24 Março 2023
Aqueles "não sabemos" proferidos ou escritos pelos especialistas não rimam com o silêncio conivente. Mas com a admissão de uma ignorância que, em relação ao desafio crucial de saciar a sede da humanidade, parece hoje cada vez menos justificável e cada vez mais culpada. De fato, em muitos países e regiões, a procura de água não avança e muitas vezes se ignora onde perfurar para extrai-la do subsolo. Mas uma coisa aparece claramente, como pode ser visto no último relatório anual específico da Unesco, publicado ontem para o Dia Mundial da Água e a abertura de uma conferência internacional crucial em Nova York sobre o tema: a humanidade está cada vez mais sedenta e a proporção daqueles que não têm acesso a agua segura e serviços higiênico-sanitários continua altíssima.
A reportagem é de Daniele Zappala, publicada por Avvenire, 23-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A conferência de Nova York, considerada a mais importante sobre o assunto desde 1977, portanto se abriu numa estranha atmosfera suspensa entre grande alarme e fortes esperanças. O alarme diz respeito ao "risco iminente de uma crise hídrica global", conforme martelam a Unesco e a agência Un-Water, destacando que mais de um quarto da população mundial, ou seja, cerca de 2 bilhões de pessoas, não tem “acesso a um suprimento de água potável geridas com segurança. Em suma, água limpa para saciar a sede sem ficar doente.
Por outro lado, em relação ao uso individual de água, higiene e serviços sanitários, a fatia de humanidade à margem aumenta ainda mais assustadoramente, até quase a metade do total, ou seja, cerca de 3,6 bilhões de pessoas sem "acesso a instalações higiênico-sanitárias geridas com segurança". Dois valores que sozinhos falam muito sobre o quanto ainda falta percorrer para alcançar o sexto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU. Números que também causam raiva, depois de anos e anos de advertências ouvidas muitas vezes por políticos com um só ouvido.
No entanto, e é aqui que somos catapultados para uma esperança não menos acalorada, a Terra é tudo menos que desprovida de água doce potencialmente disponível para a humanidade, mesmo considerando o agravamento da mudança climática. Apesar dos muitos rios e lagos secos em meio a terras ressequidas, o subsolo terrestre esconde quantidades de água doce que em teoria poderiam amplamente satisfazer aquele agora constante 1% de crescimento anual no consumo de água por uma humanidade mais numerosa que usa a maior parte da água captada para a agricultura e atividades industriais.
Neste mundo "terrivelmente distante" dos objetivos subscritos pela comunidade internacional, "todos podemos fazer algo para acelerar a mudança", exortou nas últimas horas o português António Guterres, secretário-geral da ONU. Não se pode mais tergiversar antes de “um programa ambicioso de ação sobre a água que possa oferecer a esse elemento vital para o nosso mundo o empenho que merece".
Organizada justamente para estimular uma comunidade internacional ainda demasiado inerte diante do nó fundamental, a conferência de três dias em Nova York ocorre no meio da Década de Ação das Nações Unidas para a água e o saneamento dos recursos hídricos.
Em termos financeiros, segundo estudo citado no relatório, o esforço necessário seria da ordem de mais de 1 bilhão de dólares por ano de investimentos até 2030. Também seria necessário muito mais cooperação, tanto internacional como local, entre todas as partes envolvidas - esse é o tema aprofundado no relatório que acaba de ser publicado -, visto que as principais reservas subterrâneas de água certamente não obedecem às fronteiras. Mas também seria necessária mais ciência, mais conscientização, mais técnicos e profissionais bem formados, mais vontade política de superar uma emergência que toma rumos cada vez mais dramáticos em grandes áreas do planeta.
Em Bassa, um bairro pobre de Douala, capital econômica de Camarões e uma das metrópoles mais populosas da África central, as pessoas se aglomeram freneticamente a cada hora em frente às torneiras do poço privado da cervejaria Guinness local.
Mas da África em pleno crescimento demográfico há também alguns exemplos encorajadores de acordos virtuosos que têm propiciado passos de gigante em nível local, como é o caso da utilização concertada da bacia hidrográfica do rio Tana no Quênia, da qual provém 95 % da água potável bebida em Nairóbi. Passando para as Américas, o relatório cita o exemplo do Fundo para a Água de Monterrey, no México, que preservou a qualidade da água e, além disso, limitou as inundações.
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Dois bilhões de pessoas estão com sede: “estamos à beira de uma crise global” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU