Governo estadual defende exploração na bacia Pará-Maranhão e tenta liberar empreendimentos apesar de vetos do Ibama.
A reportagem é de Luan Matheus Santana, publicada por Agência Pública, 14-06-2023.
Na orla da avenida Litorânea, água até onde a vista alcança. Areia branca, ventos moderados e uma pequena circulação de navios de carga em alto-mar, que passam diante dos olhos. A Ilha do Amor, São Luís, capital do Maranhão, é a cidade com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado. Pontuou 0,768 (alto) em um estado que ocupa há muitas décadas o final do ranking nacional do IDH. É da ilha que o governo do Maranhão espera o tão sonhado desenvolvimento econômico, mais especificamente, do mar que a rodeia. Distante pelo menos 250 quilômetros da costa, a possibilidade da existência de 20 a 30 bilhões de barris de petróleo submersos animou empresários e a estatal brasileira Petrobras. Uma aposta que seus entusiastas dizem ter potencial para tirar o Maranhão da lista de estados mais pobres do país. Mas que, além da insegurança da promessa em um mundo pressionado pela emergência climática, ameaça a maior formação de recife de corais da América do Sul, o Parcel de Manuel Luís.
Foi isso que motivou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a recomendar, em dezembro de 2019, a retirada de oito blocos da bacia Pará-Maranhão da 17ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo (ANP). A Informação Técnica nº 2/2019-CGMAC/DILIC ressalta uma provável “inviabilidade ambiental de empreendimentos que imponham riscos de olear a costa do Pará e do Maranhão e o Parcel Manuel Luís”. Diante da sensibilidade ambiental da área, “sugere-se que seria adequado aguardar a realização de estudos de caráter estratégico, como a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), da Bacia de Pará-Maranhão”, afirma o parecer do Ibama.
Os riscos foram reafirmados em fevereiro de 2020, em Manifestação Conjunta do Ministério de Minas e Energia (MME) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para a 17º Rodada de Licitações de blocos para exploração e produção de petróleo e gás natural. A decisão segue em vigor, até a conclusão de estudos ambientais mais detalhados e emissão do parecer ambiental dos blocos da bacia. Mas, mesmo assim, estudos continuam sendo realizados na bacia Pará-Maranhão, na Margem Equatorial brasileira, ao contrário da região da bacia Foz do Amazonas, onde recentemente o Ibama negou licença para atividade de perfuração marítima no Bloco FZA-M-59. No mesmo despacho, de 17 de maio de 2023, o presidente do Ibama, Agostinho Neto, falou da “necessidade de assegurar a realização de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para as bacias sedimentares que ainda não contam com tais estudos e que ainda não possuem exploração de petróleo, no prazo mais breve possível”.
Relativizando os riscos ambientais, companhias privadas de petróleo e a estatal brasileira Petrobras seguem pressionando os órgãos ambientais para assegurar as licenças necessárias para exploração. Allan Kardec Duailibe Barros Filho, presidente da Companhia Maranhense de Gás (Gasmar) e principal articulador do governo do Maranhão para o tema, questiona a decisão do Ibama. “O debate hoje, em 2023, está dizendo que, se houver vazamento, vai acontecer o quê? Acontece que a possibilidade de vazamento, pegando o histórico do Brasil nessa fase de exploração, é zero. Nunca houve. As leis ambientais do Brasil são rígidas demais. Hoje nenhuma empresa ousa sonhar em ter vazamento, porque suas ações desabam. Essa história é uma narrativa que se tenta impor”, afirma.
Não é o que dizem os pesquisadores e ativistas ambientais ouvidos pela Agência Pública, como o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Alexandre Costa. “Toda operação de petróleo produz enormes desequilíbrios. Não há operação de petróleo sem riscos”, afirma Costa. O cientista explica que, ao contrário do que diz Kardec, os desequilíbrios se manifestam logo na prospecção, ou seja, nas fases de estudos para identificação de petróleo submerso. “O uso de técnicas como as sísmicas, por exemplo, afeta animais que dependem de ecolocalização, e isso desestabiliza um conjunto de vidas que dependem disso”, diz.
Doutor em Oceanografia e professor da UFMA, Jorge Nunes ressalta a importância dos corais para o ecossistema marinho (Luan Matheus Santana | Agência Públcia)
Na porção maranhense da Margem Equatorial brasileira, que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte, a exploração coloca em risco ecossistemas como o Parque Estadual do Parcel de Manuel Luís, considerado o maior banco de corais da América do Sul – a mais relevante matriz de espécies marinhas da região – e a maior faixa contínua de manguezais do mundo, que toma toda a extensão da bacia Pará-Maranhão. Além de trazer prejuízos econômicos e culturais às comunidades pesqueiras, como alerta Jorge Nunes, professor da Universidade Federal do Maranhão (Ufma) e doutor em oceanografia. “Esse é um ambiente que sustenta diversos outros ambientes. Aqui temos uma base que mexe com uma das maiores produções pesqueiras do Brasil”, alerta. De acordo com Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), o Maranhão é o quinto maior produtor nacional de pescado, com a produção de 47.700 toneladas/ano.
Além da capital, São Luís, os municípios de Apicum-Açu e Cururupu, localizados na margem das águas que banham o parcel, podem ser diretamente ou indiretamente impactados. Esses municípios, especialmente nas duas últimas cidades, destacam-se modos de vida ainda bastante tradicionais, fortemente influenciados pela pesca artesanal.
Nossa reportagem buscou o Ministério do Meio Ambiente e a Petrobras para um posicionamento oficial, mas não tivemos retorno.
Maranhão é o quinto maior produtor nacional de pescado, com modo de vida e sustento associado à prática (Luan Matheus Santana | Agência Públcia)
“Queremos transformar o Maranhão em um novo Rio de Janeiro”, afirma Allan Kardec, ao atender a Pública em sua sala no sexto andar de um edifício comercial localizado em um dos bairros nobres da capital maranhense (Renascença). É dali que ele comanda a Gasmar, empresa mista que detém os serviços de distribuição e comercialização de gás canalizado no estado. Na sala de reuniões, uma janela de vidro exibe a vista exuberante da lagoa da Jansen, um dos pontos turísticos mais visitados de São Luís. De lá também é possível ver o mar, o foco dos esforços empenhados por Allan Kardec para avançar na exploração de petróleo e gás, por ele associada a benefícios econômicos e sociais, a partir dos royalties.
Ele também nega qualquer impacto que o empreendimento poderia trazer à região do Parcel de Manuel Luís. “Estamos falando de uma área que fica há 200 ou 300 quilômetros da costa. O parcel fica em águas rasas, com uma lâmina d’água de 50 metros. A área que queremos explorar tem uma lâmina d’água de 2.000 a 4.000 metros”, diz.
Lagoa Jansen vista da sala de reuniões da Gasmar; ao fundo, o mar de São Luís, novo alvo da indústria petrolífera (Luan Matheus Santana | Agência Públcia)
Professor da Ufma e ex-diretor da ANP, Allan Kardec liderou um estudo científico, apoiado pela Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (Fiema) e divulgado em janeiro de 2021, que reacendeu o debate sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial brasileira. O estudo, divulgado e apresentado às instituições de governo e empresariais, apresenta um recorte específico de exploração de petróleo na bacia Pará-Maranhão. Trata-se de uma nota técnica intitulada “Um novo ‘pré-sal’ no Arco Norte do território brasileiro”, que identificou, através de mapeamentos sísmicos, a existência de cem prospectos com características geológicas e geofísicas semelhantes à de países como Guiana, Gana e Costa do Marfim, onde foram encontrados grandes quantidades de petróleo.
Allan Kardec, presidente da Gasmar, é o principal articulador no governo do Maranhão sobre o tema (Luan Matheus Santana | Agência Públcia)
“Interpretação recente, que ora tornamos pública na presente Nota Técnica, indicou a possibilidade da existência de 20-30 bilhões de barris de óleo em Recursos Prospectivos Recuperáveis Riscados (definição SPE/WPC)”, afirma a nota, que contou ainda com a colaboração de Ronaldo Gomes Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra (ESG), e Pedro Victor Zalán, presidente da ZAG Consultoria em Exploração de Petróleo.
Afirmando a existência de um profundo desconhecimento nacional acerca do potencial petrolífero da Margem Equatorial brasileira, os pesquisadores alegam que haveria uma “disseminação de informações falsas” sobre as condições ambientais dos biomas da região e investem contra o Ibama. “Instalou-se uma aguerrida relutância em setores do IBAMA em expedir licenciamentos ambientais para perfuração de poços exploratórios”, afirma a nota, que nega o risco ambiental e afirma que, “em caso de algum derramamento de óleo (probabilidade mínima para um poço exploratório)”, não haveria contaminação dos manguezais do Amapá e Pará, “pois a Corrente Norte Brasileira é muito forte e carregaria qualquer material flutuante para um vórtice situado no meio do Oceano Atlântico Equatorial”.
Um argumento perigoso na visão do professor Jorge Nunes: “Essa é uma corrente em razão do giro de rotação da Terra. Nesse giro, ela cria um tipo de velocidade com uma propagação de água – corrente – no sentido da África para o Brasil. Essa é a corrente superficial, que navegadores usam para economizar combustível, por exemplo. Mas como isso funciona no fundo do mar? Há outros padrões de circulação?”, questiona o professor, que aponta outro problema grave. “Eles dizem que a corrente leva pro Caribe, mas é pior ainda, né? Ou seja, uma forma de jogar o lixo pra debaixo do tapete. Imagina essa tragédia no Caribe? Algo pode acontecer e, pelo nosso histórico de inoperância, isso é possível”, diz Nunes.
Para além das correntes marinhas, outros fatores podem influenciar possíveis deslocamentos de óleo vazados de poços de exploração. Na bacia Pará-Maranhão há um fenômeno comum, chamado macromaré, que é a diferença do nível do mar entre maré baixa e maré alta. A praia da Ponta da Areia, localizada na orla oceânica de São Luís apresenta um dos maiores desníveis do país, com uma macromaré que alcança altura de 7,5 metros e ondas de 1,5 metro.
“A cada maré de lua cheia, temos isso. Com as questões do aquecimento global, essas marés aumentam ainda mais. Temos um deslocamento grande de água. Ou seja, temos uma série de fatores, que não só a corrente norte do Brasil vai ser suficiente para livrar o parcel ou a maior linha contínua de manguezais do planeta”, explica o professor, que também rebate a afirmação de Kardec de que a possibilidade do impacto ao parcel é praticamente zero. “O fundo de areia é um castelo de cartas. Onde venta muito, ele cai. Quando você tem um substrato consolidado e estruturado, pode trazer outros recursos. São serviços ecossistêmicos”, afirma.
O Parcel de Manuel Luís é o primeiro parque estadual marinho criado no Brasil, através do Decreto Estadual nº 11.902, de 11 de junho de 1991. Possui, ao todo, uma área de 45.237,9 hectares, o que equivale a quase 42 mil campos de futebol, um ao lado do outro. É berçário de várias espécies endêmicas, de espécies ameaçadas de extinção, e um dos ambientes recifais mais exuberantes da América do Sul.
O Parecer Técnico n. 05/2018, elaborado pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG), identificou a ocorrência de 53 espécies ameaçadas de extinção na bacia Pará-Maranhão, número quase duas vezes maior do que identificam na bacia do Amazonas (27 espécies). Pelo menos 25% dessas espécies estão categorizadas como criticamente em perigo (13 no total), 15% como em perigo (8) e 60% como vulneráveis (32).
Entre as espécies com perigo crítico, o cação-quati chama atenção pela extrema redução da sua população nos últimos 40 anos, atingindo redução superior a 90%. Trata-se de um tubarão tropical, com distribuição restrita, endêmica das águas costeiras do norte da América do Sul.
Superintendente de Biodiversidade e Áreas Protegidas da Sema, Laís de Morais Rêgo Silva nega qualquer risco ambiental em decorrência da possível exploração de petróleo na região (Luan Matheus Santana | Agência Públcia)
“Essa é uma que só tem aqui. E que seu surgimento está datado de 16 milhões de anos. Estamos arriscando perder 16 milhões de anos de história, só com esse animal. E os outros animais endêmicos? E nossa faixa contínua de manguezais? Qual o preço disso? O futuro está indo na perspectiva de reconstruir o clima, de acabar com combustível queimado, mas esse discurso da indústria nega o debate ambiental”, destaca Nunes, que também é doutor em oceanografia.
De acordo com ele, foram essas características que deram ao parcel o título de Sítio Ramsar (zona classificada como de importância ecológica internacional), como área úmida. Com isso, o parque passou a receber atenção especial, prioridade nas políticas governamentais e reconhecimento público, nacional e internacional.
O Plano de Manejo do Parque, divulgado em 2022, identificou até o momento a existência de 68 espécies marinhas na região, sendo 64 de peixes e 4 de tubarões e raias. A observação foi realizada por meio de censos visuais e identificou ainda espécies endêmicas do parcel, com o coral-de-fogo (Millepora laboreli).
Tanto o manejo como a fiscalização do parque, que compõe com outros dois parques (Parque Estadual Marinho Banco do Tarol e o Parque Estadual Marinho Banco do Álvaro) os Mosaicos Recifais Maranhenses, estão a cargo da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão (Sema). Em entrevista à Pública, porém, a analista ambiental e superintendente de Biodiversidade e Áreas Protegidas da Sema, Laís de Morais Rêgo Silva, negou qualquer risco ao parque por conta da possível exploração de petróleo na região. “Existem vários blocos que estão disponíveis para leilão, mas a maior parte deles não estão nas proximidades do parcel. Existem apenas dois blocos que têm uma proximidade maior, mas com uma certa distância”, admite a gestora. “A maior parte vai da costa oeste do Maranhão rumo ao Amazonas”, afirma.
A superintendente disse ainda que o parque é uma área de proteção integral, portanto já possui uma série de restrições de uso. “Não pode haver exploração de recursos naturais no interior do parque nem na sua zona de amortecimento, que é formada por um raio de 10 quilômetros no entorno da unidade. Nesta zona é proibido atividades de alto impacto, como atividade de exploração de petróleo. Ao lado do parcel, temos outro parque, que é o Banco do Tarol, que também tem uma zona de amortecimento no raio de 10 quilômetros. Como eles são próximos, as zonas de amortecimento são contínuas e as áreas de proteção aumentam”, explica.
Laís disse também que a instalação de empreendimentos desse tipo está condicionada a uma série de estudos de impacto ambiental e de modelagem para eventuais vazamentos de óleos. “Esses estudos são em relação aos caminhos que as correntes marinhas vão percorrer com o óleo”, explica a superintendente, afirmando que essas modelagens ainda não existem.
O início das atividades de pesquisa e estudos na bacia Pará-Maranhão se deu ainda na década de 1970, com a perfuração de poços exploratórios para coletar dados e avaliar a extensão das reservas. De acordo com a ANP, o primeiro poço foi perfurado em 1978, antes da criação da agência, e a primeira metade da década de 1980 foi a fase de maior investimento exploratório na bacia. Ao todo, são 34 poços de exploração de petróleo na bacia, a maior parte deles sem indícios de petróleo. Apesar do longo histórico de atividades de pesquisa, ainda não há produção na região. A Petrobras e outras companhias petrolíferas também dispõem de blocos para exploração de petróleo na bacia de Barreirinhas, ao leste do Maranhão, com 26 blocos exploratórios.
Entretanto, apesar dos riscos que empreendimentos desse tipo geram ao meio ambiente, o governo do Maranhão não dispõe, até o momento, de um Plano Estadual de Emergência Ambiental. Nem para atuar em possíveis casos de vazamento de óleo nem para outros potenciais casos de desastres ambientais.
De acordo com Caco Graça, supervisor de emergências ambientais da Sema, o Plano Estadual de Emergência Ambiental está em desenvolvimento. “Várias etapas foram concluídas, como a análise de diversos planos de emergência no Brasil, análise das legislações federais, buscando adaptações à nossa realidade oceanográfica e atmosférica”, afirma.
Uma lacuna que se tornou mais evidente depois que a possibilidade de existência de 30 bilhões de barris de petróleo na região fez brilhar os olhos da indústria petrolífera, que desde o início dos anos 2000 tenta explorar a bacia Pará-Maranhão, como comprova uma série de documentos oficiais obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (LAI).
A primeira vez que blocos da bacia entraram em leilões da ANP foi em junho de 2000, entretanto nenhum bloco da bacia foi arrematado. O primeiro arremate veio apenas em 2001, na 3a Rodada de Licitações, por uma companhia de petróleo do Canadá e outra dos Estados Unidos. De lá para cá, 16 blocos foram arrematados. O último leilão ocorreu em 2013, na 11a Rodada de Licitações.
Na última década não houve novas ofertas nos leilões. Em 2007, um parecer técnico do Ibama já havia apontado a necessidade de estudos de modelagens para indicar as probabilidades de eventuais derramamentos de óleo atingirem o Parcel de Manuel Luís ou a costa. O parecer afirmava ainda uma probabilidade de toque de óleo (manchas de óleo que vão de 1 cm a 1 metro na faixa da praia) de 80% a 100% nos manguezais do litoral do Pará e nos corais do parcel.
A última negativa do Ibama para a exploração de petróleo na região veio em 2020, por meio da Nota Técnica Conjunta Nº 2/2020, alegando, entre outras coisas, a ausência de estudos mais detalhados acerca dos impactos. De acordo com a ANP, os estudos de impacto ambiental são elaborados durante a fase de licenciamento ambiental dos blocos arrematados e ocorrem inicialmente na fase de exploração e posteriormente na fase de produção. “A atribuição do licenciamento ambiental para os blocos marítimos é do Ibama, órgão ao qual o requerente deve redirecionar as suas demandas relativas aos estudos de impacto ambiental na bacia do Pará-Maranhão”, afirmou o órgão.
A previsão do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), é que o mundo atinja, em 2030, 1,5 grau de elevação na temperatura global, dez anos antes do previsto. De acordo com o professor Alexandre Costa, pós-doutor em ciências atmosféricas, existe um consenso na comunidade científica internacional de que o mundo precisa manter essa elevação da temperatura em, no máximo, 1,5 grau. Passando disso, os efeitos se tornam ainda mais graves que os já registrados hoje, com uma elevação na casa de 1,2 grau. São eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas prolongadas, além das consequências gravíssimas ao ecossistema marinho e terrestre.
“Com 1,5 grau já teríamos 70% dos corais em processo de branqueamento. O branqueamento de coral é basicamente a perda do vínculo entre os corais e as algas, que são muito sensíveis à temperatura. Coral sem alga é coral passando fome, e isso gera toda uma perda do processo de produção de alimento e oxigenação para outros seres. É a capacidade de alimentar e oxigenar que torna os corais berçários de diversas espécies. Com 2 graus de elevação, isso sobe para 100%. Olhem o tamanho do estrago”, alerta o professor.
Para ele, a ampliação e o incentivo à produção de combustíveis fósseis (petróleo) devem acelerar ainda mais o processo de aquecimento global, o que será letal para todo o conjunto de recifes de corais que hoje fazem da Margem Equatorial brasileira um berço imprescindível à preservação da vida marinha. “Isso pode ter consequências gravíssimas para vida marinha, e não apenas isso, porque sabemos a quantidade de vidas humanas que dependem da vida marinha, por meio da pesca, do turismo comunitário.”
Especificamente sobre as tentativas de exploração na Margem Equatorial brasileira, o professor Alexandre Costa alerta para a necessidade urgente de reversão desse quadro, sob pena de intensificarmos o aquecimento global e produzirmos consequências irreversíveis. “No contexto de emergência climática, é absurdo que não tenha já entrado em vigor um tratado de não proliferação de uso de combustíveis fósseis. Precisamos tratar esse tema da mesma maneira que tratamos as armas nucleares. Hoje, o excedente de CO2 na atmosfera causa um desequilíbrio energético que acumula uma energia equivalente a 700 milhões de bombas de Hiroshima por ano. Isso precisa ser tratado como arma nuclear, porque é tão perigoso quanto”, afirma.