25 Abril 2023
"Padre Fortunato reflete sobre as semelhanças entre a vida do Santo [São Francisco de Assis] e aquela do Papa Francisco", escreve Iacopo Scaramuzzi, jornalista vaticanista, em comentário publicado por la Repubblica, 21-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Para quem conhecia a história da Igreja e as relações nem sempre tão cordiais entre jesuítas e franciscanos, a decisão de Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa jesuíta da história, de assumir o nome de São Francisco já era por si só marcante. Uma escolha ainda mais surpreendente porque o antigo costume preconizava que nunca, no respeito à distinção entre trono e altar, um pontífice escolhesse um nome adotado, ao longo dos séculos, por vários reis.
Singularidade sintoma de um caráter extraordinário: extraordinário foi o cenário aberto pela renúncia de Bento XVI, extraordinária a crise que estava investindo o Palácio Apostólico, entre a crise dos abusos sexuais, dos escândalos financeiros e, por último, das lutas de poder pelos subsequentes "vatileaks", mas extraordinária, mais a montante, é a profunda mudança que está atravessando a catolicidade: “A que estamos vivendo não é simplesmente uma época de mudanças, mas uma mudança de época”, como já foi dito várias vezes pelo Papa Francisco ao longo dos anos, que explicava de forma clara e contundente: “Não estamos mais na cristandade, não mais! Hoje nós não somos mais os únicos que produzem cultura, nem os primeiros nem os mais ouvidos" (discurso à Cúria Romana, 21 dezembro de 2019). E, portanto, a Igreja deve reformar-se, recorrendo novamente a Inácio de Loyola (o santo que fundou a Companhia de Jesus em outra conjuntura extraordinária, o cisma do Ocidente com a Reforma promovida no norte da Europa pelo monge agostiniano Martinho Lutero) e a Francisco de Assis (o santo que a renovou no século XIII).
“Ele é para mim o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e cuida da criação”, explicou o primeiro Papa latino-americano da história logo após o Conclave. Três boas razões às quais se acrescenta uma quarta, como se depreende da leitura do novo livro do Padre Enzo Fortunato, Processo a Francesco (Mondadori, pp. 132, 17,50 euros). O frade menor conventual lembra que São Francisco teve que passar por três processos em sua vida. O primeiro, movido pelo pai, Pietro di Bernardone, terminou com a "espoliação"; o segundo, conhecido como o processo do "Senhor Papa", tem como protagonista Inocêncio III e é parte central do complicado processo que levou à aprovação da Regra franciscana; finalmente, o terceiro, desencadeado por divergências sobre a interpretação da Regra que havia causado inúmeras disputas entre os frades, terminou com a decisão de Francisco de renunciar à liderança de sua própria ordem.
Partindo do relato desses três episódios, Padre Fortunato reflete sobre as semelhanças entre a vida do Santo e aquela do Papa Francisco. Também Bergoglio, escreve o frade, passou por “processos”, quando seu papel durante a ditadura argentina foi questionado ou quando foi contestado, dentro da Igreja, por setores reacionários e tradicionalistas.
“Uma das chaves de leitura oferecidas pelo Padre Enzo reside na forma como ambos – o Santo e o Papa – respondem aos seus acusadores. Ou, como seria melhor dizer, a maneira como eles não respondem”, observa o cardeal Matteo Zuppi na introdução. O Santo, escreve o franciscano, tem a mesma "modalidade de resposta" do Papa, "que nunca usou palavras destemperadas diante dos 'processos', de ataques desconsiderados e sem fundamento". Com uma diferença, que é o paradoxo que está no cerne deste pontificado: Bergoglio adotou o nome do santo a quem, narra a tradição, Jesus pediu: "Vai, reconstrói a minha casa que, como vês, está toda em ruínas". Uma reforma da Igreja a começar de baixo que, agora, Francisco promove estando, porém, no seu topo.
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