O porco-espinho e a paralisia da práxis sinodal

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30 Novembro 2022

"Quantas vezes os terríveis escândalos de homens e mulheres da Igreja ofuscam o escândalo essencial do cristianismo?", questiona Roberto Oliva, presbítero da Diocese de San Marco Scalea, Itália, em artigo publicado por Settimana News, 29-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo. 

A conhecida fábula da lebre e do porco-espinho dos irmãos Grimm foi reinterpretada por J.B. Metz em uma de suas famosas obras em que assumiu - inesperadamente - a defesa da lebre enganada. Segundo Metz, de fato, o cristianismo, em sua índole histórico-escatológica, só se realiza na força da corrida como possibilidade de experiência real. A astúcia do porco-espinho, que para vencer o desafio coloca a sua parceira de antemão na linha de chegada, esconde o dilema teológico no fundo de cada bloqueio ou crise eclesial: a defesa de uma verdade, descarnada e revestida de idealismo.

A corrida não realizada pelo porco-espinho representa a falta de confiança em uma experiência humana – cheia de contradições – ainda a ser plenamente descoberta e apreciada. O dilema teológico do porco-espinho manifesta-se na certeza granítica da vitória, na identidade eclesial assegurada que não considera “a possibilidade de derrota”[1].

Quanta sabedoria, ao contrário, está contida no corpo sem vida de Jesus na cruz no momento do fracasso extremo? Quanto assombro gera o escândalo de um Deus que se faz humano como nós? Em vez disso, quantas vezes os terríveis escândalos de homens e mulheres da Igreja ofuscam o escândalo essencial do cristianismo?

Abusos

Em primeiro lugar, emergem os escândalos dos abusos contra menores que já em vários países do mundo se tornaram um veículo de difamação e destruição da credibilidade das Igrejas locais. Embora já se tenham passado quase vinte anos desde que a Igreja começou a encarar o fenômeno de forma diferente, persiste a atitude defensiva que mais a prejudica: aceitar a derrota é difícil para a Igreja! A dimensão penitencial primeiro (às vezes meramente de celebração) e depois a da tolerância zero (com contornos não propriamente evangélicos) não resultam meios exaustivos.

"O Evangelho do escândalo" chama a Igreja a dar mais um passo no desafio sobre os abusos, pois permanece um grito de desconfiança e de raiva que só deseja se transformar se a Igreja estiver disposta a converter-se na possibilidade de derrota aceita e metabolizada.

Mais profundamente, trata-se de acolher e reconhecer, de forma radical e sistemática, a vivência e a dor das pessoas abusadas, como sujeitos de uma autoridade "fraca"[2]. São homens e mulheres dotados dessa autoridade capaz de conduzir a Igreja por autênticos caminhos de renovação nos âmbitos teológico, pastoral, espiritual e de governo.

A Igreja experimentará processos de autêntica conversão somente se aprender com esse Magistério dos fracos e dos abusados, se ele se tornar uma norma a ser considerada para a adesão ao Evangelho. O corajoso tempo sinodal em curso só dará frutos se seguir as pegadas desse incômodo magistério que exige não só habilidade para mitigar os escândalos, mas também inteligência crítica para remontar às causas e capacidade criativa para inaugurar novos modelos eclesiais.

Com muita lucidez D. Éric de Moulins-Beaufort, Presidente da Conferência Episcopal Francesa, declarou: “Devemos reconhecê-lo e confessá-lo: permitimos que se desenvolvesse um sistema eclesiástico que, longe de dar vida e abrir à liberdade, destrói, esmaga, zomba dos seres humanos e de seus direitos mais elementares. Somos obrigados a constatar que a nossa Igreja é lugar de graves crimes, de terríveis ataques contra a vida e a integridade de crianças e adultos”.

Graças ao magistério dos abusados, a autocrítica eclesial fornecerá uma valiosa contribuição à sinodalidade para rastrear as causas que estão na origem desse sistema eclesiástico doentio, a fim de recuperar o dinamismo do Evangelho que liberta, sem oprimir, a dignidade humana. Um sistema que necessita de revisão não só na moral e na educação sexual, mas também no tabuleiro de xadrez relacional e na orientação formativa dos atuais e futuros padres. A crise dos escândalos desfaz o véu da hipocrisia que, às vezes, sustenta um perfil ministerial desencarnado, ainda muito distante da abordagem com as ciências humanas e da consideração batismal da Igreja.

Não é suficiente almejar o retorno a situações históricas já enterradas, a não ser que se queira enterrar a identidade e a missão da Igreja chamada, hoje com mais urgência, a dar passos mais rápidos, não rumo a metas ideais, mas rumo à urgência de comunicar a pessoas novas – com categorias novas– o Evangelho da gratuidade capaz de transformar cada derrota numa abertura inédita ao outro.

Notas

[1] J.B. Metz, La fede nella storia e nella società, Queriniana, Brescia 1978, 158.

[2] Assim J.B. Metz na palestra ao Instituto Trentino de cultura, 24 de novembro de 2000.

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