"O reconhecimento de Cristo Rei é uma preparação para a Sua vinda, novamente celebrada no início do próximo Ano Litúrgico, em que os cristãos esperam o nascimento do menino que, como diz o poeta, 'acima das filosofias, da cibernética e dos dólares, sustenta o peso do mundo'".
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
O rei menino
O estandarte do Rei não é de púrpura e brocado,
é um lírio flutuante sobre o caos
onde ambições se digladiam
e ódios se estraçalham.
O Rei vem cumprir o anúncio de Isaías:
Vem para evangelizar os brutos,
consolar os que choram,
exaltar os cobertos de cinza,
desentranhar o sentido exato da paz,
magnificar a justiça.
Entre Belém e Judá e Wall Street,
no torvelinho de negações e equívocos,
a vergasta de luz deixa atônitos os fariseus.
Cegos distinguem o sinal,
surdos captam a melodia de anjos-cantadores,
mudos descobrem o movimento da palavra.
O Rei sem manto e sem jóias,
nu como folha de erva,
distribui riquezas não tituladas.
Oferece a transparência
da alma liberta de cuidados vis.
As coisas já não são as antigas coisas
de perecível beleza
e o homem não é mais cativo de sua sombra.
A limitação dos seres foi vencida
por uma alegria não censurada,
graça de reinventar a Terra,
antes castigo e exílio,
hoje flecha em direção infinita.
O Rei, criança,
permanecerá criança mesmo sob vestes trágicas
porque assim o vimos e o queremos,
assim nos curvamos diante do seu berço
tecido de palha, vento e ar.
Seu sangrento destino prefixado não dilui
a luminosidade desta cena.
O menino, apenas um menino,
acima das filosofias, da cibernética e dos dólares,
sustenta o peso do mundo
na palma ingênua das mãos.
***
O poema do modernista brasileiro Carlos Drummond de Andrade, publicado postumamente no livro Farewell, em 1996, nove anos após a sua morte, resume em palavras poéticas a verdade evangélica celebrada neste domingo: "que Cristo, mesmo em meio às humilhações e aos escárnio, permanece rei, tem o poder régio de conduzir os homens à glória do paraíso", conforme explicou Adolf Adam (1912-2005), professor de Ciência Litúrgica e Homilética na Universidade Johannes Gutenberg, em Mainz, Alemanha.
Cristo é "um Rei em 'más companhias'", resume o teólogo e jesuíta Adroaldo Palaoro no Comentário do Evangelho publicado nesta sexta-feira, na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Um Rei que manifesta em si próprio o paradoxo e a "a maior contradição da história humana" ao manifestar seu amor não só pelos que sofrem e são desprezados, mas por aqueles que O fazem sofrer e O desprezam. "Ninguém parece ter entendido Sua vida e Sua mensagem. Ninguém compreendeu seu perdão aos algozes. Ninguém viu em seu rosto o olhar compassivo do Pai. Ninguém percebeu que, pendente da Cruz, Jesus se unia para sempre a todos os crucificados e sofredores da história", afirma.
Na festa do último domingo do Ano Litúrgico, a festa de Cristo Rei, a Igreja, segundo o teólogo, apresenta, a partir da leitura do Evangelho, uma "imagem profética" e "quebra toda concepção que temos de 'rei' e 'reinado'. "Esta é a ousadia de Jesus: proclamar-se 'rei' sem tomar a Capital, sem conquista militar como os imperadores romanos, nem por eleições, nem por herança de família, nem por estratégia de partido...".
O reconhecimento de Cristo Rei é uma preparação para a Sua vinda, novamente celebrada no início do próximo Ano Litúrgico, em que os cristãos esperam o nascimento do menino que, como diz o poeta, "acima das filosofias, da cibernética e dos dólares, sustenta o peso do mundo".