18 Agosto 2023
A crise da imprensa exige saídas ousadas. Recursos públicos, como os que sustentam as universidades, podem ressuscitar as reportagens profundas sobre grandes temas. Parte dos recursos pode vir de impostos sobre Google, Meta e outras empresas do ramo.
O artigo é de Paris Marx, analista de tecnologia canadense, apresentador do podcast Tech Won’t Save Us e autor do livro Road to Nowhere: What Silicon Valley Gets Wrong about the Future of Transportation (Verso, 2022), publicado por Jacobin Brasil, 14-08-2023.
A indústria de notícias está sofrendo. Por anos, as receitas de publicidade têm diminuído, e os empregos no jornalismo têm acompanhado essa tendência. Agora, a pandemia pode representar uma ameaça existencial. Em ambos os lados do Atlântico, as empresas de mídia têm reduzido postos de trabalho, com mais de 2.000 perdas de emprego no Reino Unido e dezenas de milhares nos Estados Unidos.
Para quem está atento à indústria de mídia, o motivo disso não é surpresa: grande parte do dinheiro da publicidade que costumava ir para os jornais mudou para plataformas de publicidade digital, especialmente aquelas controladas pelo Google e Facebook. Esse duopólio controla 70% do mercado publicitário nos EUA e mais de 65% no Reino Unido.
Há crescentes apelos para que parte desse dinheiro seja redirecionado de volta para as notícias, e a Austrália está tentando tornar isso uma realidade.
Em 31 de julho, a Comissão Australiana de Concorrência e Consumidores (ACCC) publicou um rascunho de seu novo código obrigatório para o processo de negociação entre editores de notícias e gigantes da tecnologia, começando pelo Google e Facebook. Isso não foi surpresa — o governo australiano vinha sinalizando há meses que essa era a direção que estava seguindo.
Em 2019, o Google e o Facebook receberam 400 milhões de dólares australianos a mais em receita de publicidade australiana do que o total combinado de cinco grandes empresas de mídia domésticas. Enquanto isso, as empresas de tecnologia são notórias por pagarem baixas taxas de impostos na Austrália — o mesmo acontece em muitas outras partes do mundo — porque usam esquemas fiscais obscuros para contabilizar a receita em jurisdições de baixa tributação, como Cingapura.
O Google respondeu ao código com uma carta aberta afirmando que seus serviços serão “drasticamente piores” na Austrália se ele entrar em vigor, e tem colocado banners nas páginas iniciais do Google e YouTube para tentar assustar os consumidores australianos. A ACCC afirma que a carta desinforma as pessoas sobre o que o código realmente faria.
Enquanto isso, o Facebook ameaça interromper completamente o compartilhamento de conteúdo de notícias na Austrália para evitar pagar aos editores de notícias. O Google já usou a mesma tática na Europa, retirando o Google News na Espanha e na França, e ameaçando fazer o mesmo em toda a União Europeia em resposta a leis semelhantes. Em abril, um tribunal francês decidiu que o Google não poderia simplesmente remover seu serviço de notícias — ele teria que pagar.
Na Austrália, a situação continua escalando, com o primeiro-ministro Scott Morrison dizendo em 7 de setembro que seu governo não responderá bem a “coerção” das gigantes da plataforma. O ministro do patrimônio do Canadá recentemente fez uma declaração em apoio aos australianos, enquanto busca seguir uma política semelhante, e é provável que mais países europeus sigam o exemplo da França.
Está claro que o jornalismo está enfrentando dificuldades e que as empresas de tecnologia não estão pagando impostos suficientes, mesmo enquanto os Estados Unidos tentam atrapalhar esforços internacionais para desenvolver um novo esquema de tributação para corporações multinacionais globais. No entanto, o que não está claro é se obrigar as empresas de tecnologia a pagar aos editores de notícias é a solução política certa.
Em seu novo livro Como Destruir o Capitalismo de Vigilância, Cory Doctorow argumenta que enfrentamos uma escolha sobre como abordar o poder das gigantes da tecnologia: “quebrar o Big Tech e privá-los de lucros de monopólio ou… fazer com que eles gastem seus lucros de monopólio em governança.” Não podemos fazer os dois.
O argumento de Doctorow é que, se os incorporarmos em estruturas de governança ou modelos de financiamento de mídia, por exemplo, torna-se mais difícil enfrentar o problema central, que é o poder que eles derivam de seu monopólio efetivo. Portanto, se tornarmos o financiamento da mídia dependente do sucesso do Google e do Facebook, fica difícil desmantelá-los, substituí-los ou repensar a composição mais ampla da internet.
Isso não significa que a mídia não precisa de apoio ou que devemos simplesmente tentar reviver o modelo de publicidade. Apesar das alegações de independência editorial, os anunciantes sempre tiveram alguma influência sobre o conteúdo publicado. Por que você acha que tantos jornais tinham seções de automóveis e imóveis? Eles compravam uma tonelada de anúncios — se não mais que isso.
O modelo de assinatura que atualmente está se espalhando pelo setor de notícias também não é a solução. Nathan J. Robinson, editor do Current Affairs, argumenta que os paywalls que estão sendo implantados na maioria dos sites de notícias respeitáveis estão envenenando o discurso público, levando as pessoas a acessar Fox News, InfoWars ou Guido Fawkes. Como ele disse, “a verdade é paga, mas as mentiras são gratuitas.” E a BBC também não vai necessariamente nos salvar, dada sua crescente acomodação aos conservadores.
O que precisamos, então, é de um plano de financiamento público para a mídia que busque reviver a capacidade de fazer reportagens investigativas mais aprofundadas, que possa responsabilizar o poder e priorizar o jornalismo local. Existem muitas maneiras de fazer isso.
Um relatório recente sobre infraestrutura digital de Mat Lawrence, Thomas Hanna, Miriam Brett e Adrienne Buller incluiu a sugestão de que os recursos de leilões de espectro sejam colocados em um fundo para apoiar a mídia e o jornalismo local. Victor Pickard, autor de Democracy Without Journalism?, também sugeriu a criação de um fundo financiado por várias novas taxas que apoiaria a mídia pública independente.
No Reino Unido, Tom Mills, Dan Hind e Leo Watkins elaboraram um plano que substituiria a taxa de licença de televisão por uma taxa de licença digital na internet para financiar uma BBC democratizada que realmente responda ao público. Seu plano também concederia a todos com mais de 14 anos um voucher anual que poderiam usar para apoiar o jornalismo cooperativo sem fins lucrativos, dividido igualmente entre mídia regional e nacional. Seria financiado por um imposto sobre serviços de publicidade ou relações-públicas.
O futuro do jornalismo, especialmente aquele que não está apenas buscando cliques e oferecendo análises superficiais que servem a interesses reacionários, está em perigo. É claro que precisamos encontrar uma maneira melhor de financiar e organizar o jornalismo, mas devemos ter cuidado ao vincular sua existência às gigantes da tecnologia.
As gigantes da tecnologia devem ser taxadas, seus monopólios devem ser quebrados, e seu poder deve ser controlado. Mas não devemos criar uma infraestrutura em que o Google e o Facebook paguem diretamente aos editores de notícias. Existem maneiras muito melhores de organizar modelos de financiamento alternativos para a mídia, que serviriam muito melhor ao bem público e aos próprios jornalistas.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
As Big Techs não irão salvar o jornalismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU