29 Novembro 2023
"O que aconteceu no Maracanã expôs inglórios sintomas da sociedade brasileira, tanto pelo ocorrido em si quanto pela postura de todo o conjunto desta sociedade".
O artigo é de Edu Montesanti, jornalista, professor, tradutor e escritor.
Na quarta-feira (22-11-2023), após agressão de torcedores brasileiros e da polícia carioca a torcedores argentinos um dia antes no estádio do Maracanã, imagens que chocaram o mundo arranhando ainda mais a já frágil reputação brasileira no exterior, a Associação Nacional de Torcidas Organizadas (Anatorg) culpou a CBF e as autoridades pela “tragédia anunciada” ao que qualificou de “desatenção” aos alertas, em nota publicada nas redes sociais.
No dia anterior ao jogo, a Anatorg havia alertado que, caso não fosse definido um setor exclusivo aos torcedores visitantes no estádio, poderia haver problemas entre ambas as torcidas.
No mesmo dia 22, a CBF justificou que torcida mista não é "um modelo inventado ou imposto" pela entidade máxima do futebol brasileiro, mas que atende a "um padrão nas competições organizadas pela FIFA e pela Conmebol", implementado em outras ocasiões como. por exemplo, na semifinal da Copa América 2019.
A CBF destacou que os planos de ação e segurança, que incluíam torcedores mistos, “foram aprovados sem ressalvas ou recomendações” pela polícia, Poder Público, empresa concessionária do estádio e demais participantes de diversas reuniões organizacionais.
No entanto, a Polícia Militar (PM) garantiu que “só foi informada sobre os critérios de venda de ingressos (...) sem separação de torcedores, em reunião realizada no dia 16 de novembro, dois dias depois do início da venda de ingressos", quando estes já estavam esgotados.
Segundo a versão policial, “inicialmente, a venda para torcedores argentinos foi direcionada para o Setor Sul do estádio (onde ocorreu o confronto); e depois, o setor foi liberado” para torcedores mistos.
A segurança nas arquibancadas “ficou a cargo de empresa especializada contratada pela CBF”, diz o comunicado em que a PM afirma ter “cumprido rigorosamente sua missão, nos termos da legislação vigente”.
O presidente da FIFA, Gianni Infantino, repudiou a violência “inaceitável” no futebol: “Sem exceção, todos os jogadores, torcedores e dirigentes devem sentir-se seguros e protegidos”, escreveu no Instagram o dirigente máximo do futebl mundial.
Alguns fatos chamam a atenção nisso tudo. Embora não sejam novidades históricas neste caso, estes fatos não se tornam menos deploráveis: a CBF tentando impor a ideia de que contra fatos há argumentos, isto é, a entidade fez tudo certo apesar de que tudo tenha resultado em tragédia - o que ocorreu, segundo a bem conhecida "lógica"da CBF, tratou-se de estranho fenômeno da natureza; e a omissão seletiva da FIFA (sempre pendendo para determinados lados).
A CBF justifica-se em fato isolado - a semifinal da Copa América realizada no Chile quatro anos atrás -, não em regra especialmente envolvendo o caso em questão, evento da magnitude do jogo Brasil e Argentina da última terca-feira: contexto completamente distinto da pífia exceção, buscada à lupa pela entidade esportiva brasileira.
A alegação da CBF tampouco coincide com a da polícia carioca, acostumada com eventos internacionais no Maracanã: os responsáveis pela segurança pública do Rio não abordaram a tal "torcida mista", improvisada pela CBF de última hora, como normal. E não é, sempre e quando o mínimo bom-senso alertar. Se fosse, não teria havido alerta anterior ao evento por parte de grupo de torcedores a dirigentes máximos de futebol nacional (!), nem as coisas teriam dado no que deram - e poderiam ter terminado de maneira bem mais grave, não fosse a intervenção dos atletas argentinos.
A FIFA, que em outros casos - e bem menos sérios -, age de prática, rápida e pune, resume-se agora a lamentar, no Instragram, fatos gravíssimos neste caso. Aqui uma vez mais, evidencia-se a velha força política da CBF diante da FIFA.
Lamentação que, neste contexto, resta como barata demagogia. Ineficaz por natureza. Não se trata aqui de meras cadeiras arrebentadas no estádio, o que ja seria de se tomar atitudes: vidas humanas - incluindo mulheres e crianças ("apesar"de argentinos), foram violenta, covarde, selvagemente agredidas.
O que aconteceu no Maracanã expôs inglórios sintomas da sociedade brasileira, tanto pelo ocorrido em si quanto pela postura de todo o conjunto desta sociedade, depois de tudo. O que ocorreu no jogo do Rio de Janeiro dias atrás foi gravíssimo, existem claros (ir)responsáveis a responder por aquilo tudo, e requer punição exemplar (apesar dos bilionários patrocinadores).
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Tragédia anunciada no Maracanã: brigando com a realidade. Artigo de Edu Montesanti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU