05 Abril 2023
Os muitos desafios do monsenhor Pablo Virgilio David, ameaçado de morte durante os anos de Duterte. À frente da diocese de Kalookan, na periferia de Manila, é também presidente da Conferência Episcopal das Filipinas.
Um bispo às margens e na linha de frente. Que na lógica do Papa Francisco são basicamente a mesma coisa. Esta é a experiência de monsenhor Pablo Virgilio David, que dirige a diocese de Kalookan, na periferia metropolitana de Manila, e é presidente da Conferência Episcopal das Filipinas, além de estar ativamente envolvido na Federação das Conferências Episcopais Asiáticas (FABC).
Seu empenho pastoral e caritativo, muitas vezes entre os que vivem em favelas, que não têm serviços e às vezes nem mesmo certidão de nascimento - e, portanto, não existem oficialmente - o levou a tomar partido contra todas as formas de injustiça e violência. A ponto de, durante a presidência de Rodrigo Duterte, ter sido acusado de sedição e ameaçado de morte, por ter denunciado violações de direitos humanos e execuções extrajudiciais.
A entrevista é de Gianni Criveller, publicada por Mondo e Missione, 29-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Bispo David, como é a situação atual? Ainda corre perigo?
A administração mudou e já não preciso mais ser escoltado. Denunciei o fato de que a chamada guerra contra os narcotraficantes era imoral, ilegal e essencialmente contra os pobres. Nas Filipinas, a pena de morte não é admitida. Certamente o governo deve combater o crime, mas não pode fazê-lo com métodos arbitrários e violentos até assassinatos sistemáticos de supostos criminosos. Apoiei o empenho de jornalistas corajosos que documentaram os abusos de forma irrefutável.
Muitas das pessoas mortas não estavam armadas e não resistiam à intervenção da polícia. Depois das nossas denúncias, eles mudaram de tática: as execuções não eram mais realizadas por policiais uniformizados, mas por vigilantes mascarados e eram classificadas como ‘casos sob investigação’, mas na realidade, depois, não havia nenhuma investigação. O governo declara oficialmente seis mil ‘vítimas da guerra às drogas’. Mas são muitas mais: pensamos que as pessoas mortas pelos vigilantes, e não declaradas pelo governo, sejam mais de vinte mil.
O senhor também foi denunciado.
Recebi cinco acusações de sedição e outras acusações espúrias da Polícia Nacional, com base no testemunho de uma pessoa desconhecida. Elas tinham um claro propósito intimidador. Fui defendido pelo meu irmão advogado. Três outros bispos foram acusados, mas depois as acusações foram retiradas pelo procurador antes de chegarem ao tribunal.
Como avalia o atual governo do presidente Ferdinand Marcos Jr?
É muito cedo para julgar, mas as pessoas estão sofrendo com a difícil situação econômica. A inflação chega a 8,7%. O poder aquisitivo despenca, a comida custa caro e quem vive com um salário mínimo tem muitas dificuldades. Muitos percebem que o governo usa sistematicamente as mídias sociais para desinformar e manipular. Isso também aconteceu durante a campanha eleitoral. Quem possui a tecnologia digital impõe um comportamento social e político.
Sua diocese de Kalookan está localizada na periferia da área metropolitana de Manila, uma área onde muitas pessoas vivem às margens em vários sentidos…
A diocese de Kalookan tem 1 milhão e 800 mil habitantes, dos quais quase 90% são católicos. Apenas 10% são alcançados pelas nossas paróquias. Quando me tornei bispo, procurei imediatamente aqueles que permaneciam às margens da pastoral tradicional. A maioria são pessoas vindas de outras províncias que nem sequer têm residência. Vivem em favelas, sem serviços e moradias adequadas. Fiquei chocado ao saber que muitas crianças nem sequer têm certidão de nascimento.
Para o estado não existem e não vão à escola nem ao hospital. Os bebês nascidos em casa não são registrados para evitar o pagamento da taxa da certidão, ainda que seja mínima. As consequências são terríveis. Eu encarreguei uma religiosa em tempo integral para fazer o possível para registrar as crianças sem documentos da diocese.
A atenção e o impulso do Papa Francisco para as periferias o inspiraram de alguma forma?
Francisco visitou as Filipinas em 2015, eu era o responsável pela comissão organizadora, fiquei perto dele e ouvi todos os seus discursos. Ele repetia “Saiam, saiam! A Igreja, se não for missionária, não é Igreja”. Ele introduziu a palavra "periferias" na linguagem comum, a ponto de alguns terem que consultar o dicionário! Isso de alguma forma me inspirou.
Uma das minhas prioridades é criar "estações missionárias". Hoje temos 18 delas e cerca de 120 líderes (ou capelães) leigos, religiosas ou padres. Criamos comunidades de base mais ágeis e abertas do que as paroquias tradicionais, para as quais não temos, de qualquer forma, o terreno, os recursos e o pessoal. Leigos e freiras podem ser excelentes guias. Estou muito satisfeito com eles. Há também 35 presbíteros diocesanos.
A pandemia do Coronavírus teve um forte impacto no país?
Existem pontos negativos e positivos. Houve a perda de muitas vidas humanas. Meu irmão advogado, por exemplo, que mencionei, morreu de Covid-19. Uma tragédia para a minha família: cremado em 24 horas, nem pudemos celebrar o enterro. E assim aconteceu com muitas outras famílias. O impacto econômico também foi dramático. Durante o lockdown havia pessoas à beira da fome. A ajuda do governo não foi suficientemente rápida. Mas houve também uma reação de solidariedade muito consoladora e eficaz.
Por exemplo, nasceram as “despensas comunitárias”, ou seja, mesas públicas onde as pessoas colocavam o que podiam e levavam o que precisavam, principalmente comida. Uma iniciativa que surgiu espontaneamente e que a Igreja assumiu, estendendo-a a todo o país. Eu penso nisso como o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. Um slogan que se tornou popular diz: "Dê o que puder, pegue o que precisar".
Mas as igrejas foram fechadas...
Não queríamos fazer isso, mas o governo obrigou. Fortalecemos o serviço de comunicação social, graças à ajuda de muitos jovens voluntários e especialistas em tecnologia digital. Ficamos ao lado das pessoas com encontros e celebrações online. Assim, alcançamos pessoas que não frequentavam a igreja e agora a frequentam. Além disso, apesar das dificuldades, não despedimos ninguém que trabalhava nas nossas estruturas.
O senhor é há dois anos presidente da Conferência Episcopal das Filipinas. Quais são as suas responsabilidades?
É um papel que promove a colegialidade afirmada pelo Concílio. É um desafio. Não é fácil chegar a um consenso: nós, bispos filipinos, viemos de contextos muito diferentes que levam a diferentes pontos de vista. É preciso muita interação e empenho para convergir para posições pastorais comuns que respondam aos desafios de hoje.
Quais em particular?
Há muitos. O primeiro é conjugar a fé com a vida social, política e as escolhas éticas. Os católicos, por exemplo, não veem nenhuma conexão entre fé e escolhas políticas. Eles as vivenciam como duas coisas paralelas. Isso é uma derrota. Devemos encorajar os leigos a se engajarem na política a partir de sua fé. Nós bispos temos um papel espiritual e moral, mas o empenho na política é dos leigos.
Devemos admitir humildemente que muitos fiéis não fazem escolhas com base no que aprenderam na igreja. Talvez também porque somos absolutamente incapazes de oferecer uma cura pastoral válida a todos. Na melhor das hipóteses, alcançamos a 20% dos católicos. E isso já é um enorme desafio. Nossos padres não podem fazer mais que isso. As Filipinas são um país de maioria católica, as igrejas estão sempre lotadas e as missas numerosas. No entanto, a maioria dos católicos não participa de forma alguma na vida eclesial e social.
O senhor também é muito empenhado na Federação das Conferências dos Bispos da Ásia (FABC), que se reuniu no último mês de outubro em Bangkok, na Tailândia, por ocasião do quinquagésimo aniversário da sua fundação. Quais são os temas centrais dessa Assembleia?
A Assembleia reafirmou seu compromisso de dialogar com os crentes de outras religiões, com as culturas e com os pobres. Aliás, acolhendo a proposta dos bispos coreanos, decidimos adotar a expressão "religiões dos nossos vizinhos" ou "do nosso próximo", em vez de "outras" religiões, inspirando-nos na parábola do bom samaritano.
Quais são os principais temas do documento final?
É um documento importante: celebra os 50 anos da FABC e traça as suas linhas futuras. Escolhemos um ícone evangélico: a história dos Magos para as cinco seções. Na primeira, intitulada “Observar” e inspirada nos Magos que perscrutam as estrelas, descrevemos as realidades da Ásia, especialmente aquela dos pobres, dos jovens e das mulheres. A segunda, “No caminho juntos”, refere-se à viagem dos Magos que saem da sua zona de segurança para seguir um objetivo. Perguntamo-nos: qual caminho comum?
A terceira, "Discernimento", refere-se à reação em relação às palavras de Herodes e dos sumos sacerdotes. Também nós bispos temos que lidar com autoridades políticas e religiosas e devemos praticar o discernimento. A quarta é “Oferecer os próprios dons”. Por fim, "Novos caminhos": como os Magos, impedidos de partir por Herodes, também as Igrejas da Ásia são chamadas a percorrer novos caminhos para responder a novos obstáculos e desafios.
Concluindo, considera que a presença dos missionários do PIME nas Filipinas ainda seja importante?
Sim, certamente. Conheci o PIME como seminarista, quando o padre Tullio Favali foi assassinado. Aconteceu em uma área onde muitos filipinos nunca iriam. Fiquei fascinado pelo seu exemplo. Os missionários do PIME anteciparam o que o Papa nos pede: ir às margens. O que mais aprecio é buscar novos caminhos, criando comunidades com as pessoas, capazes de caminhar mesmo quando o missionário já não está mais presente.
Nascido em 1959 em uma família de 13 filhos na província de Pampanga, Pablo Virgilio David estudou em Manila, Leuven e Jerusalém e ensinou teologia bíblica. Em 2006 tornou-se auxiliar de San Fernando e desde 2016 é bispo de Kalookan. Presidente da Conferência Episcopal das Filipinas, ele também está muito envolvido na Federação dos Bispos Asiáticos. Em fevereiro passado, ele conduziu um encontro de três dias de formação continuada de 28 missionários do PIME vindos da Ásia e de Papua Nova Guiné.
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Filipinas, o bispo daqueles que não têm voz. Entrevista com Pablo Virgilio David - Instituto Humanitas Unisinos - IHU