22 Novembro 2022
A advogada Adriana Inory, presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Amazonas, disse que pretende denunciar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos os ataques e ameaças de morte contra indígenas Kanamari ocorridos no dia 9 deste mês, dentro da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, conforme revelou a Amazônia Real nesta quarta-feira (16). Na ocasião, uma mulher Kanamari teve arma apontada no peito por um pescador ilegal, e sofreu ameaça explícita de morte.
A reportagem é de Elaíze Farias, publicada por Amazônia Real, 17-11-2022.
“Não vou permitir que meu povo indígena seja violado. A OAB e a Comissão dos Povos Indígenas estão tomando todas as medidas cabíveis para fazer cessar toda e qualquer violação de forma imediata em face do povo indígena Kanamari”, disse a advogada à reportagem, nesta quinta-feira (17). Natural da Terra Indígena do Rio Juruá, no município de Itamarati, no Amazonas, Adriana Inory pertence ao povo Kanamari. Ela é a primeira mulher indígena a assumir a presidência da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB-AM.
Também nesta quinta-feira, a Associação dos Kanamari do Vale do Javari (Akavaja) divulgou nota relatando o episódio da ameaça sofrida pelos indígenas no último dia 9, quando voltavam para Atalaia do Norte. Além de atirar no tambor de combustível, os pescadores ilegais também cortaram a fiação de um motor da embarcação dos indígenas. “Então saíram em seus barcos pelo rio, empunhando armas e atirando em direção às canoas do povo Kanamari”, diz trecho da nota.
Conforme o relato da Akavaja, “as crianças e mulheres assistiram à cena com imensa preocupação e medo, pois os pescadores estavam apontando as armas para o grupo de indígenas que estavam na beira do rio”.
Nesta quarta-feira à noite, após ler a reportagem da Amazônia Real e falar com as lideranças Kanamari, da TI Vale do Javari, Adriana Inory divulgou uma nota assinada conjuntamente pelo presidente da OAB, Jean Cleuter Simões Mendonça, manifestando “solidariedade aos povos indígenas da etnia Kanamari, do Vale do Javari, vítimas das recorrentes ameaças em razão da pesca e caça ilegal na região” e repudiando os ataques.
“O Vale do Javari é área de recorrentes conflitos, o que ameaça a existência dos povos originários que habitam aquela região. A realidade dos indígenas que vivem naquela localidade é crítica, em razão da distância aos centros urbanos, o que dificulta o acesso às autoridades policiais e judiciais nas suas respectivas competências, o que fortalece a presença de invasores na Terra Indígena”, diz o texto da OAB. No documento, a advogada Kanamari assina com seu nome brasileiro, Adriana Pinheiro Leite.
“O povo indígena tem forte vínculo com a terra, há relação de divindade com a fauna e flora. A terra é a continuidade do corpo e da comunidade, portanto, uma violação ao meio ambiente natural da terra indígena é uma violação humana e espiritual da população indígena que habita aquela região”, continua a nota.
Adriana Nori ressaltou à reportagem que, conforme denúncias recebidas pela Comissão dos Povos Indígenas da OAB, “os criminosos sentem uma clara sensação de impunidade” e em um momento em que “vivemos em um País onde nosso governante (presidente), criou uma política que visa a todo custo eliminar as populações indígenas”.
“Antes de sermos indígenas somos pessoas. Mas o Brasil não é o país da impunidade e todos os violadores irão responder perante o judiciário na medida de sua culpabilidade”, disse a advogada.
No dia 9 deste mês, um grupo de indígenas Kanamari foi abordado por pescadores ilegais, em uma área chamada Volta do Bindá, no rio Itacoaí, na Terra Indígena Vale do Javari. Uma mulher, liderança do povo, foi ameaçada. Um dos pescadores colocou arma em eu peito e disse que iria matá-la.
“Eles falaram que iriam me matar como aconteceu com o Bruno e o outro. Ele me disse isso, na frente da minha filha pequena”, afirmou a mulher Kanamari à reportagem.
O local onde o grupo foi ameaçado fica a seis horas de viagem em embarcação pequena da área foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, no dia 5 de junho deste ano.
De acordo com Higson Kanamari, após a soltura de Rubens Villar Coelho, conhecido como “Colômbia”, os pescadores passaram a ficar mais “agressivos” e voltaram a invadir a TI Vale do Javari. “Essa foi a primeira vez, depois da morte do Bruno e do Dom, que um pescador teve coragem de chegar na gente assim”.
Protesto em frente à sede da Funai em Atalaia do Norte logo após a morte de Dom e Bruno (Foto: José Medeiros | Agência Pública)
As lideranças Kanamari ameaçadas de morte fizeram uma denúncia nesta quarta-feira na sede da Polícia Federal, no município de Tabatinga, vizinha de Atalaia do Norte. O deslocamento até a cidade exige uma viagem via terrestre e via fluvial, atravessando duas cidades (Atalaia do Norte e Benjamin Constant). As lideranças viajaram acompanhadas apenas de um policial militar, cuja segurança foi paga com recursos próprios dos indígenas.
“A gente faz essas viagens com medo de morrer. Não sabemos se os criminosos podem nos encontrar”, disse Higson Kanamari, uma das lideranças ameaçadas de morte.
Na PF, segundo os Kanamari, os depoimentos foram dados a um escrivão. O delegado não os atendeu. Os indígenas apresentaram fotografias que mostram o momento em que os pescadores ilegais fazem uma abordagem aos Kanamari.
“A gente estava com medo deles. Por isso algumas fotos mostram eles de longe”, disse uma liderança. As imagens mostram várias crianças e mulheres em momento de tensão. A Amazônia Real optou por não mostrar as imagens para preservar a segurança dos Kanamari.
Segundo o delegado Diego Barroso, da Polícia Federal em Tabatinga, será aberto inquérito da denúncia feita pelos indígenas Kanamari. Segundo o delegado, após os dois indígenas que foram até a PF terem prestado depoimento, o relato foi incluindo no sistema interno da PF. A Amazônia Real então encaminhou a ele a carta de denúncia produzida pela Akavaja e o link da matéria da Amazônia Real.
“Sobre o que será feito, antecipo de antemão que será verificado se já há algum procedimento com as mesmas vitimas ou os suspeitos denunciados em andamento. Caso positivo será anexada ao procedimento, caso contrário, dependendo da robustez de informações dadas, e investigações preliminares, será aberto sim um procedimento de notícia crime para verificação”, disse ele.
O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF) foi procurado e também não respondeu às perguntas sobre o assunto, tampouco informou se tomou conhecimento do caso ou se tomaria providências. A Funai também não respondeu.
A União dos Povos do Vale do Javari (Univaja) também foi procurada pela reportagem para emitir algum posicionamento do caso. O assessor jurídico da organização, Eliésio Marubo, respondeu que “estava em contato com a PF” e que vai pedir providências. “Não há procedimento aberto. Tão logo eu tenha acesso ao relato irei fazer os pedidos”, disse o advogado.
O diretor da Univaja, Beto Marubo, disse que a organização tem requerido frequentemente a intervenção do Estado para que se faça a segurança dos indígenas do Vale do Javari, mas isso não tem sido atendido.
“A gente vai atrás da OEA. Tem a Comissão de Direitos Humanos em Brasília. Informamos a PF essas questões. É uma luta diária. O que de fato iria proteger os parentes é a atuação da Polícia Federal, do Exército, do Estado, na região. A partir do momento que a PF for investigar esses casos, for atrás destes casos, prender gente, atuar ostensivamente, essas ameaças vão ser reduzidas, vão parar com isso”, disse.
A Amazônia Real apurou que a Coordenação Regional do Vale do Javari, em Atalaia do Norte, continua denunciando as ameaças contra os indígenas e contra os próprios servidores dio órgão. No entanto, segundo os servidores da CR, não há nenhuma resposta concreta do MPF ou da PF.
“Nos sentimos tão vulneráveis quanto os parentes que necessitam ir e vir por esses rios que cortam a Terra Indígena”, diz mensagem de servidor enviado a um indígena Kanamari.
Esta matéria foi atualizada às 18h de 18 de novembro de 2022 para incluir respostas da Polícia Federal de Tabatinga.
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OAB do Amazonas cobra medidas para proteger indígenas do Vale do Javari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU