06 Dezembro 2022
Uma figura feminina extraordinária, “cuja grandeza corre o risco de ser empobrecida, em vez de valorizada, pelos dogmas e pela devoção popular". Máximo respeito, mas referência exclusiva à Bíblia, às escrituras do Novo Testamento como fonte de conhecimento: a posição das Igrejas Protestantes sobre a Mãe de Jesus é bem conhecida.
Conversamos sobre isso com a moderadora da Távola Valdense, Alessandra Trotta, advogada de Palermo e diaconisa, a segunda mulher nesta função, uma das três mulheres (entre as quais duas pastoras) entre os sete membros do corpo diretivo nacional da Igreja Evangélica Valdense – União das igrejas metodistas e valdenses, que também as representa nas relações com o estado.
A entrevista com Alessandra Trotta, moderadora da Igreja Evangélica Valdense, é editada por Antonella Mariani, foi publicada por revista Donne Chiesa Mondo, edição de dezembro de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Moderadora Trotta, quem é Maria para o protestantismo?
A Igreja Valdense, assim como as Igrejas que aderiram à Reforma Protestante no século XVI, é a Igreja da "Sola Scriptura". Isso significa que para nós Maria é o que as Escrituras falam sobre ela. O que foi construído fora das Escrituras muitas vezes nos deixa perplexos porque nos parece que corre o risco de provocar um desvio e até de trair uma figura cujo valor reside precisamente naquilo que as Escrituras falam sobre ela.
Descreva-nos algumas passagens do Evangelho em que, segundo você, Maria aparece em toda a sua grandeza.
Em primeiro lugar o Magnificat (Lucas 1, 46 ss.), passagem maravilhosa, poética, reveladora. Maria apresenta-se como a serva cuja baixeza o Senhor contemplou para realizar a sua obra de misericórdia, explicitando a consciência de ter sido escolhida não por um mérito particular ou por uma pureza específica.
E é isso que acontece frequentemente na Bíblia: o Senhor escolhe os outsiders, aqueles em quem menos se apostaria. Maria é uma adolescente e a posição da mulher na sociedade em que Jesus nasceu é bem conhecida e, infelizmente, em muitos aspectos também na nossa. O Magnificat fala o essencial de Maria: ela é a crente que aceita (conscientemente, depois de ter feito perguntas!) colocar-se à disposição do Senhor.
Que outros episódios você considera que sejam particularmente significativos sobre Maria?
Acredito que sejam aqueles que trazem à tona sua simples humanidade: ainda no Evangelho de Lucas, por exemplo, encontramos o episódio em que os pais foram procurar o menino Jesus, com doze anos, que tinha se afastado sem autorização, demonstrando que não tinha compreendido o destino do próprio filho.
Por outro lado, nas bodas de Canaã (João 2), Maria aparece como uma mulher insistente e confiante, a ponto de fazer Jesus mudar de ideia sobre o momento certo de se revelar. O filho diz: ainda não chegou a minha hora, mas com a sua insistência Maria permite compreender que, na presença de Jesus, é sempre o momento oportuno para a salvação. Mas o testemunho dos Evangelhos também nos leva a excluir a exaltação em si dos papéis familiares, com a redefinição da dimensão da "família" que o próprio Jesus realiza.
Vamos pensar em quando Jesus está no meio da multidão e alguém lhe fala que sua mãe, seus irmãos e irmãs estão procurando por ele para levá-lo para casa. E Ele responde: “Quem é minha mãe, quem são meus irmãos? Quem faz a vontade de meu Pai”. Jesus redefine as identidades familiares, fazendo com que os laços de sangue percam importância diante da visão de uma nova comunidade estruturada em outros fundamentos e em laços horizontais. Por fim, Maria é encontrada aos pés da Cruz, na dor extrema de uma mulher que está prestes a perder o filho daquela forma atroz e no amor tão humano de um filho que confia a mãe a outro filho.
É isso, o que os protestantes pensam de Maria está nessas passagens bíblicas. E parece-nos que aqui tudo é essencial.
Os protestantes não acreditam nos dogmas da virgindade perpétua, da Imaculada Conceição, da Assunção ao céu, não rezam a Ave Maria... Então, qual é o julgamento sobre a grande devoção mariana que distingue o catolicismo?
Quanto aos dogmas, parece-nos que não tenham fundamento bíblico e correm o risco de empobrecer o significado da figura de Maria, em vez de enriquecê-lo. Por exemplo, em nossa opinião, atribuir importância ao nascimento sem pecado original a distancia daquele elemento de humanidade que torna Maria tão verdadeira e próxima de nós.
Ela é uma mulher que está no topo de sua Igreja; você não acha que uma figura feminina como Maria poderia ser uma inspiração para as mulheres de hoje?
Tenho a sensação de que a valorização de Maria como figura de referência, enfatizando sua virgindade, inclusive eterna (o que expressa o desconforto de aceitar a existência de irmãos e irmãs, como nos diz a Bíblia) corre o risco de vincular o valor da mulher a um imaginário que olha para a sexualidade como algo impuro e escandaloso.
Paradoxalmente, nada garante que uma figura feminina carregada desse significado seja efetivamente uma inspiração nas lutas pela afirmação da igual dignidade e dos direitos iguais das mulheres na sociedade e nas igrejas.
Mas a figura de Maria hoje também tem outros valores: por exemplo, ela é mulher protagonista num mundo masculino...
Claro. De fato, o diálogo com o anjo Gabriel na Anunciação é belíssimo também por isso.
Pede-se o consenso a uma figura feminina em uma época em que ninguém jamais o teria feito. Mas lembro que a Bíblia está repleta de figuras femininas de extraordinário valor, recuperadas aliás no filão da Teologia feminista.
Então, qual é o valor específico de Maria?
Maria exprime o máximo do seu valor confiando-se e tornando-se instrumento do possível de Deus que irrompe no impossível humano. Pois bem, o nascimento virginal, como o nascimento de uma mulher estéril, representa isso. Maria é uma mulher e uma mãe com quem nos podemos identificar. É a humanidade que Deus ama e não é preciso carregá-la de outros significados para podermos amá-la nós mesmos, apreciá-la e senti-la próxima.
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Para nós é o que dizem as escrituras. O valor específico de Maria segundo a moderadora da Távola Valdense - Instituto Humanitas Unisinos - IHU