05 Janeiro 2024
"A disseminação de armas favorece os crimes, não os previne, a difusão das armas e os Estados Unidos são a prova real e definitivo disso: nenhuma arma dissuade de cometer um crime, mas a presença de armas torna qualquer situação potencialmente mais violenta", escreve, Roberto Saviano, jornalista e escritor italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 04-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A disseminação de armas é a primeira causa de insegurança social de um país. O pensamento intuitivo de que uma maior facilitação ao acesso às armas permitiria uma maior segurança porque, ao tornar todos ameaçadores, toda ameaça se extinguiria, é um dado falso.
Mas, dirá alguém ao ler isso, se um ladrão sabe que, ao entrar em um apartamento, vai encontrar um inquilino armado, o temor poderia detê-lo. Bem, esse pensamento simples é completamente falso. O ladrão não só não vai se deter, mas vai entrar armado com uma semiautomática e estará ainda mais pronto a atirar. Qualquer um que afirme que a disseminação de armas leva à diminuição da criminalidade não conhece de forma alguma as dinâmicas que regem a relação entre a difusão de armas e o crime.
Mais armas em circulação não levam a uma maior segurança, mas apenas a mais sangue. Os acidentes da virada do ano repercutem no debate noticioso nacional, mas incidentes semelhantes acontecem em todas as épocas do ano e na maioria dos casos permanecem relegados à invisibilidade das informações locais. Não sabemos com dados certos quantas armas legais circulam hoje na Itália, como denuncia o Observatório Permanente de Armas de Brescia (um centro fundamental na Itália para a compreensão do seu impacto no ambiente), e quem lê os dados são justamente as instituições que não os tornam formalmente acessíveis.
Portanto, não temos uma estimativa oficial de Estado sobre a circulação de armas (licenças concedidas para caça, para defesa pessoal, para esporte). As referências estatísticas a que todos nos referimos são aqueles produzidas pelo Small Army Survey, um centro de pesquisa suíço considerado um dos mais conceituados no mundo, que estima que existam 1,5 milhões de armas legalmente mantidas na Itália e 6,6 milhões o número daquelas ilegais em circulação. Estamos falando, portanto, de mais de 8 milhões de armas presentes no país e a estimativa é considerada por todos os especialistas como significativamente abaixo dos parâmetros reais.
Esses números parecem neutros, a posse de uma arma não implicaria uma morte, um acidente, um crime, ou pelo menos a maioria das pessoas pensa assim. Chega-se ao absurdo de considerar uma arma letal até mesmo um carro, porque pode causar acidentes fatais. Mas um carro não é comprado para atirar, uma arma sim... Parece absurdo ter que repeti-lo. É verdade, portanto, o que Chekhov escreve, ou seja, que se há um fuzil pendurado na parede, mais cedo ou mais tarde ele disparará. A disseminação de armas favorece os crimes, não os previne, a difusão das armas e os Estados Unidos são a prova real e definitivo disso: nenhuma arma dissuade de cometer um crime, mas a presença de armas torna qualquer situação potencialmente mais violenta. Nos EUA, os estados com mais armas de fogo coincidem com aqueles que têm o maior número de homicídios violentos.
Dois textos de referência úteis para compreender a situação italiana são Dritto al cuore, de Luca di Bartolomei, e Il Paese delle armi, de Giorgio Beretta. Ambos contam como o país, de fato, ao deixar de tratar das armas no debate político e público, se encontra numa situação de emergência, sem sequer ter se dado conta. O truque que a política usa em questões de segurança é criar insegurança e depois responder à ansiedade de insegurança com o atalho de facilitar o acesso a uma arma. Em vez de responder com políticas econômicas que desarticulem a pobreza, que desmontem os focos sociais que geram violência, que aumentem vigilância e presença localmente, chega a mais simples das respostas: armem-se e defendam-se sozinhos.
Armas para todos não é segurança, é apenas uma maneira astuta para delegar ao cidadão particular a sua segurança e dessa forma não ter que responder pela falta de financiamento das polícias, pela falta de recuperação das periferias, pelo fracasso no combate às dependências. A arma que matou por engano a senhora Concetta Russo na noite de Ano Novo em Afragola era uma Beretta 84 que resultou roubada e comprada no mercado ilegal pelo sobrinho que a havia levado para usar na virada do Ano, provavelmente para autodefesa.
O mercado ilegal aumentou desmedidamente, gerando também um novo tipo de roubo registrado em dezenas de investigações, o roubo de armas nos apartamentos. Estão sendo alvo apartamentos de caçadores ou pessoas com porte de arma esportiva ou de defesa para roubar justamente as armas. Pensem no paradoxo: armar-se para evitar ser assaltado e ser assaltado justamente por estar armado. O mercado ilegal tem cada vez mais procura, a procura está em crescimento e a oferta também está, nos últimos anos, tornando-se generalizada. Várias são as razões que levaram a uma proliferação no país de armas clandestinas, a primeira é que as máfias abriram mão do monopólio da gestão de armas no território. Para entender a situação, na década de 1990, encontrar uma pistola, por exemplo, em Nola, uma cidade na província de Nápoles, era muito difícil, exceto procurando o clã Alfieri que, no entanto, queria saber o motivo daquele pedido antes de vender uma arma. O mesmo acontecia em qualquer área governada pelas organizações mafiosas. O pedido de uma arma não podia ser separado da motivação; não só isso, aquela arma podia ser dada ou negada. Isso permitiu que os clãs tivessem um mapa dos armados, razão pela qual, por exemplo, na década de 1970, os grupos terroristas vermelhos e pretos tinham que recorrer a assaltos a arsenais ou aos mercados internacionais, porque o mercado negro das armas controlado pelas máfias os teria exposto.
O mercado ilegal de armas de Itália tem apenas uma direção: Albânia-Itália; pensem, enquanto se fantasia sobre alianças na gestão de migrantes com normas absurdas e anticonstitucionais, o verdadeiro centro do debate deveria ser o tráfico de armas. Não há arma clandestina na Itália que não passe pela mediação dos cartéis albaneses (Romênia e Bulgária são os outros dois mercados de origem). O ponto a ser bloqueado está justamente aqui e hoje o debate deve ser este: para onde leva essa presença maciça de armas espalhadas no país? É tolerável que se fale de armas, que se manuseiem como se fossem brinquedos? Toda política leviana sobre tema e que tende a armar está espalhando insegurança e sangue. As armas nas mãos de quem não tem as competências e a função de as gerir são letais e quem pensa que se armando está se colocando em segurança está raciocinando equivocadamente.
As palavras que apresentando aqui visam desencadear o debate para que a Itália encontre uma estratégia para interromper a proliferação de armas legais e ilegais no seu território. Está em jogo a segurança, a verdadeira segurança, de todos.
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Por que mais armas não significa mais segurança, nunca. Artigo de Roberto Saviano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU