27 Novembro 2023
O que é verdadeiramente importante nos nossos dias é a vida de todas aquelas pessoas sobrecarregadas em um mundo que ama aquilo que elas fornecem, mas raramente se lembra de que elas são as representantes sempre presentes de Cristo Rei.
O comentário é da Irmã Mary M. McGlone, membro da equipe de liderança congregacional das Irmãs de São José de Carondelet, nos Estados Unidos. O artigo foi publicado por National Catholic Reporter, 24-11-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Pouco antes da convocação do Sínodo sobre a Sinodalidade – provavelmente a reunião mais importante da Igreja Católica desde o Vaticano II – o Papa Francisco visitou a Mongólia.
Mongólia? Situada precariamente entre a Rússia e a China, a antiga casa de Genghis Khan tem um total de cerca de 1.450 católicos em uma população de 3 milhões.
Por que é que um papa idoso, que seria muito bem-vindo em muitas nações poderosas com enormes populações católicas, se incomodaria com as dificuldades de viajar para um local tão insignificante? Será que ele conseguiria encontrar uma população católica menor em qualquer outra parte do mundo? (Bem, sim. A população da Cidade do Vaticano é de pouco mais de 500 habitantes, então a Mongólia os supera numericamente, senão até em porcentagem, e há alguns outros países também.)
Por mais improvável que pareça, a Mongólia, com uma população nacional inferior à metade da Cidade do México, tem um cardeal – Giorgio Marengo –, o mais jovem da Igreja e membro do Sínodo sobre a Sinodalidade.
Qual era o objetivo? Parece que essa foi mais uma oportunidade para Francisco demonstrar o que ele pensa que significa ser pastor.
Neste domingo, celebramos a “Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo”. Que título! O Papa Pio XI estabeleceu a festa em 1925 para recordar que Cristo deveria reinar nos corações e na vontade da humanidade.
As leituras do dia, diferentes em cada ano do nosso ciclo litúrgico trienal, orientam e descrevem a celebração melhor do que seu título grandioso.
A peça central hoje é a cena de Mateus sobre o julgamento entre ovelhas e cabras (um infeliz menosprezo das pobres e velhas cabras, que geralmente são mais espertas, embora mais agressivas, do que as ovelhas).
Michelangelo nos deu uma vívida imagem dessa cena, em que o braço de Cristo está levantado em julgamento, os santos estão de pé, e os condenados são lamentavelmente levados para o abismo. Tais obras retratam vividamente um último dia assustador.
A parábola de Jesus oferece uma interpretação diferente do fim. Na parábola de Jesus, o fim está sempre presente. A vinda de Cristo não é um evento futuro, mas sim uma ocorrência cotidiana e nada parecida com as pinturas da Capela Sistina.
Se quisermos interpretações artísticas da representação do julgamento de Mateus, seria melhor ler Charles Dickens ou estudar a fotografia de Dorothea Lange.
“El Cargador de Flores”, de Diego Rivera, 1935 (Foto: Divulgação)
Em vez de falar sobre um fim apocalíptico, Jesus afirmou que o rei aparece sob a forma de cada pessoa necessitada e que nós nos julgamos na nossa resposta a eles.
Nesse sentido, a pintura “El Cargador de Flores”, de Diego Rivera, provavelmente reflete essa parábola de forma mais verdadeira do que “O Juízo Final”, de Michelangelo.
Rivera retrata um camponês de joelhos. Sua esposa se esforça para ajudá-lo a se levantar debaixo do peso de uma enorme cesta de flores a ser levada ao mercado.
A mensagem para quem tem olhos para ver é que a decoração luxuosa de algumas pessoas se dá às custas dos pobres, que nem sequer conseguem ver a beleza daquilo que carregam sobre suas costas.
É aqui que entra a vocação do pastor. Em um universo em que nos foi dada a capacidade de escolher entre promover o reino de Deus ou frustrá-lo, cada seguidor de Jesus é chamado a ser um pastor. Cada pessoa tem a capacidade de ver o que Dickens, Lange e Rivera apontam, e, portanto, cada um de nós tem a responsabilidade de responder.
Francisco foi a uma das igrejas mais pequenas e menos importantes do mundo para ajudar o restante do mundo a ver através de uma lente diferente.
A viagem missionária de Francisco à Mongólia interpreta o Salmo 23, de 3.000 anos atrás, com o simbolismo do século XXI. Francisco refrescou as almas das pessoas insignificantes aos olhos do mundo. Isso proclamou uma mensagem para as pessoas que se sentem insignificantes e outra para aquelas que não as notam.
Ao tornar os mongóis – e todas as pessoas que eles representam – mais visíveis, Francisco destacou o direito delas de desfrutar das pastagens verdejantes da nossa Terra. À vista de todos aqueles que menosprezam os pequenos, ele estendeu uma mesa suntuosa e celebrou a Eucaristia com quase todos os católicos do país.
Celebramos esta Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, logo após a primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade. O Sínodo está nos chamando a aprender a caminhar juntos como Igreja e como pessoas no mundo.
Esses dois acontecimentos se combinam para nos exortar a reconhecer que o que é verdadeiramente importante nos nossos dias é a vida dos carregadores de flores – todas aquelas pessoas sobrecarregadas em um mundo que ama aquilo que elas fornecem, mas raramente se lembra de que elas são as representantes sempre presentes de Cristo Rei.
Quando aprendermos a tratá-las como tal, estaremos do lado certo da história – até o fim.
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Cristo Rei do Universo: ver através de lentes diferentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU