acrescentaria que a tentativa de alguém de fazer você ter sentimentos bons e calorosos pode fazer você ter sentimentos frios. A piedade pseudorreverente da infância dele não funcionava para ele, e o piedoso estilo devocional católico não funcionava para mim.
Como escreveu Flannery O’Connor, em uma passagem que eu li com um grito de felicidade ao ouvi-la de uma importante figura católica, “nunca me importei em ler sobre meninos que constroem altares e brincam que são padres, ou sobre meninas que se fantasiam de freiras, ou sobre aquelas piedosas crianças protestantes que não têm esse equipamento, mas iluminam os lugares onde estão”.
Ou, como Ann me disse ao falar sobre a busca de temas para pinturas futuras, elas são “comumente apresentadas de uma forma que tornou uma verdadeira luta buscar sem dor. Achei que já tínhamos ultrapassado os dias da hagiografia sentimental, mas isso aparentemente não é verdade”.
Quando você entra na Igreja, os católicos compartilham com você os santos e as devoções que amam, presumindo que você também os amará. Eles podem fazer isso prescritivamente. Você aprecia isso, mas não ama todos os santos e as devoções que eles amam, porque essas pessoas costumam ser muito diferentes de você.
Eu aprendi com Friedrich von Hügel que, como um novo católico, você experimenta santos e devoções para ver se eles se encaixam e passa para outros, caso não se encaixem. Não experimentei Santa Teresa, porque eu sabia que a Santa Teresa que eu via não se encaixaria.
O que eu não sabia é que a santa que eu via e a santa que seus devotos conheciam eram pessoas um tanto diferentes. Eles podem amar a imagem rosa suave e azul-bebê, mas foram além dessa imagem, em busca da realidade nítida, substantiva e desafiadora. Eu só poderia continuar com o que eu via, e o que eu via não me atraía.
Uma arte melhor teria ajudado. Como alguém que entrou na Igreja vindo de uma tradição protestante conhecida pelo seu bom gosto, eu achei a maior parte da arte católica suave demais. Algumas delas são tão sentimentais a ponto de “pingarem”. Não me parecia algo sério.
Como contei recentemente a um jornalista, eu sentia como se tivesse pedido um bife, e o garçom tivesse acabado de me entregar uma fatia de bolo coberta com sorvete, chocolate granulado e açúcar de confeiteiro.
Quando vi pela primeira vez a pintura de Santa Teresa de Ann, vi alguém que estava completamente séria – não infeliz, de forma alguma, mas ciente de que a alegria profunda pode ser encontrada mediante o amor, e que o amor é frequentemente, e talvez quase sempre, uma luta.
A pintura me levou a começar a ler o livro “Thérèse”, de Dorothy Day, que eu comprei inteiramente pela autora e não pelo tema, e nem planejava ler. Day teve uma experiência semelhante quando leu pela primeira vez a “História de uma Alma”, de Teresa, por indicação de seu confessor. Ela não gostava nada da santa, embora nos anos seguintes a Pequena Flor tenha se tornado uma grande influência para ela, inclusive na formação de seu pensamento social e político.
Acho que a Teresa da pintura de Ann era aquela que Day acabou conhecendo. É alguém que você ouviria e seguiria, alguém que poderia ser tão adstringente quanto doce e que fala com autoridade. Os gostos variam, é claro, mas prefiro o sabor adstringente. A pintura da minha amiga me deu outra santa para amar e com a qual posso aprender.
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Uma Teresa nada absurda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU