28 Outubro 2023
Líderes da Aprosoja Brasil, Mato Grosso, Goiás e Bahia estão no relatório da senadora Eliziane Gama (PSD-MA), ao lado de outros sojeiros, pecuaristas e demais setores do agronegócio; saiba quem é quem entre cada um dos ruralistas apontados pela relatora da CPMI dos Atos Golpistas.
A reportagem é de Alceu Luís Castilho, Tonsk Fialho e Carolina Bataier, publicada por De Olho nos Ruralistas, 17-10-2023.
De onde saiu o dinheiro? Entre os 61 nomes sugeridos para indiciamento pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da CPMI dos Atos Golpistas, 16 estão no grupo dos financiadores. Entre eles, De Olho nos Ruralistas constatou que 13 são fazendeiros, em boa parte ligados a grupos de poder do agronegócio: quatro líderes nacionais regionais da Aprosoja, entre elas as principais, a Aprosoja Brasil e Aprosoja Mato Grosso, e outros representantes de sindicatos rurais e outras associações setoriais.
O relatório se restringiu a alguns nomes que estavam na mira da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ficaram de fora fazendeiros ligados ao terrorista George Washington de Sousa Filho, por exemplo, igualmente indiciado ao lado de políticos, o ex-presidente Jair Bolsonaro à frente, dezenas de militares, policiais e outros expoentes do movimento que desembocou na tomada da Praça dos Três Poderes, no dia 08 de janeiro.
Este observatório monitora alguns desses nomes desde 2019, com as movimentações golpistas do dia 07 de setembro daquele ano. Em abril, publicamos o relatório “As Origens Agrárias do Terror“. Ele mostra como sojeiros, pecuaristas e outros expoentes do agronegócio compuseram a teia mais recente do golpismo no campo — algo que caracterizou também golpes como o de 1964, quando foi imposta a última ditadura no Brasil, e de 2016, com a derrubada de Dilma Rousseff.
Essa lista inicial de 16 financiadores não inclui algumas dezenas de fazendeiros que enviaram caminhões para os atos golpistas e não estão arrolados no Relatório Final da CPMI entre as sugestões de indiciamento pela relatora, mas constam entre as sugestões de “aprofundamento investigativo”.
Quem são esses acusados de serem os financiadores dos atos golpistas? O que eles produzem, a que grupos estão relacionados?
(Foto: Reprodução | De Olho nos Ruralistas)
Os produtores de soja são acusados de dar suporte logístico e financeiro para as manifestações que tentaram reverter o resultado das eleições presidenciais de 2022, segundo o Relatório Final apresentado pela senadora Eliziane Gama. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) identificou fazendeiros que vinham se organizando, pelo menos desde 2019, a fim de consolidar um movimento do agronegócio em apoio ao então presidente Jair Bolsonaro.
Sob a liderança de Antônio Galvan, presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja), o Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA) foi apontado como responsável por duas das frentes de deslegitimação do resultado eleitoral em 2022: os bloqueios rodoviários e o deslocamento de caminhões em comboio com destino ao Quartel General do Exército em Brasília. Entre os líderes indiciados estão Galvan, três presidentes e vice-presidentes estaduais da Aprosoja.
No ano do início de suas atividades, em 2019, o MBVA foi responsável pelo desfile de tratores durante as comemorações do 07 de setembro. Em maio de 2021, o movimento estampava a seguinte mensagem em caminhões levados a Brasília durante uma manifestação pró-governo: “Faça o que for preciso! Eu autorizo, Presidente!”
A escalada na radicalização do discurso do MBVA, segundo a Abin, levou o grupo de fazendeiros a organizar bloqueios rodoviários e atos em portas de quartéis pedindo intervenção militar após a derrota de Bolsonaro nas urnas. Pelas condutas investigadas durante a CPMI dos Atos Golpistas, os líderes do movimento foram indiciados por associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de estado.
Antônio Galvan é amigo pessoal e financiador de campanha de Jair Bolsonaro. Multado por desmatar 500 campos de futebol de vegetação nativa, Galvan é proprietário de pelo menos 3.922 hectares de terras no Mato Grosso, estado por onde tentou se eleger senador no ano passado, sem sucesso. A CPMI sugeriu também o indiciamento de Joel Ragagnin, presidente da Aprosoja em Goiás, Lucas Luis Costa Beber, vice-presidente da Aprosoja no Mato Grosso, e Alan Juliani, presidente da Aprosoja na Bahia durante os biênios 2017/2019 e 2019/2021.
No Mato Grosso do Sul, a Aprosoja foi citada como apoiadora de manifestações contra o resultado das eleições presidenciais. Segundo o Relatório Final da CPMI, o Sistema Famasul, que congrega 69 sindicatos rurais e a Associação dos Produtores de Soja do Mato Grosso do Sul (Aprosoja-MS), informou, em comunicado nas redes sociais do dia 07 de novembro de 2023, que não teve expediente em apoio às manifestações “pacíficas e ordeiras”, segundo ela, que ocorriam no país. Naquele dia, os organizadores dos atos golpistas divulgaram um chamado para greve geral contra a instalação do comunismo.
