01 Novembro 2023
"Por mais tensão que possam nos fazer passar, talvez gostemos de histórias de terror sobrenaturais, porque elas nos tranquilizam. Pode haver muita coisa que não sabemos sobre a nossa existência ou a dimensão espiritual, e muita coisa que não podemos controlar nem prevenir. Mas, no fim das contas, de alguma forma, contra todas as expectativas, vamos ficar bem."
O comentário é do jesuíta estadunidense Jim McDermott, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 31-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando uma atração anunciada como uma “experiência de terror imersiva” foi inaugurada na Times Square no mês passado, eu sabia que precisava fazer uma visita. O mês de setembro pode parecer ridiculamente cedo para abrir uma casa mal-assombrada, mas os nova-iorquinos têm um ponto fraco para os feriados. As lojas de fantasias de Halloween ficam abertas o ano todo aqui. O Desfile de Halloween em Greenwich Village pode atrair mais de dois milhões de espectadores.
Já se passaram muitos anos desde que eu visitei uma casa mal-assombrada, e grande parte do que eu me lembro da última vez foi o desejo irresistível de escapar. Felizmente, minha amiga Erin disse que iria comigo. Enquanto esperávamos para entrar, ela confidenciou que nunca tinha estado em uma casa mal-assombrada.
Na verdade, talvez ela ainda não tenha estado.
Assim como a maioria dos entretenimentos temporários que você encontra na Times Square, “TerrorVision”, da Horrorwood Studios, é muito mais agitação do que satisfação. Uma curta viagem de elevador nos levou a vagar por salas aleatórias sem uma história coerente. Às vezes, podíamos ouvir gritos à distância, o que era perturbador, mas principalmente o terror existente vinha de várias formas macabramente vestidas, saltando de todos os cantos. Houve alguns momentos que foram realmente assustadores, mas rapidamente se tornaram previsíveis: virar uma esquina e encontrar um goblin.
Enquanto Erin e eu conversávamos sobre a experiência depois, me perguntei sobre o apelo de coisas como casas mal-assombradas ou filmes de terror. Obviamente, existe a aventura visceral de tudo isso, a sensação de nos lançarmos em uma situação que a maioria de nós normalmente evitaria, sem nos expormos a qualquer dano real. Um filme de terror é apenas outra forma de montanha-russa, proporcionando uma experiência de medo real em grande parte livre de consequências.
“Acho que vim aqui para gritar”, disse Erin. Percebi que isso era verdade para mim também. As experiências recreativas de terror nos dão um meio de liberação, que vem com um nível de liberdade que pode ser difícil de conseguir de outra forma. Grite a plenos pulmões em seu bairro ou em seu apartamento, e alguém certamente chamará a polícia. Mas faça isso em um filme de terror e você estará entre amigos.
Muitas histórias de terror e “experiências imersivas” também são construídas em torno de situações e figuras espirituais – fantasmas, demônios, possuídos ou, neste caso, os abomináveis e inquietos mortos. Por um lado, eu odeio isso; geralmente reduz as figuras religiosas e a espiritualidade a noções inúteis e caricatas.
Mas, por outro, a frequência desse tipo de histórias também ressalta o grau em que as questões espirituais são uma fonte de profunda ansiedade para as pessoas. Frequentemente, os monstros e os dilemas de um filme de terror incorporam as nossas perguntas mais fundamentais e sem resposta: o que acontece quando morremos? Existe vida após a morte? Seremos julgados lá pela forma como tratamos as pessoas? O universo é, em última análise, guiado pelo espírito e pela graça, ou a violência e o acaso governam? Deus realmente salva?
As pessoas religiosas têm muitos textos e mestres que oferecem respostas a essas perguntas. Mas, de certa forma, não importa o que dizem a Bíblia, a Torá, os Vedas ou o Alcorão sobre a vida após a morte, nem o que os nossos avós, professores e líderes religiosos nos dizem. Nenhum de nós saberá nada com certeza sobre a vida após a morte até que a experimentemos por nós mesmos. É claro que temos medo.
E talvez seja aí que reside o valor espiritual das histórias e das experiências de terror. Elas dão corpo às questões muito reais e muitas vezes assustadoras dentro de nós. Seja na forma do corpo mutilado e ressuscitado de um ente querido injustiçado, de um perseguidor mascarado ou de uma criança possuída por um demônio, nossos piores medos se manifestam diante de nós. E nós os enfrentamos.
Esta é a chave: percorrendo uma casa mal-assombrada, assistindo a um filme de terror, suportamos o horror que está sendo posto diante de nós. Ou seja, sobrevivemos. Por mais poder que nossos medos pareçam ter, no fim eles não nos esmagam. Saímos do outro lado, de volta à luz.
Em “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”, de J. K. Rowling, os alunos são apresentados a uma criatura chamada bicho-papão, que assume a aparência de tudo o que eles mais temem. Por um lado, ele se torna uma enorme aranha; por outro, seu professor menos favorito. Para derrotar o bicho-papão, os alunos devem conjurar algo que o faça parecer bobo. A aranha recebe patins; o professor, um casaco de pele de mulher e um chapéu horrível.
Quando saímos de uma casa mal-assombrada ou de um filme de terror, muitas vezes a primeira coisa que fazemos é rir. Em grande parte, é uma expressão do nosso alívio – acabou! Mas acho que as nossas risadas também revelam um deleite em torno do bicho-papão. Enfrentamos algo que tememos profundamente, e quer saber? Não foi tão ruim.
Por mais tensão que possam nos fazer passar, talvez gostemos de histórias de terror sobrenaturais, porque elas nos tranquilizam. Pode haver muita coisa que não sabemos sobre a nossa existência ou a dimensão espiritual, e muita coisa que não podemos controlar nem prevenir. Mas, no fim das contas, de alguma forma, contra todas as expectativas, vamos ficar bem.
Assim como os discípulos aprenderam no Cenáculo, talvez (bizarramente) hoje aprendamos nos cinemas e nos labirintos de milho: até mesmo a morte e a destruição não são o fim.
Depois do “TerrorVision”, Erin e eu entramos na estação de metrô da Times Square. Enquanto esperávamos o trem, ouvimos um barulho muito alto e repentino. Nós dois pulamos, assustados com a possível causa do som.
Ao descobrir que alguém tinha acabado de deixar cair uma garrafa de vidro, começamos a rir. Na verdade, aquela garrafa foi o maior susto que tivemos durante toda a noite. E cá estávamos nós, todos bem.
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O terror pode melhorar sua vida espiritual. Artigo de Jim McDermott - Instituto Humanitas Unisinos - IHU