É possível matar à distância com drones, mas o Deus da guerra não existe

Jornalista italiano, Raniero La Valle, analisa o pontificado de Francisco à luz da guerra entre Ucrânia e Rússia e da configuração geopolítica em videoconferência no IHU na próxima quinta-feira, 17-08-2023

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Por: Patricia Fachin | 11 Agosto 2023

Se, de um lado, o pontificado de Francisco é questionado interna e externamente à Igreja, de outro, há quem reconheça o pontífice como o "único líder mundial", uma vez que "nenhum outro mais pensa no bem comum e no destino histórico do mundo". A opinião é do jornalista, político e intelectual italiano, Raniero La Valle, que em 1976 tornou-se parlamentar da Esquerda Independente. Segundo ele, a preocupação com o bem comum mundial parecia ser o propósito da Organização das Nações Unidas - ONU, instituída após a Segunda Guerra Mundial, "para repudiar a guerra e colocar no centro de todos os direitos, e de todos os Estados a dignidade e a igualdade de todas as pessoas. Mas depois foi acontecendo uma grande restauração, um retorno à idade da barbárie; a fome de milhões de pessoas é decidida com um clique e é possível matar à distância com os drones".


Raniero La Valle (Foto: Reprodução YouTube)

Na avaliação dele, na última década em que está à frente da Igreja como sucessor de Pedro, "a maior operação de liderança exercida pelo Papa foi aquela de impedir que a guerra assumisse a aparência de uma guerra de civilizações, de guerras de religião, impedindo que o cristianismo fosse uma das partes em conflito, e anunciando enfaticamente que 'o Deus da guerra não existe'. Aliás, não só manteve o cristianismo fora do conflito, mas proclamou que não existe um cristianismo entendido como uma unidade religiosa, política, institucional".

Na tentativa de por fim à guerra entre Rússia e Ucrânia, lembra, o Papa Francisco enviou o Cardeal Zuppi para intermediar as negociações entre os presidentes e "tentar o impossível e para mostrar que um cristão não pede a paz apenas com palavras, mas se entrega inteiramente a isso, até a doação da própria vida". Como resposta, comenta, "Zelensky respondeu novamente que não precisa de mediadores, e que a Ucrânia decide sobre a sua guerra".

Enquanto os analistas justificam o conflito e apoiam Putin ou Zelensky por diferentes razões, para La Valle, "a culpa é de quem começou a guerra, e foi Putin, e de quem não quis que ela acabasse, e foram muitos, começando pela Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN, quando já nos primeiros dias uma negociação promissora estava em andamento em Ancara. E a responsabilidade é de quem ainda não quer que acabe".

A resposta para o fim desta e de outras guerras, mas também para o surgimento de governos autoritários, está diretamente relacionada ao messianismo do pontificado de Francisco, segundo observa La Valle em seus artigos. "É preciso uma conversão, é preciso mudar as mentes e os corações, não pensar na terra como uma túnica a ser partilhada entre os soldados, nas fronteiras como portões e muros a serem erguidos, aos Estados como zoológicos a serem cercados, aos estrangeiros como inimigos a combater ou a serem expulsos, à política como antevisão da guerra. É preciso ir às raízes distantes, à ideia ancestral da guerra como natureza e da paz como artifício, da razão que tudo pode e do amor que nada pode fazer. E nos converter".

"A Opção Francisco, a nova configuração geopolítica e o fim da cristandade" é o tema da videoconferência a ser ministrada por Raniero La Valle na próxima quinta-feira, 17-08-2023, às 10h. A palestra integra o ciclo de estudos “A Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal”, que está sendo promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU desde maio deste ano, e será transmitida na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no Canal do IHU no YouTube.

Em entrevista concedida ao IHU em 2018, La Valle classificou o pontificado de Francisco não apenas como "profético", mas "messiânico". "O próprio cristianismo, aliás, é messiânico, e Cristo significa justamente Messias. Portanto, quando se fala de um pontificado messiânico, fala-se da verdadeira missão (embora raramente cumprida) de um papa cristão", esclarece. Ao contrário dos messianismos políticos, apocalípticos ou daqueles que postergam "o bem prometido a um futuro que virá", muito em voga na atualidade, ressalta, "Francisco anuncia o 'hoje' de Deus, a irrupção do tempo de Deus no tempo histórico, no tempo de agora, na nossa história", ao "anunciar a misericórdia, como a totalidade de Deus". E explica: "Não é a alquimia da retribuição, não há um do ut des divino. A divina comédia acabou. Deus é o pai que não só espera por você, mas reduz o tempo da espera, elimina o diferimento, a procrastinação, chega primeiro, 'primerea', como diz o Papa com seu neologismo argentino. E assim devem fazer os homens, de acordo com o Evangelho: setenta vezes sete, ou seja, sempre. Adiar isso para amanhã é o apocalipse, fazê-lo hoje é messianismo".

Outra característica do pontificado de Francisco, menciona, é ensinar à Igreja o que significa ser Igreja no século XXI. "Significa dizer, não só aos movimentos populares, mas para o mundo todo, que a história não termina aqui, não termina nesse sistema que descarta e nessa economia que mata, não termina com o dinheiro no poder e os pobres nos guetos, não termina com o mundialismo das guerras e globalização da indiferença. O novo pode acontecer e acontece. E acontece porque é reativada a fé messiânica no fato que Jesus realmente retorna, e retorna hoje", assegura.

Programação do segundo semestre

A segunda edição do Ciclo de Estudos “Opção Francisco. A Igreja e a mudança epocal” começará em setembro, com objetivo de discutir a crise do cristianismo e da Igreja. Os impasses em torno da paz serão o ponto central da conferência intitulada Papa Francisco, a paz e a guerra no mundo de hoje, a ser ministrada em 12-09-2023, pelo historiador e estudioso do papado moderno e contemporâneo e professor emérito de literatura e filosofia da Scuola Normale Superiore di Pisa, na Itália, Daniele Menozzi.

A Opção Francisco e a missão da Igreja rumo às periferias da nova ordem global será o aspecto abordado por Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, em 28-09-2023. Dom Joaquim presidiu a Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura e Educação (2011-2015) e é o atual presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação (2015-2023), ambas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB.

No dia 10-10-2023, o jornalista italiano e vaticanista Marco Politi ministrará a videoconferência As opções geopolíticas de Francisco: trajetória e perspectivas na dimensão da Igreja universal. Ele acompanhou João Paulo II e Bento XVI em mais de oitenta viagens ao redor do mundo e é autor de Joseph Ratzinger: crisi di un papato (Laterza, 2011).

Para novembro, estão previstas três videoconferências.

A primeira será transmitida em 01-11-2023 e tem como temática A questão de Deus e a imaginação do cristianismo do futuro. Será ministrada pelo jesuíta Paolo Gamberini, professor de teologia na Pontifícia Faculdade Teológica de Nápoles, na Itália, e pesquisador na área de Teologia Sistemática, com especial enfoque na Cristologia, Doutrina da Trindade, Eclesiologia Ecumênica, Teologia do Diálogo Inter-religioso, Teologia Comparada das Religiões, Teologia Fundamental e Teologia Pós-teísta.

A segunda conferência ocorrerá em 14-11-2023 e tem como objeto de reflexão A Opção Francisco e a(as) herança(s) do Concílio Vaticano II. O palestrante será Gilles Routhier, professor titular de Teologia na Faculdade de Teologia e Estudos Religiosos da Universidade de Laval, em QuébecCanadá.

Por fim, em 29-11-2023, o Christoph Theobald, teólogo jesuíta e professor de Teologia Fundamental e Dogmática na Faculdade de Teologia do Centre-Sèvres, em Paris, abordará A opção Francisco e o cristianismo como estilo em face à mudança epocal. Todas as conferências serão transmitidas ao vivo na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos – IHU e nas redes sociais às 10h.

As conferências já ministradas estão disponíveis aqui e a programação do segundo semestre, aqui.

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