Com declarado apoio a Jair Bolsonaro, a Associação Nacional De Defesa Dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores Da Terra (Andaterra) é representada no relatório final da CPMI dos Atos Golpistas por dois nomes: Jeferson Rocha e José José Alípio Fernandes Silveira, o Zeca Alípio. Eles são integrantes do Movimento Brasil Verde e Amarelo e pleitearam vagas na Câmara nas eleições do ano passado.
O administrador soteropolitano Zeca Alípio é vice-presidente da Andaterra e foi candidato a deputado federal pelo PTB baiano. Em sua declaração de bens à Justiça Eleitoral, não possui terras. Em 2007, uma denuncia de trabalho análogo à escravidão foi apresentada pela Procuradoria da República de Barreiras (BA), apontando o empresário como arrendatário da Fazenda Bananal, no município de São Desidério (BA).
Seis trabalhadores foram resgatados sem acesso a água potável e eram submetidos a jornadas de trabalho exaustivas, entre outras violências.
O vínculo de Alípio com ruralistas aparece também entre os financiadores de sua campanha política. Logo no início da lista de doadores, com uma contribuição no valor de R$ 50 mil, está o empresário Dirceu Montani, dono de terras em São Desidério e autuado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2016 por desmatar uma área de mais de 790 hectares naquele município. Em segundo lugar na lista está o empresário Ricardo Hidecazu Uemura, que contribuiu com R$ 30 mil. Uemura soma cinco autuações no Ibama: somente em 2016 ele desmatou mais de 500 hectares de mata nativa em São Desidério.
Diretor jurídico da Andaterra, Jeferson Rocha nasceu em Lages (SC) e foi candidato a deputado federal em Santa Catarina pelo PROS em 2022. Em sua declaração de bens daquele ano ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele apresentou dois arrendamentos de imóveis rurais, diversos maquinários agrícolas e duas armas de fogo: um fuzil 556 avaliado em R$ 11 mil e uma pistola Glock no valor de R$ 3,8 mil.
De acordo com relatório da Abin, “Jeferson da Rocha, chamado de líder, é ideólogo com discurso radicalizado e que mantém contato com Alex Silva, liderança do Ucraniza Brasil, grupo extremista violento que atua no país desde 2020”. Em 2019, em entrevista ao portal Agro em Dia, em nome da Andaterra, Rocha defendeu o fim do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra): “Vamos fazer dinheiro com a venda dessa estrutura paquidérmica”.
O pecuarista Adauto Lúcio de Mesquita, dono da rede Melhor Atacadista, ao lado do sócio, Joveci Xavier de Andrade, forneceu alimentos, banheiros químicos e água para os manifestantes acampados em frente ao QG do Exército em Brasília. Na CPMI, ele admitiu que negociou o aluguel de carro de som para manifestações bolsonaristas.
Segundo relatório da Polícia Civil do Distrito Federal, Adauto de Mesquita é proprietário de 21 fazendas em Niquelândia, Planaltina e Luziânia, todas no estado de Goiás. Dados do MapBiomas de 2022, indicam que pelo menos três das propriedades do empresário são voltadas para a criação de bovinos.
Além de disponibilizar infraestrutura para os acampamentos, Adauto e Joveci organizaram eventos para angariar recursos para o movimento, financiando, inclusive, outdoors considerados ilegais pela justiça eleitoral durante a campanha de Jair Bolsonaro em 2022. De acordo com o relatório da senadora Eliziane Gama (PSB-MA), o pecuarista Adauto de Mesquita compareceu ao ato do dia 8 de janeiro de 2023, em momento posterior ao da invasão da Praça dos Três Poderes, quando pôde conferir o resultado das cenas de vandalismo promovidas pelos acampados que financiou.
De Xinguara, no sul do estado do Pará, Enric Juvenal da Costa Lauriano também foi indiciado por atuar como financiador dos atos golpistas. Apontado pelo relatório como um dos principais articuladores do PL nº 191 de 2020, que trata da mineração em terras indígenas, Enric Lauriano foi candidato a suplente de senador na chapa de Flexa Ribeiro (PP-PA) em 2022. Dois anos antes, ele tinha tentado a Prefeitura de Xinguara pelo PSL. Ligado ao garimpo, o empresário teve no ano passado uma retroescavadeira em seu nome apreendida dentro da Terra Indígena Kayapó.
Ao lado de Ricardo Pereira Cunha, que também possui empresas de mineração na região, e Mauriro Soares de Jesus, Enric Juvenal foi indiciado por organizar uma vaquinha para angariar recursos para os atos golpistas em Brasília, através da empresa de informática USA Brasil, registrada em nome de Mauriro. Todos os envolvidos são membros do movimento Direita Xinguara. Filho de um influente pecuarista da região, Enric Lauriano possui 2.203 hectares de pastagem registrados junto ao Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Enric Juvenal se aventura no garimpo ilegal e na política, mas o poder herdado da família vem mesmo da pecuária. O indiciado é filho de Onício Lauriano, pecuarista que segundo a Repórter Brasil possui fazendas em pelo menos três municípios do sul do Pará. Onício foi o principal financiador de campanha do deputado federal bolsonarista Delegado Caveira (PL-PA), que tem destinado seu mandato parlamentar a criticar a demarcação de terras indígenas e defender pecuaristas e garimpeiros instalados dentro dos limites de áreas de preservação.
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Entre 16 financiadores do golpe denunciados por CPMI,13 são fazendeiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU