21 Novembro 2023
"Reunidos em São Paulo, mais de 40 irmãos do nosso coletivo, tivemos a oportunidade de olhar com atenção a realidade social, econômica, política, cultural e religiosa. Refletimos sobre a triste questão do suicídio de vários coirmãos; pintamos um quadro sobre os cenários da Igreja e sonhamos com propostas de ação; encaramos o monstro da desigualdade social, fruto do sistema capitalista que mata, sentimos a opção de Jesus nos evangelhos e a força do Espírito que nos empurra para a vivência junto dos pobres, num profundo processo de escuta das suas demandas concretas e existenciais. Percebemos a necessidade de definir um novo paradigma sustentado pela utopia do Reino, tão bem expresso no cultivo do bem-viver", escrevem, em carta de compromisso, os Padres da Caminhada.
Nós, Padres da Caminhada, somos um coletivo, unidos por ideais comuns, sem qualquer pretensão de constituirmos uma instituição formal. Nascemos no 4º Sulão das CEBs, em Canoas/RS (15-17/11/2019), do desejo dos padres assessores de fortalecer a caminhada das CEBs. Tivemos um 1º Encontro presencial junto ao túmulo de Dom Pedro Casaldáliga, em São Félix do Araguaia/MT, em 2022, e agora estamos vivenciando nosso 2º Encontro presencial (13-17/11/2023), junto ao túmulo de Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns, conscientes de que nossas causas valem mais que nossas vidas. O que queremos é dar visibilidade aos sinais do Reino anunciado e revelado por Jesus de Nazaré, na radicalidade da opção pelos pobres e descartados da nossa sociedade.
Percebemos o momento crucial pelo qual passa o planeta, marcado por tragédias ambientais, agravadas ainda mais pela irracionalidade das guerras e pelo apetite voraz de grandes corporações capitalistas.
Temos consciência também de que é preciso fazer a retomada do processo de recepção do Concílio Vaticano II, interrompido nos tempos do inverno eclesiástico e retomado pelo Papa Francisco.
Acreditando que “o ministério ordenado tem uma radical forma comunitária e pode apenas ser assumido como obra coletiva” (PDV 17), queremos ser uns para os outros, um espaço de ajuda e acolhimento, sobretudo para aqueles presbíteros que se sentem mais isolados.
O isolamento de vários de nossos irmãos tem sido motivo de muito sofrimento e desencanto, provocando, inclusive, decisões radicais contra a própria vida.
Percebemos que a Igreja tem recuado em sua profecia, deixou de ser voz dos sem voz e, com isso, não é mais sinal de esperança para parte significativa do povo que, muitas vezes, só dela pode esperar um alento para sua vida. Nesse sentido, acreditamos que se faz urgente a volta a Jesus e ao seu projeto de Reino.
Com o passar dos anos, a Igreja foi se tornando uma instituição pesada, distante dos ideais evangélicos, preocupada mais com sua manutenção na história, contaminada pela autorreferencialidade, perdendo o horizonte escatológico que a torna dinâmica. A instituição deveria se reconhecer efêmera no aqui e agora e, ao mesmo tempo, com partículas de eternidade no ainda não, com a força profética que a faz caminhar de esperança em esperança.
Reconhecemos que o processo de sinodalidade, impulsionado pelo Papa Francisco, tem suas raízes na Tradição, e já foi vivido em inúmeras Igrejas Locais no nosso país, animadas pelo carisma de irmãos e irmãs profetas e profetizas que tivemos, tais como, Dom Hélder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Ivo Lorscheiter, Dom Aloisio Lorscheider, Dom Antônio Fragoso, Dom José Maria Pires, Dom Luiz Gonzaga Fernandes, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom Angélico Sândalo Bernardino, Dom Orlando Dotti, Dom José Gomes, Dom Antônio Celso Queiroz, Dom Erwin Kräutler e Padre Orestes Stragliotto, Padre Alberto Antoniazzi, Frei Carlos Mesters, Zilda Arns e tantos outros, sobretudo inúmeros mártires. Foram eles que nos ajudaram a atravessar o longo inverno eclesial que insistia em frear iniciativas proféticas próprias de uma verdadeira Igreja-Povo de Deus, conforme nos orientava o Vaticano II.
Hoje, somos obrigados a enfrentar uma conjuntura tão complexa de uma sociedade multicultural, com tantos desafios, muitas vezes intransponíveis, que põem em risco o próprio ministério, sobretudo nos nossos locais concretos de trabalho, isolados, muitas vezes perseguidos, e sem apoio institucional.
Temos consciência de que não basta multiplicar atividades, não somos apenas padres tarefeiros, mas sim buscar uma mística que nos dê o sentido profundo de nossa existência e compromissos. Preocupa-nos também o processo de formação dos novos padres; pois este está sob o desafio de encontrar novas metodologias, que superem a atual que dá sinais visíveis de esgotamento.
Reunidos em São Paulo, mais de 40 irmãos do nosso coletivo, tivemos a oportunidade de olhar com atenção a realidade social, econômica, política, cultural e religiosa. Refletimos sobre a triste questão do suicídio de vários coirmãos; pintamos um quadro sobre os cenários da Igreja e sonhamos com propostas de ação; encaramos o monstro da desigualdade social, fruto do sistema capitalista que mata, sentimos a opção de Jesus nos evangelhos e a força do Espírito que nos empurra para a vivência junto dos pobres, num profundo processo de escuta das suas demandas concretas e existenciais. Percebemos a necessidade de definir um novo paradigma sustentado pela utopia do Reino, tão bem expresso no cultivo do bem-viver. Nesse contexto, como Coletivo dos Padres da Caminhada, revimos nossos compromissos e decidimos:
1. Reassumir nosso amor primeiro, voltando sempre a Jesus de Nazaré, ao frescor do seu Evangelho e de seu projeto de Reino;
2. Reassumir nossa incondicional opção pelos pobres, por meio de uma aliança profunda com os movimentos populares, pastorais sociais, caminhada das Comunidades Eclesiais de Base, partidos populares, sindicatos ativos e outros;
3. Reassumir também o compromisso com o processo de recepção das conclusões do Concílio Vaticano 2 e, de maneira muito particular, com a profética Conferência de Medellín, onde o horizonte da justiça marcou todas as suas definições;
4. Reassumir o compromisso com o caminho sinodal, fomentando processos de inclusão de todas as forças vivas da sociedade, não somente os que já estão incluídos na caminhada eclesial. Somente uma Igreja de portas abertas para sair e entrar, para envolver-se e abrir espaços a todos, na perspectiva do Papa Francisco – todos, todos, todos – desencadearemos um processo sinodal;
5. Reassumir o compromisso de manter viva e dinâmica a reflexão teológica, na perspectiva das Teologias da Libertação revisitadas e atualizadas, privilegiando o método indutivo na pastoral, ou seja, partindo sempre da realidade e não da doutrina;
6. Reassumir o compromisso de fomentar a vivência das Comunidades Eclesiais de Base, por acreditarmos que elas constituem no espaço ideal para um encontro com Jesus de Nazaré, por meio de sua Palavra, da Eucaristia, da oração em comum e da partilha da vida e das necessidades dos mais vulneráveis;
7. Reassumir nossa disponibilidade para servir a Igreja sempre a partir dos últimos lugares, onde predominam os empobrecidos e os descartados da sociedade;
8. Reassumir sempre com renovado vigor nosso compromisso de enfrentamento da tragédia ambiental que assola o país, em todos os seus biomas, onde os que mais sofrem são os pobres, buscando agir como cuidadores da criação;
9. Reassumir nosso compromisso com as juventudes, na perspectiva de se fazer mais próximo dos diversos processos em que elas estão inseridas. E uma especial atenção aos novos recursos midiáticos e das redes sociais, por onde, sobretudo as juventudes, transitam com mais frequência e facilidade;
10. Reassumir o compromisso de caminhada sinodal inclusiva com irmãos de outras Igrejas cristãs e de outras expressões religiosas, no melhor de nossa tradição ecumênica e de diálogo interreligioso;
11. Reassumir o compromisso com a formação popular geradora de novas lideranças para a Igreja e sociedade. Nesta perspectiva, fazer aliança com instituições e organismos eclesiais e sociais que atuam nesse campo;
Agindo assim, cremos que vivenciaremos o melhor de nossa Tradição Teológico-Pastoral da América Latina, sob a companhia sempre profética de Maria de Nazaré.
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Carta compromisso dos Padres da Caminhada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU