30 Junho 2023
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) lança nesta quinta-feira (29) um relatório técnico sobre o projeto da mineradora Belo Sun (disponível abaixo), na região da Volta Grande do Xingu, no Pará. O documento da organização apresenta dados preocupantes e aponta violações aos direitos dos povos indígenas e a legislação ambiental, entre eles os Juruna, os Arara, os Xipaia, os Xikrin e os Curuaia; além de comunidades tradicionais ribeirinhas e pescadores da Ilha da Fazenda, e de vilarejos locais como Galo, Ouro Verde e Ressaca. Comunidades camponesas, incluindo mais de 500 famílias já assentadas por meio de programas do governo federal voltados à reforma agrária, devem ser afetadas pelo projeto da mineradora, que quer extrair ouro na região.
A reportagem é de Leanderson Lima, publicada por Amazônia Real, 29-06-2023.
O relatório de 27 páginas, intitulado “Mina de Sangue”, é divulgado em um contexto político em que empresas mineradoras do país se fortalecem e se movimentam para terem seus empreendimentos aprovados no governo Lula. Para lideranças indígenas, Lula, ao mesmo tempo em que combate o garimpo em seus territórios, não têm dado a mesma resposta para o avanço das mineradoras, que têm forte apoio do agronegócio. Em março passado, deputados e senadores lançaram a Frente Parlamentar de Mineração, com o acréscimo da palavra “sustentável” para dar um tom de preocupação ambiental.
A Belo Sun Ming Corporation, como é sua designação completa, é uma subsidiária brasileira controlada pelo banco Forbes & Manhattan, do Canadá, que desenvolve projetos de mineração em várias partes do mundo. O banco também controla a empresa Potássio do Brasil, que tem projeto de mineração em terras indígenas do povo Mura, no Amazonas.
O relatório apresentado pela APIB indica que a mineradora estaria atuando para “silenciar as discussões acerca do empreendimento, inviabilizando a realização de fóruns e audiências públicas, inclusive mediante intimidação”. A organização indígena também diz que a mineradora vem praticando “abuso do poder econômico”.
Local onde, segundo informações dos moradores da aldeia São Francisco, será construída a bacia de rejeitos do empreendimento. (Foto: Cícero Pedrosa Neto | Amazon Watch)
O documento diz que a mineradora adquiriu pelo menos 2.700 ha de terra em lotes da reforma agrária de maneira ilegal. A Belo Sun também teria contratado, segundo a APIB, uma empresa de segurança armada para atuar no local, que vinha intimidando e ameaçando a população da Volta Grande do Xingu, “limitando o direito de ir e vir dessas pessoas, impedindo-as de acessar áreas públicas que antes eram utilizadas para caça, pesca, extrativismo e lazer”, descreve.
Ainda de acordo com a APIB, a mineradora é acusada de violações aos Direitos Fundamentais dos Povos Indígenas, desrespeitando Tratados Internacionais como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que delibera sobre a obrigatoriedade de consulta dos Povos Indígenas na hipótese de realização de projetos de exploração dos recursos existentes em suas terras.
O coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Maurício Terena, explica que grandes corporações vêm se utilizando de seu poder econômico e forte influência política para entrar em territórios indígenas para fazer suas operações. “Ocorre que muitas dessas operações são feitas sem o devido licenciamento ambiental, sem a devida consulta livre, prévia, informada, causando um impacto local nos modos tradicionais dessas populações indígenas e também, na questão da saúde, segurança, alimentação, porque esses empreendimentos têm um impacto não só ali onde ele está instalado”, disse o advogado em entrevista à Amazônia Real.
Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). (Foto: Reprodução | Redes sociais)
Para o coordenador jurídico, os impactos de Belo Sun se somarão aos efeitos já conhecidos trazidos pela hidrelétrica de Belo Monte, empreendimento construído nos governos petistas de Luiz Inácio da Silva, em seus primeiros mandatos, e de Dilma Rousseff. Em 2022, Lula chegou a dizer que não se arrependia de Belo Monte.
“É importante salientar que os impactos de Belo Sun serão somatizados aos impactos de Belo Monte. Ou seja, a situação é de desarranjo social que já existe devido aos impactos de Belo Monte já tenderão a piorar, pois Belo Sun está ali na mesma região e provavelmente irá contribuir para que as mazelas sociais e socioambientais aumentem. É importante consignar que Belo Monte foi um dos maiores empreendimentos que trouxe uma perspectiva de violação dos direitos humanos daquela região”, disse o advogado indígena. “Se o governo petista pudesse fazer esse balanceamento olhando para a perspectiva socioambiental de direitos humanos, esse empreendimento não teria saído do papel”.
A Amazônia Real conversou com uma liderança histórica da Terra Indígena Paquiçamba, na região da Volta Grande do Xingu, afetada pelo empreendimento de mineração. Durante anos, ela lutou contra a Usina Belo Monte. Segundo ela, que prefere não ser identificada por receio de ameaças, o documento da Apib é importante para confirmar o descaso da empresa Belo Sun aos direitos das populações afetadas pela mineradora.
“Ele [o relatório da APIB] é bom porque denuncia violações de direitos, direitos de vida, das pessoas, direito da vida dos animais, direito da vida da floresta, direito da permanência de um povo que se considera dono de um rio e que foi tirado dele esse rio, direito de um povo Juruna que residiu aqui há muitos e muitos anos”.
A indígena lembra com tristeza de quando Belo Monte desviou o rio Xingu, impactando a sobrevivência e a cultura de seu povo e de outras populações indígenas e ribeirinhas. Agora, ela se preocupa com um novo empreendimento na região onde fica o território Juruna.
“Abaixo deste empreendimento da mineradora, tem muitas famílias morando, tem vilas, tem a Vila da Ressaca, tem a Ilha da Fazenda, que é uma vila de gente, pessoas que residem lá há muitos e muitos anos. A mineradora fica abaixo do empreendimento de Belo Monte, da barragem de água e aí vem esse outro empreendimento de tão longe”, diz.
Ela reitera que se trata de uma “mina de sangue” e diz que o empreendimento não tem planejamento de realocação de pessoas que moram abaixo da mineradora, abaixo da barragem de rejeitos que será criada. Ela também denuncia o processo de consulta realizada em Volta Grande do Xingu e a pressão externa para que os indígenas “aprovassem” o Estudo de Componente Indígena.
Escritório da mineradora Belo Sun, na Vila da Ressaca, em Senador José Porfírio. (Foto: Isabel Harari | ISA)
Organizador do relatório “Mina de Sangue”, Maurício Terena destacou que Belo Monte foi um empreendimento “extremamente atropelado”, semelhante ao que está acontecendo agora com a mineradora Belo Sun. “Não estão sendo respeitados os trâmites e os procedimentos administrativos, seja por parte do Ibama, seja por parte da Funai. A gente está vendo essa história se repetir em Belo Sun”, dispara Maurício, lembrando que o empreendimento encontra-se suspenso devido a uma decisão da justiça.
“É fundamental que a sociedade civil, dentro desse contexto de mudança climática e também violação do meio ambiente, se mobilize nesse sentido e esse relatório vem justamente trazer os povos indígenas para a centralidade do debate sobre mineração no Brasil, porque esse debate é por vezes feito à revelia desses povos, que sistematicamente têm seus direitos violados”, disse ele.
Para Maurício Terena, o governo Lula ainda carrega as suas contradições políticas seja no discurso ou na própria ação política em si. “É importante consignar que a Constituição Federal veta o garimpo dentro de terras indígenas e em algumas partes em determinados pontos focais, em especial, Yanomami, o governo federal tem combatido o garimpo ilegal”, diz, lembrando que existem ainda outras terras indígenas que sofrem com a mineração, como é o caso do povos Munduruku e Caiapó, no Pará e Mato Grosso.
Segundo o diretor da APIB, um modo de pressionar as autoridades contra Belo Sun, é fazer uma grande movimentação social dos povos indígenas. “E também lançar iniciativas como essa, um relatório que descreve de maneira pormenorizada os riscos que esses grandes empreendimentos têm dentro das terras indígenas”, assinala.
Maurício Terena aponta que muito se fala sobre os povos indígenas serem acusados de “atrasar” o desenvolvimento econômico do país. “Mas é importante consignar que esse desenvolvimento econômico não deve ser às custas da violação do meio ambiente, do direito à vida, das garantias fundamentais. É importante que esses empreendimentos estejam alinhados com toda uma política estruturada de proteção dos direitos humanos e acima de tudo do meio ambiente”, opina.
Para a APIB é hora de lembrar que dentro do contexto de mudanças climáticas, o que se quer é que “a matriz desenvolvimentista ou neodesenvolvimentista, que carrega consigo uma perspectiva neocolonial, seja mudada para os valores e princípios do século 21”, finaliza.
Após a publicação desta matéria, a assessoria de imprensa da Belo Sun enviou um email informando que os Juruna, da Terra Indígena Paquiçamba, e os Arara, de Volta Grande do Xingu, aprovaram o Estudo de Componente Indígena do empreendimento, com cartas escritas a mão pelos indígenas anexadas. Segundo a empresa, foi realizada consulta livre conforme a Convenção 169 da OIT.
“A relação com as comunidades é a melhor possivel [sic] e a Funai já se manifestou oficialmente a sua anuêcia [sic] sobre a viabilidade ambiental do empreendimento sob a perspectiva indígena”, diz email da assessoria da Belo Sun, que também envio um link da “mídia local” com entrevistas de lideranças ribeirinhas favoráveis.
A assessoria também enviou um ofício assinado por Carla Fonseca de Aquino Costa, então coordenadora-geral de licenciamento ambiental da Funai, na gestão de Jair Bolsonaro, informando que “entre os dias 26 e 29 de outubro de 2021 foram realizadas reuniões para a apresentação e deliberação quanto à aprovação por parte dos indígenas do Componente Indígena dos Estudos de Impacto Ambiental (CI-EIA) do Projeto Volta Grande (PVG) de exploração de ouro”.
“Tais arquivos falam por si, desconstruindo relatórios tendenciosos preparados por pessoas que nunca vieram á [sic] região mas se prestam a vender histórias mentirosas, desrespeitando a vontade e os desejos dessas comunidades abandonadas á [sic] sua propria [sic] sorte e ao garimpo ilegal que impera na região, degradando o meio ambiente e patrocinando todo o tipo de ilicitos [sic], que as autoridades administrativas e de controle fingem não existir na região”, diz a nota da assessoria da empresa.
Mas segundo a liderança Juruna ouvida nesta reportagem, a consulta feita entre seu povo foi “mal feita” e “sob pressão”. “Muitos assinaram sem saber direito, mesmo sem concordar. A gente mora em um território e se sente pressionado a colaborar ou participar de algo que não concorda. Tem pressão interna, inclusive, vamos dizer assim, mas também da empresa mineradora”, afirma.
Segundo a liderança, muitas pessoas que hoje estão no território indígena não estavam presentes na época da elaboração do protocolo de consulta e desconhecem a importância dele.
“Todo esse processo de estudo de impacto, as pessoas não entenderam direito. E eles [empresa] não conseguiram responder os nossos questionamentos, os anseios que tivemos… perguntas deixaram de ser respondidas, solicitações deixaram de ser atendidas. No final, a Belo Sun está descumprindo e violando nossos direitos. Está dando propina para alguns”.
A Amazônia Real procurou a Funai para esclarecer sobre as cartas dos Juruna e dos Arara referentes ao ECI e sobre a anuência do licenciamento. Assim que a resposta for enviada, ela será publicada.
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Relatório da APIB alerta para impactos da mineradora Belo Sun nas terras indígenas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU