30 Mai 2023
O Uruguai pode ser considerado o país mais laico da América Latina, o que torna a Igreja uruguaia "pobre e livre", afirma Dom Arturo Fajardo, presidente da Conferência Episcopal do país. Uma Igreja cuja contribuição social é reconhecida.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
No passado dia 6 de maio, a Igreja uruguaia viveu um momento histórico, a beatificação de Dom Jacinto Vera, o primeiro bispo do Uruguai, "um pastor admirado e amado, um bonachão, um bispo gaúcho", com um estilo apostólico que Dom Arturo Fajardo espera que "nos ajude a retomar a paixão pelo anúncio do Evangelho, sobretudo aos que mais sofrem, aos mais pobres da nossa sociedade, e a anunciar o frescor do Evangelho, que é o desafio que a figura deste pastor nos deixa hoje".
Dom Arturo Fajardo (Foto: Luis Miguel Modino)
Vive num país que podemos dizer que é o mais laico da América Latina, como pode ser Igreja num país onde este laicismo marca a vida quotidiana?
É uma Igreja pobre e livre, e isso dá-lhe uma grande liberdade e a capacidade de estar presente na esfera social, acima de tudo. Mesmo os partidos políticos, qualquer que seja o seu partido político, reconhecem o contributo social da Igreja em muitas realidades em que ela está presente, no cuidado das crianças carenciadas, na ação social.
E na minha primeira visita ad limina, sou bispo há 15 anos, disseram-nos que o Uruguai podia ser um pequeno laboratório de como a Igreja se construiu num processo de secularização, que sobretudo no início foi bastante exclusivo, mas hoje temos uma cooperação com a sociedade e podemos chamar-lhe secularismo positivo. É um pequeno contributo que está a crescer no nosso país.
Fala de liberdade, poderíamos dizer que a liberdade garante a profecia, ajuda a Igreja a exprimir claramente o que se espera da sociedade com base na proposta do Evangelho?
Penso que sim, uma Igreja, como disse, pobre e livre, onde não temos qualquer tipo de compromisso com o Estado ou com a política. Talvez se reduza demasiado a um espaço próprio da vida espiritual, com uma presença que é valorizada positivamente no âmbito social, sobretudo pela atenção aos mais pobres, às crianças abandonadas. Há uma série de projetos que a Igreja gere e que são reconhecidos como sendo geridos de forma positiva.
A Igreja no Uruguai viveu este mês um momento histórico, a beatificação de Dom Jacinto Vera, o primeiro bispo do Uruguai. Quem foi Dom Jacinto Vera e o que representou para a Igreja no Uruguai?
O catolicismo uruguaio é muito tardio, o primeiro bispo em 1800, talvez isso também explique o fato de a nossa Igreja ser muito pequena, muito frágil. Dependia de Buenos Aires, e ele foi primeiro Vigário Apostólico, depois o primeiro bispo do Uruguai. Quando leio estes dias, e tive de ler muito da sua história, penso que coincide muito com os sonhos e com a identidade que o Papa Francisco gera na Igreja. Era um bispo em saída, grande parte do seu tempo era dedicado às missões, viajou três vezes pelo país, os seus colaboradores queixavam-se de que nunca estava na sede.
Era um bispo que se preocupava com os pobres, estava próximo dos pobres de muitas maneiras, na assistência aos doentes, na assistência aos mais necessitados. Alguém que, numa sociedade fragmentada, soube gerar unidade. Na guerra civil, construiu um hospital de campanha no cerco de Paysandú, para cuidar dos feridos de ambos os lados. Quando teve de se exilar porque o governo o exilou e ele regressou, a sua atitude foi sempre a de construir laços, pontes e procurar o entendimento.
Ele era para nós, e a historiografia oficial de certa forma ignorou-o, hoje ele é recuperado, o homem mais amado do final do século XIX. Um pastor admirado e amado, um bonachão, um bispo gaúcho, um padre gaúcho, de família muito humilde, de origem canária, mas que soube conquistar o afeto e o amor do seu povo, sobretudo através da sua paixão pelo Evangelho.
E para um bispo uruguaio de hoje, o que significa esta figura e estas atitudes do primeiro bispo do país?
Talvez na linha que o Papa Francisco nos pede hoje, que o estilo apostólico de Jacinto nos ajude a retomar a paixão pelo anúncio do Evangelho, sobretudo aos que mais sofrem, aos mais pobres da nossa sociedade, e a anunciar o frescor do Evangelho, esse é o desafio que a figura deste pastor nos deixa hoje.
Uma Igreja que faz parte do Celam, como podemos construir pontes entre a Igreja do Uruguai e a Igreja da América Latina e do Caribe?
O Celam é uma realidade nova na América Latina e no Caribe. A realidade do Celam foi universalizada no pontificado do Papa Francisco, especialmente a partir de Aparecida. Evangelii Gaudium, ele disse, essa é a palavra que ele usou, um refogado da Evangelii Nuntiandi e de Aparecida.
A Igreja uruguaia parte dessa realidade, enriquecida pela contribuição de outras igrejas, mas também contribuindo com seu próprio caminho, suas próprias dificuldades, nesta sociedade marcada pela secularização.
Outro elemento importante na vida da Igreja é o Sínodo 2021-2024, como é que este Sínodo está a ser vivido no Uruguai?
Com algumas dificuldades, mas avançámos. Na minha diocese, toda a fase sinodal, pouco tempo depois de eu ter sido transferido para outra diocese, ajudou-me a elaborar, nessa consulta muito alargada ao povo de Deus, o roteiro para a diocese, as propostas pastorais. Foi uma experiência rica que, num conselho pastoral diocesano alargado, significou repensar a própria identidade da nossa Igreja, uma Igreja que tem uma longa tradição de assembleias.
Na diocese em que estive, na minha diocese de origem e nesta segunda diocese, sempre houve espaços para assembleias diocesanas, para assembleias paroquiais. Participavam leigos, religiosos e religiosas, padres e também o bispo. É o início de um novo caminho que não era assim tão novo para nós.
Olhando para o futuro, tendo em conta os acontecimentos de que falámos, a beatificação de Dom Jacinto Vera, o processo de renovação e reestruturação do Celam, o Sínodo da Sinodalidade, quais são os desafios que se colocam à Igreja no Uruguai?
Lembro-me de um bispo, já aposentado, cujo lema era "todos evangelizando todos". É sentir que é todo o povo de Deus que evangeliza, é todo o povo de Deus que realiza a tarefa, e o que o Papa nos pede, colocar tudo o que temos na chave da missão e viver o que tem sido o seu expoente programático, a alegria do Evangelho.
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“Colocar tudo o que temos na chave da missão e viver a alegria do Evangelho”. Entrevista com Dom Arturo Fajardo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU