10 Dezembro 2022
"Estamos longe de nos habituarmos a produzir e consumir de outra maneira, assim como também estamos distante de aprender a fazer mais com menos. Hoje, mais do que nunca, priorizamos a economia (e os negócios rentáveis) fechando os olhos para a questão ambiental planetária e para o colapso ecológico", afirmam Gilberto Natalini, Marcus Eduardo de Oliveira e Julio Tocalino.
Natalini é médico cirurgião, vereador por cinco mandatos na Câmara Municipal de São Paulo. Foi secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente (2017) e candidato a governador do Estado de São Paulo, pelo Partido Verde, em 2014.
Marcos Eduardo é economista (1994), pós-graduado em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1995) e ativista ambiental. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo – USP. Autor de Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018), entre outros.
Tocalino é ambientalista. Foi editor da revista Meio Ambiente Industrial e organizador da Feira de Meio Ambiente Industrial – FIMAI.
Os tempos são de urgência: cada vez mais a preocupação com os impactos ambientais exige, de todos, sem exceção, certa atenção e muito cuidado na especial construção de um mundo sustentável e solidário. Nessa discussão, é certo dizer abertamente que os setores produtivos, de modo especial, estão na berlinda. Por isso mesmo, na relação entre a economia e o meio ambiente, e mesmo na ética global e no modo como hoje organizamos a sociedade, chama a atenção às estratégias adotadas para ampliar a imprescindível proteção ambiental.
Abrindo essa questão fundamental, para começar a discutir em grande medida as estratégias de desenvolvimento no Brasil (fazendo clara referência ao desenvolvimento sustentável e ao cuidado ambiental), quando se pensa na necessária transição energética, no comércio do crédito de carbono, na mudança climática global e, claro, na urgente trajetória sustentável (olhando de perto os objetivos de sustentabilidade), devemos redobrar nossa atenção, primeiramente, para a qualidade do emprego gerado, e não somente na quantidade, como é de costume.
Em um breve olhar, combinando agenda ambiental com mercado de trabalho, essa qualidade (que requer aprimoramento na capacitação) não tem apenas nome, mas, sobretudo, tem cor definida: emprego verde. Isto é, o emprego que necessariamente é gerado, seja em áreas rurais ou urbanas, pensando na redução do impacto ambiental de empresas e setores e atividades da economia, entre esses, a construção civil, o manejo florestal, a pesca, a aquicultura, a reciclagem de resíduos, o setor energético, e por aí em diante.
Dito de outra forma, isso tudo faz referência à geração dos benefícios que os recursos naturais nos reservam. Avaliando então o alcance da empregabilidade do futuro, com vistas à qualificação de empregos mais ecológicos, digamos assim, o que há, de fato, é uma nova formação de trabalho (com novas aprendizagens) que carregam promissores slogans como carreira verde, talentos verdes, ou mesmo habilidades verdes. Com efeito, resta apenas esclarecer que há muito potencial para cada vez mais “esverdearmos” nossa economia, a partir do desenvolvimento de fontes limpas, o que decerto permite aumentar nossa vantagem competitiva.
Consequência direta de políticas industriais e setoriais tomadas lá atrás, tendo em vista o caso brasileiro, o País já responde hoje em dia por 10% dos empregos verdes no mundo, e pode crescer ainda mais expandindo a economia de baixo carbono. Até 2030, temos possibilidade de abrir mais de 2 milhões de vagas no Brasil, o que incrementaria algo como 2,8 trilhões de reais ao PIB. Falamos aqui, claramente, de empregos que respeitem os princípios de preservação ambiental, desde a instalação de sistemas a fabricação de componentes; de novas funções relacionadas à sustentabilidade a projetos de engenharia puramente verde, em especial, painéis solares e turbinas eólicas.
Antes de qualquer coisa, vale notar que esse percentual (o nível de “esverdeamento”, queremos dizer) vem crescendo ao longo do tempo. Em 2015, de mais de 101 milhões de empregos formais e informais no Brasil, 6,4% correspondiam a empregos verdes – agricultura, pecuária e produção florestal lideravam os setores produtivos totalmente e parcialmente verdes.
No estudo “Uma Nova Economia para Uma Nova Era”, publicado em agosto de 2020 e feito pela WRI Brasil, entidade com presença em mais de 50 países, as vantagens de uma transformação sustentável foram demonstradas com números. Além da geração de empregos e do reflexo no PIB, a modelagem econômica utilizada demonstrou o ganho de 19 bilhões de reais em produtividade agrícola e 742 milhões de reais em receitas fiscais adicionais até 2030. Ao mesmo tempo, as ações preveem a restauração de 12 milhões de hectares de pastagens degradadas e a redução de 42% nas emissões de gases de efeito estufa em 2025, em comparação aos níveis de 2005.1
De toda sorte, esse percentual hoje conhecido (10% dos empregos verdes) nos coloca na segunda posição – atrás apenas da China - entre os países que mais geram empregos na indústria de biocombustíveis sustentáveis e energias renováveis (solar [a energia que mais cresce aqui e no mundo], hidrelétrica e eólica). Somente com as energias renováveis, a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) estima a criação de mais de 38 milhões de novos postos no mundo até 2030.
Cabe um destaque: como lição mais importante, todo o esforço de criação de novos empregos verdes, note-se bem, tem sido pensado em cima de novas políticas de desenvolvimento industrial e de compromissos climáticos, uma espécie de nova ordem e cultura globais, indicativo de que a temática ambiental ganha cada vez mais espaço. Desse ponto em diante, isso significa pensar a economia global no seio da biosfera, algo que ainda incomoda muito o pensamento econômico convencional, historicamente amarrado à ideia de que a prosperidade vem apenas de mais crescimento, ignorando-se na base e na ponta que esse excesso (crescimento além do razoável) choca-se com os limites do planeta (base de toda economia).
Todavia, ainda há mais uma ressalva: estamos longe de nos habituarmos a produzir e consumir de outra maneira, assim como também estamos distante de aprender a fazer mais com menos. Hoje, mais do que nunca, priorizamos a economia (e os negócios rentáveis) fechando os olhos para a questão ambiental planetária e para o colapso ecológico.
Fórmula cômoda, o discurso moderno é conhecido: todos propõem sempre mais crescimento (a partir de necessidades artificiais e de consumo acelerado) e seu reducionismo materialista, sem preocupação ecológica. Em linguagem corrente, intensifica-se a exploração insustentável da natureza. No jogo de cartas marcadas, a tradução disso, bem sabemos, é simples de entender: estamos vivendo do capital da Terra, como aponta em poucas palavras Pavan Sukhdev.
Essa definição, por si só, aponta para o atual estado de vulnerabilidade em que toda a humanidade se encontra, principalmente em matéria de bem-estar planetário.
Ocorre que é chegado o momento de virar esse jogo. No fim das contas, para fazer o contraponto e desafiar de vez o antropocentrismo, vem daí a importância de se pensar com mais seriedade na geração de empregos verdes, resgatando-se, antes ainda, um compromisso com a qualidade de vida presente e futura.
Seja como for, incorporando as exigências ecológicas (o que obviamente seria uma solução vantajosa para todos), isso significa, em primeiro lugar, pensar com mais seriedade que outro mundo é possível. Ainda assim, longe de oferecermos aqui uma proposta fechada, é nesse contexto e nessa realidade que a estratégia de crescimento verde, se bem feita, pode sim dissociar o crescimento do esgotamento do capital natural. A aposta está feita!
1. Leia mais aqui.
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O potencial do trabalho verde no Brasil. Artigo de Gilberto Natalini, Marcus Eduardo de Oliveira e Julio Tocalino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU