23 Março 2023
Diante da emergência sem precedentes que as mudanças climáticas representam para o abastecimento global de água, a ONU promete apresentar “soluções revolucionárias” para a gestão do mais importante recurso natural da humanidade. Os países das Nações Unidas se reúnem a partir desta quarta-feira (22), por três dias em Nova York (EUA), para debater o "risco iminente" de uma crise mundial de água.
A reportagem Lúcia Müzell, publicada por RFI, 22-03-2023.
A agricultura absorve 72% deste recurso vital para a sobrevivência dos seres vivos, mas também à economia. Segundo um relatório da Comissão Mundial da Economia da Água, a demanda mundial deve ultrapassar a oferta até o fim desta década – uma situação causada pela má gestão humana, que não dá sinais de melhorar, e agravada pelo aquecimento do planeta. O ciclo hidrológico já está afetado de maneira preocupante, afirma Dominique Berrod, diretor da Divisão de Observação do Sistema Terrestre da Organização Meteorológica Mundial (OMM), em entrevista ao programa C’est Pas Du Vent, da RFI.
“Se observamos o ciclo hidrológico, que consideramos que começa com a evaporação dos oceanos e segue com as precipitações, vemos que quanto mais o clima esquenta, mais haverá energia na atmosfera e mais os fenômenos que se encontram nela podem se tornar mais fortes. Antes das mudanças climáticas, tínhamos uma certa estabilidade nas grandes correntes, as oceânicas e atmosféricas. Entretanto, tudo isso está mudando – pouco, mas o suficiente para causar problemas”, explica.
Berrod ressalta que essa instabilidade resultou no aumento da variabilidade das chuvas – de modo que está cada vez mais difícil prever o que esperar nos meses e até semanas à frente, principalmente as secas. Apesar de consciente do problema, o homem continua a amplificar essa crise sistêmica, observa a coordenadora da Comissão Mundial da Economia da Água, Anna Dupont, especialista da Divisão de Meio Ambiente da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
“Do ponto de vista desse sistema, a relação com a água, a sua utilização, a sua gestão têm um impacto considerável na economia, e vice-versa. Se pegamos o exemplo da repetição de episódios de secas, os agricultores têm buscado compensar os prejuízos expandindo as terras cultivadas, em detrimento aos habitats naturais”, sublinha. “Essa reação é um dos principais motores do desmatamento em países como Madagascar, por exemplo.”
Nesta quarta, na abertura da conferência da ONU, a primeira específica sobre o tema em quase 50 anos, o secretário-geral da organização, António Guterres, advertiu que a humanidade está "vampirizando" os recursos hídricos do planeta "gota a gota". Nos últimos 40 anos, o consumo de água doce aumentou cerca de 1% ao ano.
"Estamos drenando o sangue vital da humanidade por meio do consumo excessivo vampírico e do uso insustentável, e evaporando a água com o aquecimento global", disse Guterres, ao denunciar que a humanidade "quebrou o ciclo da água, destruiu ecossistemas e contaminou as águas subterrâneas". "A humanidade se dirige, cega, por um caminho perigoso", destacou.
Assim, muitos lugares do planeta já enfrentam escassez de água, enquanto, em outros, o problema é o excesso visto em enchentes recorrentes ou a contaminação que inviabiliza o seu uso.
O evento em Nova York não visa a adoção de um acordo sobre o tema, mas pretende engajar os países em soluções até 2030, ante ao quadro dramático que se anuncia. A comitiva do Brasil na conferência conta com cerca de 50 pessoas, entre membros do governo e da sociedade civil.
“O que sabemos é que a água é vital, mas por mais que isso pareça surpreendente, ela é muito pouco conhecida. Temos estudos sobre as grandes bacias, em nível global, e conhecemos as fontes de água em nível local, mas todas as interações entre as águas são muito pouco conhecidas”, frisa Berrod. “O que pudemos constatar, nos últimos 10 anos, é que há um impacto extremamente forte relacionado ao clima. É por isso que precisamos informar as populações e os tomadores de decisões sobre essas relações e o que podemos esperar nos próximos anos, de modo a ajudar numa melhor gestão da água, tanto pelas pessoas como pelo mundo”, afirma.
Um estudo da ONU-Água em conjunto com a Unesco revelou nesta terça-feira (21) que cerca de 2 bilhões de pessoas não têm acesso a água potável e 3,69 bilhões não dispõem de serviços de saneamento seguros. Se nada for feito, entre 40% e 50% da população vão continuar sem acesso a serviços de saneamento e até 25%, sem água potável, salientou o relatório.
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“Risco iminente” de crise mundial de água mobiliza países em conferência da ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU