28 Abril 2023
Empresário ligado ao garimpo foi chamado para construir poços artesianos dentro da TI Yanomami, gerando revolta em lideranças indígenas. Na imagem, maquinário da empresa Poços Cataratas, no Pólo Base Surucucu.
A reportagem é de Felipe Medeiros, publicada por Amazônia Real, 26-04-2023.
Não foi apenas o Ministério da Defesa que contratou a empresa Cataratas Poços Artesianos, do empresário Rodrigo Cataratas, para realizar obras na Terra Indígena Yanomami (TIY). A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) fez o mesmo, conforme ofício do dia 21 de março assinado por Weibe Tapeba, titular da pasta, vinculada ao Ministério da Saúde, ao qual a Amazônia Real teve acesso.
“Requisito os serviços de perfuração de poço para a Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI), em Surucucu, da empresa CATARATAS POÇOS ARTESIANOS LTDA. [sic], inscrita no CNPJ sob o n.º 01.789.289/0001-32, no valor total de R$ 185.000,00 (cento e oitenta e cinco mil reais), conforme Proposta de Preço (SEI n.º 0032508923) apresentada, para atendimento imediatamente após a perfuração do poço no 4º Pelotão Especial de Fronteira, conforme estabelece os incisos I e V do Decreto 11.405/2023”, diz trecho do documento.
A contratação pela Sesai custou o mesmo valor da efetuada pelo Ministério da Defesa para construção de um poço no 4º PEF (Pelotão Especial de Fronteira – Surucucu) localizado a 1,2 km do Polo Base para atender os militares e os profissionais que atuam no território, conforme revelou a Amazônia Real. Desta forma, o montante que deve ser pago pelo governo federal à empresa será de R$ 370 mil.
Rodrigo Martins de Mello, conhecido como Rodrigo Cataratas, é um dos principais envolvidos no garimpo na TI Yanomami. Ele é investigado pela Polícia Federal e teve um helicóptero apreendido, além de ser multado.
Na última sexta-feira (21), o líder do povo Yanomami, Davi Kopenawa, que estava presente na inauguração do Centro de Referência na região de Surucucu, dentro do território, indagou às autoridades presentes sobre o fato, indicando que não recebeu informações sobre a contratação dos serviços de um dos maiores chefes do garimpo em seu território. Mas não teve respostas.
“As máquinas que vieram aqui, eu vou sonhar quem mandou essas máquinas pesadas, quem é o empresário. Eu estou desconfiado. Eu vou cheirar yãkõana [planta Yanomami] para descobrir quem é”, disse ele, com uma sutil ironia, durante a solenidade e diante das autoridades do governo federal, entre elas Weibe Tabeba. Davi completou dizendo que pretende continuar o questionamento em uma conversa posterior.
Também estavam presentes no evento a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a presidenta da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joênia Wapichana, e a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG).
Durante a inauguração, inclusive, era possível avistar uma perfuratriz (máquina para perfurar o solo) nos fundos do Polo Base de Surucucu, um prédio de estrutura de madeira da Sesai onde ficam os doentes indígenas em tratamento para malária, pneumonia, desnutrição e Covid-19. Naquele dia, não havia água saindo do encanamento do poço.
A Amazônia Real não conseguiu questionar Weibe Tapeba, em Surucucu e em Boa Vista, sobre a contratação da empresa de Cataratas na TIY. Entretanto, antes mesmo da vinda da comitiva a Roraima, a reportagem solicitou um posicionamento oficial da Sesai e do Ministério da Saúde sobre a contratação. Ambos ainda não se manifestaram.
Em seu ofício, o secretário da Sesai assinala que “em razão do estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, diante da necessidade de combate à desassistência sanitária dos povos indígenas que vivem no Território Yanomami, faz-se imprescindível realizar todos os esforços necessários para garantir água potável”.
As contratações da empresa de Rodrigo Cataratas geraram desconforto e desconfiança entre as lideranças Yanomami. Junior Hekurari, presidente da Urihi Associação Yanomami e do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi-Y), afirmou que o maquinário da empresa de Cataratas foi levado para TIY dez dias antes da publicação da contratação no DOU pelo Ministério da Defesa.
“No dia 31 de março esses materiais, máquinas, chegaram através de aeronaves, helicópteros do Exército, eu estava lá. Então, no dia 7 furaram esse poço no Surucucu para os pacientes e profissionais e não para a comunidade. Estamos muito preocupados”, disse à Amazônia Real.
O Polo Base de Surucucu é abastecido, normalmente, por água de igarapé puxada por bomba elétrica. O consumo é feito após a aplicação de produtos químicos de tratamento contra o mercúrio e outras substâncias.
Ações sem consulta aos povos indígenas, ou a ausência delas, na gestão passada do governo federal, eram comuns e contribuíram para a expansão do garimpo. Mas sob o comando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seu terceiro mandato, causam estranheza. Ainda mais depois de ter sido criado um comitê para tratar a crise humanitária no maior território indígena do país.
Junior Hekurari afirmou que não foi consultado ou informado sobre a instalação do poço artesiano. “Não sei como aconteceu isso. Tem que ter investigação para a gente ver. No dia 10 de março saiu [no DOU], ele venceu a ‘licitação’ e como que dez dias antes esse material chegou em Surucucu? Ele [Rodrigo Cataratas] que financiou para rasgar a Terra Indígena Yanomami. Não teve respeito. E como que a pessoa ganha? Ele que colocou a saúde em colapso, que colocou em risco e que matou o povo Yanomami. Tem que ter uma apuração forte, através do Ministério Público Federal, de como aconteceu essa licitação [contratação]”.
Hekurari semanalmente visita a região de Surucucu. Para o indígena, a permanência de pessoas e máquinas é uma ameaça. “É perigoso, porque o governo federal está trabalhando para expulsar os garimpeiros que ele, o próprio Rodrigo Cataratas, financiou”.
“Furou, agora deixa. Mas não é para furar mais em outro lugar”, desabafou Davi Kopenawa para a reportagem da Amazônia Real na última sexta-feira (21), em visita ao Polo Base de Surucucu.
A Amazônia Real perguntou ao Ministério da Saúde sobre os critérios de escolha para a contratação da Cataratas Poços Artesianos Ltda. O órgão também foi questionado se há previsão da instalação de outros poços na TIY, mas ainda não respondeu.
Pessoas próximas a Davi Kopenawa informaram que no início de maio ele terá uma reunião com o presidente Lula. O líder Yanomami continua confiante na política do governo atual e acredita no trabalho do petista para a desintrusão dos garimpeiros, mas quer mais celeridade.
Esta não é a primeira vez que Cataratas aumenta o seu patrimônio com serviços aos povos indígenas. Ele já chegou a atender o Distrito Sanitário Indígena Yanomami por meio da empresa Tarp Táxi Aéreo. A empresa fazia o translado de pacientes da TIY para Boa Vista e vice-versa. O serviço essencial para salvar as vidas dos indígenas foi duramente criticado por lideranças e alvo de denúncias. Um dossiê foi feito e entregue ao MPF. As duas empresas (Cataratas Poços Artesianos e Tarp Táxi Aéreo) são investigadas. Em dois anos, conforme a PF, foram movimentados mais de R$ 200 milhões em atividades ilegais na TIY.
Junior Hekurari relata que a empresa de táxi aéreo deixou pacientes prejudicados. “Uma empresa muito ruim, prejudicou missões. Os próprios Yanomami reconheciam cada piloto que deixavam nas comunidades e [deixavam também] garimpeiros. Começamos então a denunciar para o Ministério Público Federal que os mesmos helicópteros que estavam de serviço prestavam esse trabalho protegendo os garimpeiros”, contou à Amazônia Real.
Procurado, o empresário Rodrigo Cataratas falou, por meio de nota enviada por seus advogados, que nega envolvimento com o garimpo ilegal. Eles dizem, na nota, que “o contrato assinado pela Cataratas é público e acessível” e que “não há nenhuma ilegalidade da empresa que a impeça de prestar o serviço que a comunidade precisa”.
“O serviço só tem a levar o melhor para a comunidade Yanomami, já que a perfuração de poços artesianos tem o objetivo de facilitar o abastecimento de água. Por fim, a defesa esclarece novamente, que todo o esforço voltado a manchar a imagem da empresa e de seu proprietário, tentando relacioná-los a atividade de garimpo ilegal em terras indígenas, não passam de falácias, desprovidas de provas e fundamentos jurídicos. Inclusive, sua defesa foi apresentada à Justiça Federal, e pode ser acessada a quem interessar, sem deixar-se levar pelas narrativas inverídicas que insistem em ser propagadas, como se verdade fossem”, diz a nota.
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Sesai contrata empresa de Cataratas e Davi Yanomami cobra explicações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU