Política é a arte de atender demandas da sociedade. Entrevista com Hans Trein

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08 Novembro 2022

Entrevista do pastor emérito da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), Hans Trein, concedida à jornalista Ellen Travasso, de Brasília, para trabalho de dissertação na UNICEUB.

Hans Alfred Trein, pastor na IECLB, atuou por quase dez anos na Amazônia, mestre em Leitura Popular da Bíblia, passou um período pastoral na Paróquia de Erval Seco, no Rio Grande do Sul, realizou intercâmbio em Oficina Ecumênica em Kassel/Alemanha e coordenou o trabalho da IECLB com indígenas.

Eis a entrevista. 

Desde quando existe uma relação entre a política e a fé? E quando essa relação começou a ser questionada pelas pessoas?

Desde sempre. Ambas acontecem no espaço público. Há que distinguir entre política como a arte de atender as demandas da coletividade de política partidária que busca o poder. Quando a sabedoria popular diz que a política é suja, refere-se à política partidária que historicamente não se pauta por coerência, em que os partidos, em sua maioria, são apenas uma formalidade de fachada. A cultura política em nosso país ainda se pauta principalmente por politicagem. Entretanto, isso não é razão para ter uma postura antipolítica. É necessário buscar o sentido positivo da política, como dito acima. Há que distinguir entre fé, religião e ideologia. Existe grande confusão a respeito em nossa sociedade. A relação começou a ser questionada quando, no capitalismo liberal, houve um foco exagerado no indivíduo e a fé passou a ser assunto de foro íntimo de cada pessoa, e quando a fé passou a ser considerada algo apenas relativo à transcendência. Aí os conceitos de fé, religião e ideologia passaram a se confundir.

É possível conciliar a fé e política dentro de um mesmo espaço (culto, missa ou reuniões)?

Fé e política sim, pois o Evangelho tem necessariamente uma dimensão social e política. Ética e moral são derivações da fé. Com elas os cristãos contribuem na construção da convivência social. A fé cristã, imitando Jesus, está aí para servir às criaturas mais necessitadas, pessoas e natureza. Contudo, a não é conciliável com a política partidária dentro de um mesmo espaço, seja ele a igreja ou a sede do partido. Partido sempre é apenas parte. Sem essa autocompreensão, partidos passam a abusar dos símbolos nacionais e impor uma espécie de ditadura mental à nação. Aspiram ser a totalidade, quando são apenas parte. É totalitarismo!

É legítimo que partidos/partes busquem o poder para encaminhar as soluções políticas necessárias numa sociedade. Para isso se estabelecem regras. Outras partes podem ser adversárias, mas nunca inimigas a serem eliminadas! Aliás, democracia só acontece quando os vencedores governam de modo que as minorias e as populações mais vulneráveis não percam nenhum direito. De qualquer maneira, orientação de votos em fulano ou ciclano não cabe à igreja, muito menos a pastores. Recomendação de critérios baseados em valores cristãos, para que cada pessoa possa fazer uma boa escolha, isso sim. A fé cristã de confissão luterana tem longa tradição de separação entre Estado e Igreja, assim como de uma postura, de um lado, cooperadora para políticas públicas que promovam a justiça social e, de outro lado, uma postura crítica em relação a governos que negligenciam a população e promovem apenas seus próprios interesses e vantagens para os amigos. Agora, quando, baseado no texto bíblico, o pregador atualiza a mensagem para a realidade econômica, social e política dos dias de hoje, e tira consequências para o agir de membros da igreja e comunidades eclesiais, seguindo os valores do amor, da solidariedade, da justiça social, da paz no sentido bíblico, não cabe qualificar essa pregação de discurso político-partidário, só porque alguns partidos se propõem a ações nesse sentido também. Não seria ótimo que todos os partidos buscassem esses mesmos valores?!

Existe um limite moral entre a crença em Deus e um pastor pedir voto quando for dita a palavra de Deus?

Crer em Deus, no fundo, nada tem a ver com a e o empenho por um mundo mais justo. Não apenas o diabo, mas “até os demônios creem (na existência de Deus) e tremem”, como escreve o apóstolo Tiago em sua carta, 2.19. O que conta é a fé de Jesus em Deus-Pai e na realização de Seu Reino de Justiça e Paz. Isso sim, distingue as pessoas com fé e as que vivem sem ela ou apenas seguem uma religião. Pedir voto e pregação da Palavra de Deus estão em franco desacordo. Púlpito não é palanque e palanque não é púlpito. Orientação de votos em fulano ou ciclano não cabe à igreja e muito menos a pastores! O voto não é um ato de fé! Não é crédito a uma narrativa que pode ser mentirosa, como vimos. É sim, análise racional sobre o que é necessário para o país, o estado, o município, análise crítica do histórico de quem se apresenta como candidato. Precisa de participação política de eleitores e eleitoras entre as eleições, buscando informação e fazendo avaliações críticas da atuação de eleitos e eleitas. Cristãos contribuem criticamente em seus partidos e não torcem simplesmente pelo seu partido, como se fosse um time de futebol.

Os fiéis deixam que a palavra de um pastor pedindo voto seja ouvida e levada a sério por conta da crença?

O pastor só tem o poder que a comunidade lhe confere. Os pastores que se valem da autoridade bíblica, para legitimar suas ideias na verdade estão abusando sua função. Não são servidores da Palavra de Deus, mas dela se apropriam para os seus próprios propósitos ou os propósitos de seus amigos políticos. Algumas comunidades são reféns dos discursos autoritários proferidos por pastores. A única maneira de não sê-lo é as comunidades estudarem a Bíblia e a realidade em que vivem. Um dos mais renomados intérpretes da relação entre política e fé, o teólogo suíço, Karl Barth, recomendou às pessoas cristãs que atuassem “com a Bíblia numa mão e o jornal do dia na outra”. Em vista dos interesses corporativos da imprensa de hoje e do grande número de desinformação circulante, é necessário ler histórico-criticamente tanto a Bíblia como as notícias veiculadas. A história da igreja tem suficientes exemplos de tragédias humanas provocadas quando autoridades eclesiásticas impuseram suas condições ao Estado e à política secular.

A fé pode contribuir com a política?

Sim, a fé cristã pode contribuir, denunciando profeticamente a opressão, a exploração, as leis injustas, a extrapolação da violência estatal, o conluio com grupos paraestatais e enunciando os critérios e valores cristãos do amor, da justiça social, da solidariedade, da partilha que multiplica o pão e da paz, com foco principal nas camadas mais vulneráveis da sociedade. Nenhuma nação pode subsistir com o nível de desigualdade que existe em nosso país! Um discípulo ou discípula consciente de Jesus não pode eleger um homem que com palavras e ações demonstra ser o oposto de tudo aquilo que Jesus pregou e fez.

A igreja doutrina as chamadas pessoas “leigas”?

À igreja cabe a tarefa de ensinar, ou seja, ordenar pessoas a serviço da Palavra de Deus, que passam adiante a pregação do Reino de Deus, os ensinamentos e as ações de Jesus. A Igreja é Corpo de Cristo nesse mundo e não uma empresa de marketing religioso. Nesse sentido, ela doutrina, ela passa adiante as brasas acesas do amor a toda a criação de Deus, leva adiante a obra salvífica de Deus. Cabe-lhe não fechar sentidos nas diversas áreas da convivência humana e ambiental, para poder responder sempre de modo atualizado aos novos desafios que se apresentam.

Comentários adicionais

é diferente de religião

Pessoas podem ter fé, sem ser religiosas. Conheci muitas pessoas não-cristãs, cuja fé era mais consistente do que a massa dos cristãos nominais. Aliás Jesus, que foi um judeu piedoso, já constatava isso no seu tempo: não foi só uma vez que ele comentou sobre estrangeiros, de não ter encontrado “tal fé entre os próprios companheiros de fé”.

também é diferente de ideologia

Buscar e adotar a fé de Jesus implica uma revisão constante daquilo que se pensa e se aprende a pensar e das posturas que se vai adotando na vida. Lutero falava na necessidade de afogar diariamente o “velho Adão” em nós, aquele que odeia, discrimina, é racista, tem prazer em diminuir os semelhantes. A pergunta a fazer: o que eu estou pensando e como estou agindo ainda coincide com o que Jesus dizia e fazia? Se não, onde está o desvio? Cabe fazê-la individualmente, mas de modo especial como comunidade de Jesus Cristo, pois na comunidade a chance do autoengano é menor. É simples constatar que isso não é possível em grupos religiosos dominados por seus pastores.

Segundo Hebreus 11.1, a fé é a certeza das cousas que não se veem e... Já a ideologia, por um lado, é um conjunto de ideias que a gente vai formando sobre os diferentes aspectos da vida no mundo, como funciona ou deveria funcionar a economia com sua relação entre capital e trabalho, como funciona ou deveria funcionar o estado, a sociedade, a justiça, as igrejas... a relação entre estado e igreja.

Desde a proclamação da República somos um Estado laico que garante a liberdade a todas as crenças religiosas. Isso significa que o Estado não pode ser capturado por uma determinada crença, ou suposta igreja, abominando as restantes. Por outro lado, a ideologia também pode ser um conjunto de ideias que é difundido pelas instituições que produzem os bens intelectuais, mídia, igrejas, escolas, universidades, com o objetivo de acentuar determinadas realidades, diminuir outras e esconder aquelas que poderiam colocar em risco o regime.

Um exemplo de tal uso da ideologia é a explicação que se martela, dia sim – outro também, principalmente pela mídia corporativa (na mão de algumas famílias no Brasil) à gritante desigualdade que reina em nosso país: a culpa pela pobreza é dos próprios pobres. Para furar esse uso pernicioso da ideologia é necessário informar-se em outras fontes e pontos de vista. É necessário estudar história e entender o que aconteceu no passado, para que cheguemos até o presente. Pobreza, discriminação racial, desigualdade econômica, a contradição entre latifúndios e sem-terra e a diferença abismal de chances têm uma origem clara em nosso país: a escravidão! No Brasil, os escravos foram “libertados” da escravidão para o desemprego, ou seja, não receberam condições para construir uma vida econômica e social.

Muito antes da separação entre Estado e Igreja na proclamação da República no Brasil, cristãos de confissão luterana já vinham trazendo essa concepção em sua vida de fé. Desde a Reforma Luterana, a pessoa cristã é cidadã de dois reinos. Do Reino de Deus e do Estado/Nação em que vive. Não é possível viver apenas num deles e despir-se do outro (é necessário ter presente que Lutero vivia num regime em que ainda não havia eleições). Em sua Doutrina dos Dois Reinos, Lutero procura distinguir claramente as coisas: o Reino de Deus e o reino do mundo.

A pessoa cristã está nos dois reinos, enquanto viver nesta era. Mas, nem por isso, pode acontecer uma mistura das duas coisas, pois o Reino de Deus é governado pelo amor, enquanto o reino do mundo é governado pela lei; o Estado tem o monopólio da violência, estritamente para combater o mal. A pessoa cristã vive no mundo, mas não é do mundo (Evangelho de João 17.14-21), ou seja, não adota os critérios e mecanismos normalmente utilizados no mundo decaído. Em sua vivência no mundo, já vive antecipando o seu status de cidadã do Reino de Deus, a exemplo de Jesus Cristo. Enquanto essa realidade penúltima persistir, a pessoa cristã detém a dupla cidadania que a coloca em permanente tensão entre o que é e o que deveria ser. Essa tensão só acaba com o estabelecimento completo do Reino de Deus, no fim dos tempos.

Mas, o que fazer quando o governo não combate o mal, mas produz o mal, deixa milhares de pessoas morrer, incentiva a destruição do meio-ambiente, trata como inimigo quem pensa diferente? Lutero nega obediência e recomenda boicote a um tal governo. A partir de suas colocações, fica claro que Lutero não queria que a Igreja, como estrutura, passasse a governar, pois entendia que também o governo secular é um instrumento de Deus para o bem da humanidade. No entanto, ele chega a uma conclusão quase que fatalista, quando diz: “Príncipes e os grandes senhores gostam de ver o mundo todo castigado, desde que eles mesmos escapem ilesos”. O médico e teólogo Dietrich Bonhoeffer, crítico público do nazismo, compara um tal governo a um louco ao volante de um ônibus. Diz que, nesse caso, não cabe à igreja apenas recolher os atropelados mortos e feridos e consolar as pessoas enlutadas, mas deve tirar o louco do volante. No Estado democrático de direito há instituições com a tarefa de fazê-lo e, em última análise, temos condições de fazê-lo através do voto. Quando se instala o mal e a perversão, ele defende a tese de que o pregador (o que de resto vale para todas as pessoas cristãs) não poderá ficar calado, ainda que isto lhe custe o martírio. “Onde, porém, não é possível obedecer às leis da potestade superior sem pecar, mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5.29).

Aliás, Lutero chega a usar uma linguagem quase que ofensiva e sobremaneira áspera, quando fala das autoridades: “Saiba que, desde o princípio do mundo, um governante sábio é um pássaro raro e mais ainda um justo. Via de regra, eles são os maiores tolos ou os piores malvados da terra; por isso, a gente sempre precisa estar prevenido para o pior e pouco de bom se pode esperar, especialmente nas questões de Deus”. (Para compreender bem essa frase é imprescindível considerar que, naquela época, ainda não havia eleições e o povo não podia cobrar os monarcas que se entendiam instalados por Deus, sendo que cabia à Igreja desempenhar o papel que hoje é mais assumido pela mídia).

Os valores da moral vão mudando no curso da história. A humanidade evolui em contínuo aprendizado. Algumas questões vão se resolvendo e outras novas surgem e precisam de um tratamento à base dos aprendizados havidos. Então, não estamos mais presos à moral de dois mil anos atrás. Além disso, Jesus não deu sua vida por causa da moralidade na sociedade. Ele foi preso, torturado e morto, porque representava um perigo para os que detinham o poder religioso e político em seu tempo. Jesus liderou um movimento de pessoas empobrecidas, para alcançarem a dignidade de serem imagem e semelhança de Deus. E parte essencial dessa dignidade é que todos tenham o que comer! Ou seja, atuou como Filho daquele Deus que desceu para ver o sofrimento dos escravos no Egito, libertá-los da escravidão e conduzi-los para uma terra onde mana leite e mel. A Igreja, Corpo de Jesus Cristo, precisa continuar essa obra de libertação e, nesse sentido, não há como não ser política em sua atuação! O amor cristão não está limitado pelas fronteiras da família. Além disso, o amor não encobre injustiças, não dá jeitinho, nem fecha um olho para a maldade. Pauta-se na verdade!

A Bíblia é uma coleção de textos que retratam uma sociedade oriental de 2000 anos atrás. Muitas pessoas se apavoram quando encontram nela relatos horripilantes sobre a realidade e não apenas mensagens de enlevo espiritual. Não é impertinente pensar que o objetivo inicial dos escritos – reunidos na Bíblia bem mais tarde e canonizados mais tarde ainda – não era religioso, no sentido em que compreendemos religião hoje (como relação/religação entre a pessoa e Deus). Para compreender as posturas e pregações de Jesus, é imprescindível conhecer a realidade do seu tempo. Para conhecer a realidade do seu tempo, é necessário fazer perguntas econômicas, sociais, políticas, ideológicas aos textos que nos foram legados na Bíblia e não apenas perguntas religiosas. Não é possível transferir os ditos bíblicos diretamente para os tempos de hoje. É preciso um trabalho de atualização, caso contrário vamos desconsiderar os aprendizados (caso dos terraplanistas) e as diferenças da sociedade atual. Aliás, a Bíblia não compete nem está em conflito com as ciências! Não existe contradição entre os relatos bíblicos da criação e o que hoje a ciência mais evoluída diz sobre o surgimento da terra, da vida na terra, do cosmos. Muito pelo contrário, a Bíblia revela o nível de conhecimento que se tinha na época e afirma a Deus como criador de tudo. Se fosse escrita hoje, provavelmente incluiria os aprendizados científicos mais recentes.

Símbolos e Diábolos

Símbolo vem do grego, symbállo: é o que junta, que dá coesão ao redor de um mesmo objetivo. Símbolos não precisam de explicação, falam por si mesmos. Por isso, o abuso de símbolos é uma falta grave que pode ter consequências muito funestas. Diabo vem do grego diabállo – espalhar, dispersar, confundir. O diabo dissemina o ódio e a confusão; utiliza pessoas para difundir mentiras e encher as redes sociais de desinformação e ódio. Seu objetivo é desestabilizar, com a antipolítica. É isso que a sabedoria popular chama de “política suja”. É politicagem! A mídia, há tempo, vem naturalizando a politicagem como política, quando, por exemplo, fala com naturalidade e não com indignação sobre o “toma lá – dá cá”, como se isso fosse a essência da política.

Coisa muito diferente é a dimensão política do Evangelho. Aliás, não é impertinente pensar a Bíblia, no tempo em que os textos surgiram, como um livro não-religioso que com o passar do tempo foi sendo transformado num livro religioso, para exatamente desviar a atenção dos assuntos candentes da história. Salvação e Reino de Deus pregados por Jesus tem a ver com a terra como criação de Deus; esse é o sentido da encarnação de Deus em Jesus Cristo. Salvação e perdição referem-se à humanidade e à terra em que vivemos, não a um suposto lugar fora daqui. O céu é aqui ou em lugar nenhum!

Jesus pregou o Reino de Deus, e o que veio foram as igrejas. As igrejas são provisórias. Detêm o alto status de serem Corpo de Cristo. Continuam a obra de Jesus no mundo, agem como ele agiu. Entretanto, também são instituições humanas, passíveis de erro, como demonstra a longa história do cristianismo. Quando o Reino de Deus for plenificado/estabelecido por completo, não existirão mais, pois não serão mais necessárias, como está escrito em Apocalipse 21.22. Ocupam-se principalmente das causas últimas, mas não deixam de lado as penúltimas que dizem respeito exatamente às formas de nossa convivência humana e dos cuidados com a criação. É necessário distinguir claramente entre igrejas e empresas de marketing religioso.

Igrejas são aquelas fundadas no Evangelho de Jesus Cristo. Imitam o seu Senhor em pregação, ensino e ação. Atuam no público. O público é o campo da pólis (cidade em grego), da política no bom sentido. Como Jesus, tem as pessoas empobrecidas como centro de sua atuação. Então, toda a sua mensagem e atitude tem uma dimensão política inegável, para afirmar os valores trazidos por Jesus: amor, paz, justiça social, solidariedade, perdão, inclusão, partilha. Aquelas organizações que negam os valores vividos por Jesus estão abusando quando se autointitulam “igrejas”, e prestam o serviço diabólico de criar confusão. Sobre elas Jesus disse: “E quem fizer tropeçar a um destes pequeninos crentes, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lançado ao mar” (Marcos 9.42).

• As empresas religiosas surgiram recentemente, seus pretensos pastores são peritos em marketing religioso, estudaram como ganhar o crédito das pessoas de boa fé com versículos bíblicos aplicados a esmo, tem pouca formação teológica e quase nenhuma em história da igreja, caso contrário não incorreriam em muitos equívocos em sua relação com o estado. Primam pela grandeza e imponência, veiculam sua mensagem pela TV e pelas redes sociais, na verdade adoram o bezerro de ouro, adotaram e propagam a ilusão de que riqueza é sinal de benção de Deus (e por conseguinte a pobreza é maldição), e que se pode constranger Deus a concedê-la a quem dá o dízimo, acumulam dinheiro extraído das pessoas ingênuas e de boa fé a quem prometem o que não podem cumprir; e, ao final, sobrecarregam as consciências das pessoas que não a alcançam, atribuindo a responsabilidade do fracasso à sua própria falta de fé. Escancaram sua verdadeira face, quando passam a vociferar ódio contra quem pensa diferente. Há pelo menos trinta anos, buscam conquistar poder na sociedade brasileira e por isso se envolveram claramente com a política partidária, contradizendo uma máxima de Jesus: quem quiser ser o primeiro entre vós, seja o que sirva a todos. “Sabeis que os que são considerados governadores dos povos, têm-nos sob seu domínio e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas, entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” (Marcos 10. 42-44).

• Muito diferentes são as igrejinhas evangélicas pentecostais que surgem aqui e ali, nas favelas e periferias, e que imitam Jesus no acolhimento a pessoas famintas, de gênero diverso, desempregadas, drogadas, em luto por balas perdidas, presas, doentes: “tive fome e me destes de comer..., estive preso e me visitastes..." (Mateus 25). A estes Jesus chama, vinde benditos de meu Pai. Poderia alguém dizer que sua atuação não é política, no sentido positivo de cuidar da convivência e das necessidades das pessoas?

Ao final, ainda um extrato da Carta Pastoral da Direção de minha igreja, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil:

A Igreja de Cristo não se compromete com este ou aquele partido político, mas reconhece que a política é fundamental para definir a organização e os rumos da sociedade. A palavra “política” se origina do termo grego pólis, que significa cidade, o ambiente público. A política tem a ver com a administração do âmbito público. Em 2018, a IECLB refletiu sobre o tema “Igreja, Economia, Política”. A associação das três palavras é fruto da reflexão do Reformador Martim Lutero. Para Lutero, a Igreja, a Economia e a Política existem porque Deus estabeleceu essas três ordens, e toda pessoa participa nos três âmbitos. Na concepção luterana, as três ordens da criação são modos pelos quais Deus atua e através dos quais o ser humano coopera com Deus. Fé e ação política não são excludentes, mas a Igreja de Cristo não pleiteia uma teocracia como forma de governo. A teocracia faz parte da expectativa para o futuro, que somente a Deus pertence. Por enquanto, vivemos em um Estado democrático e laico, que não pode se apropriar do nome de Deus, assim como a Igreja não pode se apropriar do Estado.

Todavia, a Igreja precisa se manifestar quando a justiça, a paz, a ética, a vida humana e a criação divina estiverem ameaçadas. Da mesma forma, a Igreja motiva o exercício da cidadania e a ação política comprometida com valores cristãos. A Igreja de Jesus Cristo quer uma política baseada na busca por justiça, paz, bem comum para todas as pessoas e cuidado com a criação de Deus.

Queremos uma política que não seja refém da economia, mas que regule a economia visando a vida e o bem comum. Neste sentido, seguimos o que Lutero escreveu no Catecismo Maior: “Precisamos de soberanos e autoridades que tenham olhos e ânimo para instaurar e manter a ordem em todos os negócios e transações comerciais, para que os pobres não sejam sobrecarregados e oprimidos, tendo que arcar com pecados alheios”. “De fato, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir” (Hebreus 13.14). Enquanto vivemos nesse mundo, apenas peregrinamos. Nossa morada definitiva será o Reino de Deus. Mas, enquanto peregrinamos, precisamos viver de forma justa e garantir que outras pessoas e as próximas gerações também possam fazer a sua peregrinação. Nestas eleições, escolha pessoas comprometidas com a paz, a justiça, a vida digna para todas as pessoas e a sustentabilidade do planeta. Nestas eleições, ouça a voz de Cristo, que diz: “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (João 10.10).

 

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