10 Novembro 2023
O ornitólogo Johannes Herrmann explica por que os naturalistas como ele mesmo estão se voltando para a “radicalização”, apoiando movimentos ecológicos. Apesar de muitas evidências ao longo de décadas, seus alertas sobre o colapso da biodiversidade são ignorados.
O artigo foi publicado em La Croix International, 01-11-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A mídia social tem dessas coincidências. Há dez minutos, uma mulher muito agitada gritou comigo: “Por que você está calado sobre a devastação da natureza? Não sou informada sobre nada!”. Quando lhe respondi que os ecologistas têm soado o alarme há 60 anos, ela não recuou. Segundo ela, não estamos falando nada, estamos escondendo tudo das pessoas. Parece que as mobilizações contra grandes projetos inúteis, os relatórios das ONGs sobre o estado da natureza e as estatísticas sobre o desenvolvimento da terra não chegaram até ela.
Depois, há três minutos, vi um curta-metragem de animação em que um gnu tentava em vão convencer seu vizinho de que havia perigo em atravessar um rio. “O que está flutuando ali são as costas de um crocodilo!” “Não”, respondeu o outro, “é um tronco!” Para provar seu ponto de vista, o primeiro aventurou-se no “tronco” e foi devorado. Convencido, o segundo tentou em vão alertar o vizinho, e assim por diante. A conclusão: nunca desista de soar o alarme, não ceda às garantias; você será o primeiro a sofrer. E é por isso que os naturalistas estão se radicalizando. Em dois tuítes reunidos coincidentemente, tudo foi dito!
Tudo tem sido dito nos estudos que se acumulam há 60 anos. Os ecossistemas estão em colapso: aves, insetos, anfíbios, répteis, árvores, flores, peixes estão regredindo em um ritmo vertiginoso, até mesmo em comparação com eventos de extinção geológica. O último metaestudo, muito comentado, publicado pelo Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) da França sobre as causas do declínio da biodiversidade por meio do indicador “aves”, é apenas mais um sobre o assunto.
Há cinco anos, uma declaração conjunta do CNRS e do Museu Nacional de História Natural constatou a mesma coisa. E, antes disso, a atualização da lista vermelha de aves na França em 2016. A ladainha remonta aos anos 1960 e aos estudos sobre a devastação do DDT, um composto químico sintético que foi amplamente utilizado como pesticida em meados do século XX, que foi confirmado como persistente no meio ambiente, acumulando-se nas cadeias alimentares e representando riscos para diversas formas de vida selvagem.
Destruição de habitats naturais, o envenenamento de cadeias alimentares por substâncias tóxicas, principalmente de origem agrícola, secundariamente por outras causas – sobre-exploração direta, espécies exóticas invasoras, mortalidade devido a infraestruturas (linhas de energia, estradas, janelas, ocasionalmente turbinas eólicas), e cada vez mais as mudanças climáticas. As causas são conhecidas, demonstradas e constantemente repetidas à sociedade civil há décadas.
Relatórios, livros para o público em geral, atividades educativas para jovens e idosos, sem falar de revistas, websites, jogos de tabuleiro – toda a gama de instrumentos de comunicação tem sido implementada, exceto o lançamento de folhetos por helicóptero durante as nossas famosas libertações de víboras. (Uma lenda muito difundida no leste da França afirma que os ambientalistas se envolvem em reintroduções selvagens de répteis na forma de “lançamentos aéreos de víboras de helicóptero”. Numerosos estudos sociológicos tentaram, em vão, compreender a origem exata desse boato.)
Igualmente confiável é a demonstração da importância (por mais triste que seja o termo) dos ecossistemas funcionais. Polinização, purificação da água, decomposição de resíduos orgânicos, regulação climática, controlo da erosão e muitas outras maravilhas: sem vida selvagem, estamos mortos, ou pelo menos as nossas sociedades prósperas estão mortas. Tudo isso é amplamente encontrado nos artigos mais recentes sobre o assunto, em periódicos ou mesmo na Wikipédia.
E, como o gnu do curta-metragem ou a mulher agitada, ninguém parece saber. Trinta e nove pedras monolítica ancestrais demolidas para uma loja de departamentos? É um escândalo. Uma rede de lagoas, uma floresta antiga destruída para um estacionamento ou uma rampa? Isso é perfeitamente normal! Apenas alguns ativistas verdes se preocupam com isso. Cegonhas pretas? Besouros de madeira morta? Sapos? Você deve estar realmente perturbado para se preocupar com eles. Terroristas! Por causa deles, não podemos mais construir nada, meu caro senhor!
As pedras monolíticas sequer servem para purificar a água ou resfriar o clima. Até mesmo Getafix, da popular série de quadrinhos francesa “Asterix”, admite em vários episódios que ninguém sabe realmente para que serve uma pedra monolítica. No entanto, hoje, eles veem todo o cenário político correndo em seu auxílio, e isso é algo muito bom.
No entanto, quando se trata de um pântano com plantas carnívoras ou de uma antiga floresta de carvalhos, esses mesmos governantes eleitos e a maioria dos nossos concidadãos aprovam com um aceno de cabeça.
Todos os nossos avisos caem em ouvidos surdos. Então, os naturalistas estão se radicalizado. Geralmente mais pacíficos do que um fondue em Friburgo, eles se engajam em atos incríveis, como cavando um lago no meio de uma floresta para os anfíbios que eles sabem que estão ali por perto. Ou montando uma caixa de nidificação para uma espécie protegida. Eles até – horresco referens – entram em confronto na internet.
O que está acontecendo? Depois de tantos anos tentando conciliar tudo, inventar uma carreira, uma rodovia ou um conjunto habitacional que não agrida muito a natureza, com ninhos aqui, aterros gramados ali, plantações em outros lugares, planos de ação e medidas de redução e compensação, não estamos mais fazendo progressos e estamos até regredindo. Por mais bonitas que sejam as palavras sobre conscientização, os indicadores biológicos permanecem no vermelho.
Sempre que os protetores da natureza dispõem dos meios necessários, geralmente localizados e direcionados, eles alcançam sucessos que demonstram sua competência. Lontras, águias de cauda branca e bufos-reais da Eurásia estão de volta. Todas as caixas de nidificação dos falcões peregrinos em Lyon estão ocupadas. As cegonhas brancas já não são mais raras.
Mas o estado das espécies comuns é desastroso, mostrando que esses sucessos locais serão varridos pelo colapso maciço em curso. Gostaríamos de ser educadores e conciliadores, com capacidades técnicas que são em grande parte desconhecidas – tão desconhecidas que ninguém tem consciência do que foi alcançado.
Entretanto, continuamos paralisados: a biodiversidade é negligenciada como um tema de preocupação, aqueles que alertam para seu estado e lideram sua proteção são ignorados, seus relatórios ficam acumulando poeira, eles ainda não são levados a sério.
Em última análise, é a nós, que estamos envolvidos nesse front há 20-30 anos, que os nossos concidadãos se dirigem para nos culpar pelas consequências da crise ecológica, que supostamente é “causada pelas turbinas eólicas dos ecoativistas” e pelo “sulfato de cobre orgânico”. Estamos nos familiarizando com ameaças de morte concretas na vida real.
Você deve admitir que as pessoas jogam pedras em janelas por muito menos. Em vez disso, os mais radicais entre nós estão agora levando a cabo ações de restauração de habitats inteiramente típicas – criando um lago para anfíbios florestais, escavando madeira velha para o besouro-capricórnio, técnicas comprovadas e dominadas para ajudar essas espécies – mas no coração das florestas ameaçadas por uma rodovia.
Trata-se de radicalismo pela vida, cuidando das feridas desta terra cujo grito se mistura com o grito dos pobres. Tal como o Bom Samaritano, os naturalistas na luta cuidam, às suas próprias custas, daqueles de quem todos se afastaram, mas que ainda têm um lugar aqui. E com toda sua expertise ecológica, da qual poucos críticos podem se orgulhar.
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Os naturalistas estão se radicalizando: “Nossos alertas não estão sendo ouvidos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU