31 Julho 2023
O presidente Richard Nixon, dos Estados Unidos, entrou para a história pelo escândalo Watergate. Mas poderia ter sido diferente, se fosse um pouco audaz e não desse ouvidos a assessores. Quem conta essa passagem é o historiador holandês Rutger Bregman, no livro Utopia para Realistas.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Richard Nixon não era o candidato mais provável para ir atrás do antigo sonho utópico de Thomas More, mas às vezes a história tem um estranho senso de humor. O mesmo homem que foi obrigado a renunciar após o escândalo Watergate em 1974 esteve prestes a colocar em prática, em 1969, a renda básica incondicional para todos as famílias pobres de seu país. Teria sido um gigantesco passo adiante na Guerra contra a Pobreza, garantindo a uma família de quatro pessoas 1.600 dólares, o equivalente a cerca de 10 mil (cerca de 50 mil reais) em 2016.
Admirador de Ayn Rand, defensor do livre mercado, o assessor de Nixon, Martin Anderson, entendendo que o conceito de renda básica ia contra os ideais de Estado mínimo e à responsabilidade individual, produziu um relatório que levou o presidente dos EUA a desistir do plano.
O Canadá realizou “o primeiro experimento social de grande escala e o maior projeto de renda básica de todos os tempos”, introduzido pelo governador da província de Manitoba, em 1973. Beneficiados foram os 13 mil habitantes da cidade de Dauphin, que recebeu, por quatro anos, uma renda básica “de modo a assegurar que ninguém cairia abaixo da linha de pobreza”. O programa acabou com a eleição de um gabinete conservador, que não viu razão para continuar com o experimento que tinha 75% dos recursos financiados federais.
Mas se a renda mínima não chegou a ser introduzida no país do Tio Sam, um Estado, o Alasca, tem uma renda básica universal e incondicional financiada pela renda do petróleo que é distribuída a toda sua população. Não é muito, um pouco mais de 1 mil dólares por ano, mas nenhum político ousa sugerir sua extinção, pois seria o fim da carreira do político, uma vez que a iniciativa tem o apoio maciço da sociedade.
O professor Greg Duncan, da Universidade da Califórnia, calculou que tirar uma família americana da situação de pobreza custaria em torno de 4,5 mil dólares por ano. O retorno desse investimento, por criança, na vida adulta seria 12,5% mais horas trabalhadas; 3 mil dólares a menos em gastos com benefícios sociais; 50 mil a 100 mil dólares em ganhos adicionais na vida do indivíduo; 10 mil a 20 mil dólares a mais na receita do imposto de renda.
A concessão de “dinheiro de graça” a todos os indivíduos foi proposta por Thomas More em seu livro “Utopia”, de 1516. Filósofos, escritores e economistas deram o seu aval à proposta, entre eles Thomas Paine, Stuart Mill, H. G. Wells, George Bernard Shaw, John Kenneth Galbraith, Jan Tinbergen, Martin Luther King, Bertrand Russel.
Difícil é convencer a classe empresarial, políticos e economistas defensores do neoliberalismo a conceder “dinheiro de graça”. Num país com um grande contingente de pobres como o Brasil, um programa como o Bolsa Família é seguidamente questionado e acusado de beneficiar “preguiçosos”.
No futuro, talvez essa será “A” alternativa. O economista britânico Guy Standing previu o surgimento de um “precariado” – uma classe de pessoas, encostada por ação de robôs, ou ativa em empregos temporários, mal remunerada. A IA coloca, no entanto, em risco mesmo profissionais com curso superior. “No entanto, não é a tecnologia em si que determina o curso da história”, mas sim os humanos. “A alternativa é que, em algum momento neste século, possamos rejeitar o dogma de que é preciso trabalhar para viver”, vaticina Bregman.
Que arremata: “Se quisermos continuar recebendo os benefícios da tecnologia, nos restará apenas uma escolha, que é a da redistribuição. Redistribuição em massa”, que se tratará de uma decisão política. De acordo com o professor Piketty, “precisamos salvar o capitalismo dos capitalistas”.
Reprodução da capa da obra de Rutger Bregman, Utopia para Realistas
A adoção de uma renda básica universal será, na visão do historiador holandês, não um favor, “mas um direito. Chame isso de ‘caminho capitalista para o comunismo’”, na definição do pesquisador em Teorias Políticas, Robert van der Veen, e do filósofo e economista político belga Parijs Phillipe.
No documento “Tecnologias novas e emergentes, desafios éticos”, o Conselho Mundial de Igrejas (CMI) exortava os governos nacionais “e todas as autoridades responsáveis a garantir níveis mínimos de proteção social para todos aqueles cujos meios de subsistência são afetados negativamente pela aceleração e automação, e das aplicações industriais de inteligência, a considerar a introdução de uma renda básica universal quando as circunstâncias permitirem, ao mesmo tempo apoiar e promover o direito de todos ao trabalho digno e à participação equitativa na sociedade”.
Vejamos se no futuro a "bondade" de poderosos e detentores dos meios robotizados admitirá essa “barbaridade” social!
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No futuro, a renda básica universal será a única alternativa, prevê historiador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU