20 Junho 2023
O artigo é de Christian Bauer, professor de Teologia Prática na Universidade de Innsbruck, na Áustria, publicado por Religión Digital, 18-06-2023.
O Caminho Sinodal na Alemanha não conseguiu assumir com força suficiente o apelo feito pelo Papa Francisco na carta: "Ao Povo de Deus na Alemanha" (2019). Seu pedido de dar primazia à evangelização teria dado um quadro geral orientador, deixando explícito que a reforma da Igreja é um ato de autoevangelização movido por Jesus. Isto significa também escutar as vítimas das assimetrias do poder eclesiástico (incluindo os abusos sexuais) e trilhar um caminho comum ("syn-hodos") de conversão no espírito de Jesus.
Uma Igreja clericalista que não protege as vítimas, mas os perpetradores de abusos, dificulta muito sua própria missão de salvação no mundo. Sem este contexto de crise, o Caminho Sinodal Alemão não pode ser compreendido, porque o medo de enfrentas causas sistêmicas dos abusos foi a origem deste processo. A sinodalidade é o melhor remédio contra o clericalismo. Tanto contra o clericalismo dos padres quanto contra o dos leigos e leigas e, aliás, também contra o dos professores de teologia, porque também há clericalismo acadêmico se eles se distanciam das teologias cotidianas do povo em vez de buscar o diálogo com ele em pé de igualdade. A única coisa que ajuda contra isso é sair, formar parcerias, aprender a trabalhar juntos. Na Alemanha existe até um campo de pesquisa teológica independente chamado Leutetheologie, algo como a teologia do povo.
Uma teologia verdadeiramente sinodal é como uma Igreja verdadeiramente sinodal, isto é, uma comunidade que procura ser fiel ao discipulado. Uma "Societas Jesu" no sentido mais verdadeiro da palavra, que, no duplo movimento do Concílio Vaticano II, não só se compreende inclusivamente para dentro (Ecclesa ad intra), mas também se abre para for a (Ecclesia ad extra) e sai para conhecer todas as pessoas de boa vontade. É importante encontrar aliados para a causa de Jesus e assim ganhar também uma nova credibilidade através de um corajoso processo de autoconversão eclesial, porque quem se distancia da Igreja enfrenta as patologias do seu próprio caminho interior, e quem fica dentro corre o risco de perigo de afundar nessas patologias. De manhã na padaria, à tarde na junta de freguesia.
Na Alemanha, como em muitos outros lugares da Igreja universal, as vozes de todo o povo de Deus compartilham o anseio por uma comunidade eclesial mais inclusiva e aberta. Essa saudade pode ser ouvida todos os dias. Pela manhã na padaria e nas escolas; à tarde, na hora do almoço com os amigos ou durante a prática de esportes; à noite, nas reuniões das juntas de freguesia.
Inúmeros debates e reuniões diocesanas, assim como estudos empíricos realizas na Alemanha, referiram-se a esta Leutetheologie — ou teologia do povo — nas últimas décadas. Também no caminho sinodal alemão, cujo principal trabalho de escuta e discernimento — à semelhança do Concílio Vaticano II com as suas comissões —, este anseio de grande parte do povo de Deus na Alemanha e noutras partes do mundo veio ao encontro luz. Mesmo que isso não tenha sido total ou extensivamente realizado, fez-se sentir nos quatro chamados "fóruns temáticos".
A grande maioria dos católicos alemães também compartilha a vontade sinodal de escutar cada vez mais uns aos outros e, nisso, também de escutar a voz do Espírito. Querem escutar as diferenças e situar o que se ouve sempre no horizonte infinito de um Deus cada vez maior: Deus sempre maior. Isso requer uma capacidade espiritual de autodiferença reflexiva, que nem todo mundo tem. É especialmente mais difícil para católicos muito tradicionais que não estão acostumados à prática da escuta. Por isso, também na Alemanha há uma tribalização assimétrica das doze tribos do povo de Deus, com uma disposição de auto relativização sinodal que não é a mesma em todos os lugares.
Uma minoria radicalizada (incluindo bispos) não está disposta a seguir esse caminho comum. Há sempre e em toda parte católicos (e bispos) com quem é simplesmente muito difícil conversar. E, ao mesmo tempo, também existem aqueles com quem simplesmente não se pode falar. Pelo menos com os primeiros é importante buscar o diálogo. Com os segundos, infelizmente, isso só é possível até certo ponto. É como a mediação em conflitos. Não se trata do melhor argumento teológico, mas de entrar em contato pessoal uns com os outros, ouvir as histórias por trás das posições e argumentos e olhar para o rosto da irmã ou do irmão com o coração aberto.
O Papa Francisco é como um jogador de xadrez que está sempre pensando na penúltima jogada com muita inteligência. Ele quer mudar muito mais do que "apenas" certas decisões da Igreja. Quer mudar para "way of proceeding" "e a forma como as decisões são tomadas e produzidas. Ele está preocupado com muito mais do que fazer uma 'simples' reforma superficial da Igreja. Trata-se de empreender um caminho de conversão pastoral, de uma autoevangelização eclesial que nos conduz a todos, sempre de novo, ao caminho do discipulado missionário. Só assim outras pessoas poderão ouvir a voz de Jesus chamando-as para uma vida arriscada, mas bela e rica em abundância.
Não devemos deixar o Papa sozinho nisso: ousemos embarcar no caminho do discipulado missionário!
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Igreja como “Societas Jesu”? Artigo de Christian Bauer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU