27 Janeiro 2023
Os opositores do papa – e aqui talvez resida o limite de sua abordagem – estão mais preocupados e indignados com as fortes restrições impostas por Francisco às missas pré-conciliares em latim, do que pelas condições de vida, pelas guerras, pela pobreza que atingem as populações de uma grande parte do mundo.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 26-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A morte de Joseph Ratzinger abriu uma nova fase no pontificado e na vida da Igreja.
De fato, a morte do papa emérito destacou a necessidade para a frente conservadora que se opõe a Francisco de identificar um líder com suficiente autoridade para representar seus humores, expectativas e intenções.
Uma exigência de visibilidade reforçada pela composição de um colégio cardinalício em grande parte moldado pelo pontífice argentino.
Por outro lado, as especulações sobre a possível renúncia de Francisco começaram quase imediatamente, como se fosse hora de se preparar para um conclave.
Na realidade, no momento Bergoglio não tem intenção de deixar o cargo, como também confirmou na entrevista à Associated Press, divulgada ontem.
Desse ponto de vista, as esperanças das facções mais decididamente anti-Francisco estão destinadas a não encontrar uma resposta positiva na realidade; claro, fica o fato de um papa de 86 anos, com vários problemas de saúde (normais, considerando sua idade), e, portanto, de uma perspectiva de duração do pontificado não tão longa.
No entanto, não faltam compromissos na agenda de Bergoglio, a começar pela próxima viagem à África que o levará à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul de 31 de janeiro a 5 de fevereiro, uma viagem que não é isenta de riscos, considerando os conflitos que voltaram a acontecer no Congo pelo controle das regiões mais ricas em matérias-primas com o Burundi, Ruanda e Uganda (por isso foi cancelada a etapa da visita prevista ao Kivu do Norte).
No entanto, os opositores do papa – e aqui talvez resida o limite de sua abordagem – estão mais preocupados e indignados com as fortes restrições impostas por Francisco às missas pré-conciliares em latim, do que pelas condições de vida, pelas guerras, pela pobreza que atingem as populações de uma grande parte do mundo.
Nesse ínterim, entre os primeiros a se manifestar e de fato a se candidatar como líderes da oposição ao papa argentino, destacou-se o cardeal Gerhard Ludwig Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, em sintonia com Bento XVI, mas até certo ponto.
De fato, Müller, como autêntico tradicionalista, julgou negativamente a renúncia de Ratzinger, que enfraqueceria a autoridade do papado como instituição.
“Também sou absolutamente contrário a uma renúncia do Papa Francisco – disse durante um recente debate sobre o tema – e acho que precisamos refletir mais sobre a renúncia de bispos aos 75 anos. A igreja não é uma instituição mundana, nós não deveríamos nos modernizar”.
“Respeito Ratzinger – acrescentou – mas acho que essa sua decisão não foi refletida dogmática e canonicamente”, “esse título de Papa emérito é falso, é teologicamente falso”, afirmou o cardeal, finalmente dando voz ao desconcerto dos mais ardorosos defensores do papa emérito que ficaram perplexos por sua renúncia.
Para Francisco, as críticas que partiram de alguns bispos e cardeais logo após a morte de Ratzinger representam um desabafo talvez aborrecido, mas necessário.
“Prefiro que o façam – disse à AP – porque isso significa que há liberdade de expressão. Se assim não fosse haveria uma ditadura remota, como eu a chamo, onde há o imperador e ninguém pode dizer nada a ele. Não, deixe-os falar porque… as críticas te ajudam a crescer e a melhorar”.
Além disso, é a confirmação de um método: a igreja sinodal, a igreja-hospital de campanha, capaz de acolhimento e diálogo com todos, é também uma igreja onde finalmente há liberdade de expressão e de crítica, até mesmo do papa.
Ainda que nesta frente a convivência entre os diferentes espíritos eclesiais pareça cada vez mais difícil. A abordagem da homossexualidade é prova disso: para Müller o problema continua sendo o de negar a bênção aos casais homossexuais, cuja sexualidade continuaria contrária ao desígnio de Deus, segundo Francisco, ao contrário, a palavra-chave é mais uma vez "acolhimento": "Somos todos filhos de Deus, e Deus nos ama como somos e pela força com qual cada um de nós luta pela própria dignidade”, disse Francisco a esse respeito.
Ele então reiterou que a homossexualidade "não é um crime. ‘Sim, mas é um pecado’. Tudo bem, mas primeiro vamos distinguir entre pecado e crime. Também é pecado faltar com a caridade uns para com os outros”.
Por fim, Francisco também definiu como "pecado" aquele dos bispos que apoiam leis que criminalizam a homossexualidade ou discriminam a comunidade homossexual, “esses bispos devem fazer um processo de conversão”, acrescentou.
Para além das polêmicas costumeiras, no entanto, o papa havia expressado sua ideia da igreja em 22 de janeiro passado na missa celebrada por ocasião do "Domingo da palavra de Deus": "Se a salvação é destinada a todos, até aos mais distantes e perdidos, então o anúncio da palavra deve se tornar a principal urgência da comunidade eclesial, como o foi para Jesus".
“Que não nos aconteça – acrescentou Bergoglio – professar um Deus de coração largo e ser uma Igreja de coração estreito – isso seria, permito-me dizer, uma maldição – não nos aconteça pregar a salvação para todos e tornar impraticável o caminho para acolhê-los; não nos aconteça de sabermo-nos chamados a levar a anunciação do reino e descuidemos da palavra, dispersando-nos em tantas atividades secundárias, ou em tantas discussões secundárias”.
E ainda, na recente carta apostólica divulgada em 28 de dezembro passado e dedicada a São Francisco de Sales por ocasião do 400º aniversário de sua morte, o papa havia indicado na capacidade de ler as mudanças nas passagens de época o legado do santo de origem francesa ainda válido para o presente.
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Francisco afasta renúncia e envia mensagens ao "pré-conclave" promovido por seus críticos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU