25 Fevereiro 2023
Quando Kyle Meyaard-Schaap tinha 17 anos, seu irmão voltou para casa depois de um semestre no exterior e anunciou o impensável: havia se tornado vegetariano. “Foi como se ele tivesse anunciado à família que ele agora era um cachorro”, disse Meyaard-Schaap ao Religion News Service. “Eu não conhecia ninguém que tivesse feito essa escolha.”
A reportagem é de Kathryn Post, publicada em Religion News Service, 22-02-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na época, uma dieta sem carne não se enquadrava na definição de cristianismo que ele aprendera em sua comunidade religiosa conservadora.
“Meu irmão me ajudou a entender que fazer essa escolha não era rejeitar todos os belos valores que havíamos aprendido em nossa comunidade cristã", disse Meyaard-Schaap. “Era a sua tentativa de viver mais profundamente esses valores. Foi a primeira vez que alguém me deu permissão para levar em consideração questões como as mudanças climáticas, a poluição, a degradação ambiental por meio das lentes da minha fé.”
Anos depois, Meyaard-Schaap é agora vice-presidente da Evangelical Environmental Network, um grupo que defende a ação climática por causa da fé, e não apesar dela. Seu novo livro, “Following Jesus in a Warming World: A Christian Call to Climate Action” [Seguir Jesus em um mundo em aquecimento: um chamado cristão para a ação climática] (InterVarsity Press, 2023), oferece relatos pessoais, marcos teológicos e conselhos práticos para a ação climática cristã.
Capa do livro de Kyle Meyaard-Schaap. (Foto: divulgação)
Como sua viagem para a Virgínia Ocidental tornou mais complexa sua perspectiva sobre a crise climática?
Essa viagem me ajudou a ver que o cuidado com a criação é igual ao cuidado com as pessoas. Acho que, antes disso, era fácil para mim me esconder atrás de números e estatísticas. Eu era bastante explícito em relação às minhas convicções sobre a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis imediatamente e seguir o caminho da energia limpa o mais rápido possível. E ainda acredito que isso seja de vital importância.
Mas, durante minha viagem à Virgínia Ocidental, conheci pessoas que se orgulhavam por terem mantido as luzes acesas nos Estados Unidos durante décadas. Elas tinham orgulho de ter trabalhado nas minas de carvão. E, por outro lado, muitas delas estavam morrendo de doenças do pulmão ou tinham netos com câncer pediátrico devido aos metais pesados que se infiltraram na água potável devido à contaminação das minas. Isso me ajudou a entender que os combustíveis fósseis fizeram muito bem ao nosso país e tiraram inúmeras pessoas da pobreza. Mas, ao mesmo tempo, teve consequências profundamente prejudiciais para o nosso ar, a nossa água, o nosso clima.
Isso me ajudou a entender que, se queremos abordar isso com compaixão e de uma forma que realmente coloque as pessoas em primeiro lugar, temos que lutar contra essa ideia de que os meios de subsistência e as pessoas estão emaranhados no status quo atual. E precisamos fazer a transição em relação aos combustíveis fósseis imediatamente, mas temos que fazer isso de uma forma que não deixe essas pessoas para trás.
O que a encarnação de Jesus tem a ver com a justiça climática?
Em Jesus, o Deus Criador infinito escolhe assumir a substância dessa criação e ligar-se a ela para sempre. Não consigo pensar em uma afirmação maior da bondade das coisas criadas. É uma contra-narrativa muito poderosa para algumas das teologias mais gnósticas e dualistas que muitos de nós, que crescemos na Igreja estadunidense nos anos 1980, 1990 e no início dos anos 2000, respiramos – o arrebatamento, a teologia do “deixar para trás”, que diz que as nossas almas são o que importa, e o corpo não tem nada de importância eterna. Acho que a encarnação e a ressurreição vão contra isso e afirmam a dignidade inerente à humanidade e a todas as coisas criadas. Isso nos ajuda a recuperar uma teologia mais radicalmente integrada que entende o corpo e a alma como inseparáveis.
Qual é a sua resposta aos cristãos que argumentam que os humanos foram chamados para ter domínio sobre a criação?
Eu diria que sim, mas está incompleto. Sim, o capítulo 1 do Gênesis diz que Deus cria os humanos à sua imagem e diz a eles para governarem os peixes do mar, os pássaros do ar e tudo o que se move pelo chão. E eu gostaria que a palavra hebraica para o verbo reger ou governar, “radah”, fosse mais branda, mas é dura. Mas acho que o erro está em separar Gênesis 1 de Gênesis 2. Em Gênesis 2, Deus toma o ser humano que ele criou do pó da terra, sopra nele e diz “avad e shamar” este jardim, que é traduzido como “servir e proteger”. Acho que esses dois mandamentos se tornam uma instrução dupla. Portanto, Gênesis 1 e 2 nos dizem para governar servindo e protegendo. O restante da Escritura deixa claro que a criação tem um rei, que é Cristo. Se vamos governar ao lado de Cristo, temos que ver como Cristo exerce sua autoridade. Ele se torna um bebê, ele lava os pés, ele sobe em uma cruz. Cristo exerce sua autoridade por meio da humildade, do serviço e do sacrifício, e não mediante a exploração e a dominação. Portanto, governe, sim, mas governe por meio do serviço e protegendo os vulneráveis.
Por que você incluiu nesse livro um capítulo sobre o fato de ser pró-vida?
Acho que muitos de nós, principalmente nos Estados Unidos, sofremos de uma ideia míope do que significa ser pró-vida no mundo moderno. Assim, muitos de nós associamos isso simplesmente à questão do aborto. Se realmente queremos honrar a vida como um dom que vem de Deus, pensemos em questões como as mudanças climáticas, a poluição e a propagação de doenças, que são agravadas pelas mudanças climáticas. Se vamos levar a sério a proteção e a defesa da vida em toda sua plenitude, temos que nos preocupar não apenas com o aborto, mas também com as crianças, os adultos, os pobres, os negros, os idosos, as pessoas com deficiência. E temos que pensar em como outras questões como as mudanças climáticas afetam a capacidade das pessoas de terem acesso àquela vida abundante que Jesus disse que veio dar aqui e agora.
Que conselho você daria às pessoas que estão lidando com a questão ética de trazer uma nova vida a este mundo?
Muitas pessoas da nossa geração estão realmente lutando com isso. Quero honrar isso e dizer: “Que bom que você percebeu que precisamos pensar sobre essas questões gigantescas que afetarão os nossos filhos”. Por outro lado, acho difícil acreditar que já existiu uma geração que não sentiu medo existencial. Nossos pais e avós viviam sob o espectro do holocausto nuclear. Em última análise, a confiança que minha esposa e eu temos nos bons planos de Deus para o mundo sempre foi mais forte do que o nosso medo do que poderia acontecer. Mas acho que, com essa confiança, também vem a responsabilidade. Portanto, estamos criando nossos meninos para que eles entendam as consequências da ganância e do egoísmo humanos que levaram à degradação do mundo que eles estão herdando. E estamos tentando criá-los de modo que eles vivam de uma forma mais leve na Terra e incorporem a defesa de políticas que possam mudar isso. Não acho que seja moralmente defensável agora optar por ter filhos e depois ir dormir tranquilos em relação às realidades das mudanças climáticas e do futuro que os nossos filhos estão enfrentando.
Para quem você escreveu esse livro e o que você espera que essas pessoas obtenham com ele?
Eu queria que esse livro fosse acessível a qualquer um que seja uma pessoa de fé ou esteja interessado em saber como os fiéis falam sobre isso. Quando eu me sentei para escrever e tinha uma pessoa em mente, era um cristão millennial ou da geração Z, que cresceu na Igreja estadunidense, preocupado com as mudanças climáticas, mas que acha que sua Igreja não se importa com isso. Quero que essas pessoas saiam desse livro encorajadas. Quero que elas se sintam vistas e saiam fortalecidas com instrumentos de verdade para integrar essa questão mais profundamente em suas vidas de fé. Portanto, se um jovem cristão está à beira do desespero climático e pensa que a Igreja não se importa com isso, quero que este livro o puxe de volta e diga: “Você não está sozinho. Milhões de outros cristãos como você entendem isso. Também estamos preocupados. E queremos fazer algo a respeito. Então, vamos trabalhar juntos”.