27 Novembro 2023
Bispos da Amazônia, entre eles a presidência da REPAM-Brasil, reuniram-se ao longo da última semana com diversos ministérios do governo federal. Segundo dom Evaristo Spengler, da Diocese de Roraima e presidente da REPAM-Brasil, ao longo de quase 10 anos, “a REPAM fez um papel muito importante na escuta dos povos da Amazônia”, destacando o processo do Sínodo para a Amazônia.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Diante da situação bastante trágica que a Amazônia está vivendo, “com eventos climáticos que têm provocado uma grande seca e isolamento de comunidades, porque a água dos rios baixou muito por falta de chuva”, dom Evaristo denuncia que “nós temos comunidades isoladas sem comida, sem água”, e junto com isso a morte dos peixes pelo aumento da temperatura da água. Diante dessa realidade, a REPAM-Brasil, segundo seu presidente, se perguntou pelo seu papel neste momento da história.
O primeiro passo foi realizar durante setembro e outubro uma grande escuta com a participação da Caritas, da Comissão Pastoral da Terra, da Comissão Pastoral dos Pescadores, do Conselho Indigenista Missionário e dos comitês locais da REPAM dos nove estados da Amazônia brasileira. Segundo o bispo, “isso gerou um grande diagnóstico com muitas reivindicações”. Diante dos resultados a REPAM se questionou “como agora dar uma resposta ao nosso povo que clama por direitos que não estão sendo respeitados neste momento” e “decidiu-se ir a Brasília para uma grande incidência política”, destacou o presidente da REPAM-Brasil.
Bispos da Amazônia em Brasília (Foto: Luis Miguel Modino)
Ao longo da semana percorreram 13 ministérios, foram ao Supremo Tribunal Federal, ao Ministério Público e procuraram entidades parceiras que defendem a Amazônia e estão preocupados com o meio ambiente. Em uma agenda variada, a primeira reivindicação foi “uma atenção a esses povos que agora estão com fome e sede na Amazônia, de modo especial com atenção com comida, mas também com a criação de políticas públicas que possam gerar um sustento digno para o nosso povo da Amazônia”, ressaltou dom Evaristo.
Junto com esse assunto imediato, ele disse ter sido tratado questões relacionadas com a crise climática, que atinge todo o Brasil com secas prolongadas e enchentes em algumas regiões, consequência do aquecimento global, com fenômenos como “El Niño”. O prelado lembrou da alerta do Papa Francisco desde o início de seu ministério, sobretudo com a Laudato Si', pedindo atenção muito grande de preservação com a casa comum. Um chamado que continuou com o recente lançamento da Laudate Deum, onde diz, segundo lembra o bispo, que “o caminho que nós tomamos é um caminho suicida, porque o ser humano é a única espécie que pode ser suicida”, o que se manifesta na falta de preocupação com a vida no presente e para as gerações futuras.
O bispo de Roraima diz ter ficado impactado por uma frase escutada ao longo da semana: “a bomba já estourou e nós ainda não ouvimos o ruido”, chamando a pensar em um novo modelo de economia, que não destrua a natureza, que não use tantos combustíveis fósseis e sim energias renováveis. Igualmente disse ter sido abordado a questão indígena, a questão do Marco Temporal, que está sendo tratada no Senado, uma realidade que atinge aos povos indígenas, ameaçados pela invasão das terras, pelo garimpo, que está trazendo doenças, fome e quebra do modelo harmonioso que eles viviam.
Um exemplo disso é a alta concentração de mercúrio nas pessoas moram na Amazônia em consequência do garimpo no Brasil e em outros países vizinhos, chegando a ter 32 vezes mais do que o permitido pela saúde pública. Do mesmo modo, com relação aos conflitos agrários se faz necessário investir na demarcação das terras indígenas e de áreas de preservação ambiental, para evitar conflitos que levam a ameaçar pessoas, inclusive a ser mortas, por estar defendendo os direitos da Amazônia, de seus povos e do Meio Ambiente. Igualmente denunciou os grandes projetos desenhados para a Amazônia, ferrovias, estradas, hidroelétricas, como a do Bem Querer, em Roraima, que terá um grande impacto ambiental para uma produção pequena de energia, atingindo terras indígenas e a vida dos peixes.
Bispos da Amazônia em Brasília (Foto: Luis Miguel Modino)
Uma visita onde ele diz ter percebido que há ministérios preocupados com o meio ambiente, mas também tem outros preocupados com o desenvolvimento a qualquer custo. Dom Evaristo destaca a importância de uma reunião com a Secretaria da União e a Casa Civil onde foi recolhida toda essa pauta de demandas e promessa de uma resposta oficial do governo em três meses, afirmando que “a REPAM vai continuar monitorando os encaminhamentos a partir dessa resposta que nos deem”.
Foi abordada a questão da desintrusão dos garimpeiros das terras indígenas, algo que define como um enxugar gelo, dado que os garimpeiros, pessoas vulneráveis e pobres, que muitas vezes estão lá como um trabalho quase escravo, esperam voltar quanto antes para o garimpo. O bispo demanda políticas públicas que garantam sua sustentabilidade. Uma situação que é vivida na região Yanomami, que vai demorar uns anos para que possa voltar a como estava antigamente.
Na questão do meio ambiente, o bispo de Roraima falou dos dados apresentados pela ministra Marina Silva, sobre a redução neste ano no desmatamento na Amazônia, números que ainda não são suficientes. Uma postura que é diferente no Ministério das Minas e Energia, que, diante da possibilidade de um apagão no Brasil, disse ser necessário criar cada vez mais energia. Nesse sentido, o bispo afirma que mesmo diante da preocupação por energias renováveis não se para a busca por petróleo na Amazônia, algo que provoca um grave impacto ambiental.
O presidente da REPAM-Brasil disse ter “alguma esperança de que algo pode avançar a partir daqueles que são mais sensíveis no governo”, mas sabendo que sendo um governo de coalizão se faz necessário negociar. Nesse sentido, ele questiona sobre o porquê os 42 territórios indígenas que já estão prontos para serem demarcados, eles demoram tanto para serem executados, vendo atrás disso negociações políticas, cedendo naquilo que é social para ganhar naquilo que é econômico.
Bispos da Amazônia em Brasília (Foto: Luis Miguel Modino)
A Igreja tem um papel importante nessas negociações, segundo o bispo, que destacou que “o Papa Francisco tem feito isso de uma forma exemplar”, mesmo sem ter sido percebido por muita gente. Igualmente Dom Evaristo destacou o papel da Conferência Episcopal do Brasil, que “tem assumido com grande maestria esse desejo do Papa Francisco de preservação da casa comum”, apoiando com força os bispos da Amazônia que “se encontram e buscam cada vez mais dar consistência àquilo que o Papa deseja e um cuidado maior com a casa comum”.
Ele chama à conscientização de todos, cristão e não cristãos, “porque todos vivemos no mesmo Planeta”, lembrando das palavras do Papa no Sínodo para a Amazônia, onde disse que “esse não é um problema apenas civil, social, mas diante de um pecado que brada aos céus, onde nós destruímos aquilo que é a Criação do próprio Deus, é uma questão de fé, uma questão religiosa”.
Bispos da Amazônia em Brasília (Foto: Luis Miguel Modino)
Nesse sentido, o religioso chama à responsabilidade pessoal no consumo, por exemplo de carne bovina, que vai levar a um maior desmatamento da Amazônia, o que demanda redução no consumo de carne. Também a refletir sobre o consumismo desenfreado, buscando um consumo responsável, chamando a “uma revisão de vida, das opções, além de toda essa questão estrutural que são os modelos econômicos que devem ser modificados daqui para frente de uma forma muito mais radical”.
O bispo de Roraima destaca que os povos indígenas foram muito citados em todas as abordagens que vieram das bases, sobretudo o que faz referência aos seus territórios e suas formas de vida. Segundo ele, “os indígenas nos dão um grande exemplo de cuidado da casa comum”, citando a reserva indígena dos Waimiri Atroari, única parte da estrada entre Manaus e Roraima, com quase 800 km, onde a natureza está intacta e os animais são cuidados, insistindo em que “os indígenas são mestres no cuidado da casa comum”.
“Proteger das agressões que vem acontecendo é um dever da Igreja”, segundo o bispo. Isso fez com que essa questão fosse várias vezes abordada, especialmente quando se tratava do Marco Temporal, o cuidado diante dos agressores que vem em busca de minério, de madeira. Isso fez com que “a agenda em Brasília tivesse uma prioridade com os nossos povos indígenas”, ressaltou.
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Dom Evaristo Spengler: na Amazônia, pensar em um novo modelo de economia, que não destrua a natureza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU