27 Abril 2023
Dom Juan Gerardi foi assassinado há 25 anos na Guatemala, dois dias depois de apresentar os resultados de uma investigação da Igreja sobre os crimes da guerra civil do país centro-americano.
A reportagem é de Alexis Brunet, publicada por La Croix International, 26-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Dom Juan Gerardi não procurava as câmeras, mas sempre esteve presente em momentos importantes, como os acordos de paz”, disse José Roberto Paz, chefe do centro que tenta manter viva a memória do ex-bispo auxiliar da Cidade da Guatemala. Gerardi tinha 75 anos quando foi espancado até à morte em 26 de abril de 1998 na capital guatemalteca.
Esse “crime execrável cometido contra um verdadeiro servidor da paz”, como o Papa João Paulo II o chamou na época, ocorreu dois dias depois que o bispo apresentou os resultados de uma vasta investigação promovida pela Igreja sobre os crimes cometidos durante a longa guerra civil da nação centro-americana (1960-1996). Gerardi, que ajudou a liderar a investigação, disse que queria “contribuir para a construção de um país diferente” para o povo guatemalteco.
“Imediatamente após seu assassinato, os guatemaltecos saíram às ruas”, explicou Paz, mostrando fotos das “marchas brancas” que contaram com a presença de milhares de pessoas.
O relatório da investigação intitulava-se “Guatemala: nunca más”. Equivalia a quatro volumes grossos, relatando 6.500 testemunhos arrepiantes. Levou anos para ser compilado e contou com a ajuda de cerca de 600 pessoas. Sua publicação foi uma bomba.
Nunca antes um trabalho tão aprofundado havia documentado as violações dos direitos humanos nesse período que ensanguentou o país e no qual as Nações Unidas contabilizaram 200.000 mortos e 45.000 desaparecidos.
Paulo VI nomeou Gerardi bispo de Verapaz em 1967. Sete anos depois, o papa o transferiu para Quiché, a região mais pobre do país. Dom Gerardi era particularmente aberto e próximo das populações indígenas. Ele estava presente entre os mais pobres e era sensível às suas condições sociais.
Em 1980, a Guatemala estava sob o controle do general Fernando Romeo Lucas García. A guerra civil se intensificou, e as atrocidades se acumularam. Testemunhando o horror na região de Quiché, Dom Gerardi foi ao Vaticano para participar da assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a família e alertar João Paulo II. Ameaçado e impedido pelas autoridades ao voltar de Roma, ele foi forçado a um exílio de dois anos na Costa Rica.
Então, ele trabalhou para identificar as vítimas da repressão a fim de trazer a reconciliação. No escritório onde estavam guardados os arquivos, Hugo Alvarado tirou às pressas os documentos que serviram de base para “Guatemala: Nunca Más”.
“A Igreja foi a primeira a fazer um trabalho real de contar o que ocorreu durante a guerra”, disse Alvarado. “Durante o julgamento do general Rios Montt (no poder entre 1982 e 1983), ‘Guatemala: Nunca Más’ foi usado como prova do genocídio dos Ixil”, disse ele, referindo-se a um grupo étnico maia.
Sob a autoridade de Rios Montt, o Exército cometeu os piores crimes da longa e prolongada guerra. O general foi condenado em 2013 pelo genocídio do povo Ixil, mas sua sentença foi anulada por irregularidades processuais.
No entanto, pesquisas de opinião recentes sugerem que sua filha, Zury Rios, tem boas chances de vencer a eleição presidencial de 25 de junho. Nesse contexto político dividido, o centro para a memória do bispo Gerardi está tentando garantir que o legado do falecido líder da Igreja não seja enterrado.
“O trabalho de memória é fundamental para as vítimas e para toda a sociedade, para que tais atrocidades não voltem a ocorrer”, disse o diretor do centro, José Roberto Paz. “A violência da guerra na Guatemala pode se repetir aqui e em outras partes do mundo.”
O centro também abriga o escritório de direitos humanos da Arquidiocese da Guatemala. Essa organização produz numerosos relatórios sobre a situação dos direitos humanos no país. O objetivo é falar para que o horror nunca mais ocorra.
“Os guatemaltecos o consideram um mártir da paz e da verdade. Sua imagem permanece muito forte no imaginário coletivo”, disse Paz, ele próprio filho de desaparecidos.
Mas, ao contrário do arcebispo Oscar Romero, do vizinho El Salvador, o mártir (canonizado em 2018) assassinado em 1980 por defender os camponeses pobres e sem terra, Gerardi não é favorecido pelas autoridades em um país onde as desigualdades são extremamente fortes.
Assim, a Guatemala não realizou nenhuma homenagem oficial na semana passada para marcar os 25 anos de seu assassinato. Para quem quer dar continuidade a seu legado, a luta pela preservação de sua memória continua.
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Dom Juan Gerardi e a batalha para preservar a memória do mártir da Guatemala - Instituto Humanitas Unisinos - IHU