Filosofia pluralista: antropoceno versus mesoceno – o ‘anthrōpos’ em discussão

O filósofo Rodrigo Petronio discute a nova era geológica da Terra a partir da noção de mesoceno, na próxima terça-feira, em palestra virtual no IHU

Foto: Pixabay

Por: Patricia Fachin | 29 Outubro 2022

Embora haja divergências entre os próprios cientistas acerca do emprego do termo "antropoceno" para caracterizar a nova era geológica da Terra, há um consenso difuso de que a ação humana – manifesta no desenvolvimento tecnocientífico do último século – tem contribuído significativamente para um fenômeno observado: os efeitos climáticos extremos, uma consequência das mudanças climáticas ou, como advogam alguns cientistas, de um novo regime climático.

Segundo essa compreensão, o homem está no centro das transformações climáticas pela razão de ser ele próprio o agente causador da destruição da biodiversidade, gerando como consequência um desequilíbrio ambiental que tem como efeito o aumento das secas, das chuvas e das ondas de calor.

Apesar de o conceito de antropoceno ser recente na literatura e bastante incipiente no debate científico, seus efeitos, segundo o filósofo Rodrigo Petronio, não podem ser contestados. "Essas evidências, é sempre importante demarcar, não são hipóteses; elas já são comprovadas no nível empírico. Existe algo que Latour chama de mutação climática, que decorre de alterações atmosféricas, climáticas, nos diversos estratos da Terra, entendida como um sistema. Essas alterações já estão dadas. Reuniões periódicas da sociedade estratigráfica internacional, composta por químicos, biólogos e geólogos que fazem cruzamentos de dados, tentam aferir qual é o impacto dessas alterações na Terra", disse na conferência virtual que ministrou em 2021 no Ciclo de Estudos A (in)existência de um mundo comum. Pensamento vivo e mudanças possíveis à luz de Bruno Latour, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU

 

O que precisa ser discutido acerca da nova era geológica da Terra, na avaliação do filósofo, não é propriamente a nova era em si, mas a noção de anthrōpos, que está no cerne da compreensão de antropoceno. "Acredito que o conceito possui alguns problemas epistêmicos que precisam ser retificados. Um dos problemas principais é trazer em seu cerne a categoria antropos, o que gera um paradoxo. O mesmo antropocentrismo que produziu uma alteração devastadora do sistema Terra continua a ser enfatizado e reproposto pela nova época do humano, ainda que de modo negativo. Como uma alternativa a este paradoxo, criei e tenho desenvolvido o conceito de mesoceno: uma época dos meios-relações", destacou na conferência intitulada "Mesoceno: a Era dos Meios e o Antropoceno", ministrada virtualmente há dois meses no IHU

A rediscussão sobre a centralidade do ser humano nas transformações geológicas da Terra é uma das questões levantadas por Petronio no seu mais recente livro, Por que o futuro será uma Era dos Meios? (São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2021). Ele contrapõe a noção de anthrōpos com a de mesons. "Inspirado na teoria dos mesons (meios-mundos), o mesoceno pretende dissolver e relativizar a centralidade do humano em meio os demais processos da geosfera, da biosfera, da antroposfera, da tecnosfera e da cosmosfera. Esta nova (ceno) época da vida (bios) que emerge agora com o fim do Holoceno nasce de uma reconfiguração global de todas as definições de natureza, redefinida a partir da iminente exponencialização da inteligência artificial. Dessa forma, esta nova época pode vir a ser converter em uma nova era para o sapiens: a era relacional. Essa cosmologia relacional e conexionista do Mesoceno pode vir a superar as aporias e impasses de do biocentrismo e do antropocentrismo, ainda latentes nos conceitos de Bioceno e Antropoceno. Este livro pretende trazer algumas visões acerca desses problemas envolvendo o Antropoceno e levantar algumas linhas da compreensão preliminares sobre o Mesoceno", esclarece. 

Na era relacional, o ser humano não apenas perde o protagonismo que teve até então na história da humanidade como também passa a ser entendido como mais um entre os inúmeros e diferentes atores existentes na Terra, sejam eles animados ou inanimados. Essa mudança antropológica, conforme explica o filósofo, requer a elaboração de uma nova antropologia filosófica e tem impactos diretos na existência espiritual do ser humano. "O problema do antropoceno está gerando uma demanda por novas espiritualidades que consigam entender a Terra como uma grande entidade, não diria transcendental, no sentido de transcendência divina – não precisamos de Deus para pensar essas coisas e de nenhuma categoria transcendente –, mas uma grande categoria transcendental no sentido kantiano de imaginar que os processos nos escapam, que não temos mais o domínio sobre processo nenhum, que o ser humano é radicalmente frágil, contingente, precário e que, enquanto não estivermos diante dessa precariedade, enquanto não nos olharmos no espelho e não vermos o quão precários, vulneráveis e em perigo nós estamos, não vamos conseguir produzir essa transcendentalidade possível de poder integrar todos os seres em um novo paradigma".

Nesta terça-feira, 01-11-2022, Petronio explicará como aplica o conceito de mesoceno a fim de "poder produzir uma leitura em várias estruturas de circunstâncias observacionais, de comportamento, com questões científicas, culturais, humanas, e questões epistemológicas e propriamente filosóficas". A palestra, intitulada "Abismos da Leveza. Por uma filosofia pluralista”, que integra o "Ciclo de Estudos Manifesto Terrano. Construindo uma geofilosofia de Gaia", promovido pelo IHU, será transmitida virtualmente às 10h na página eletrônica do IHU, nas redes sociais no Canal IHU Comunica, no YouTube

Sobre o palestrante

Rodrigo Petronio é escritor e filósofo e atualmente é professor titular da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. Desenvolve pós-doutorado no Centro de Tecnologias da Inteligência e Design Digital – TIDD/PUC-SP sobre a obra de Alfred North Whitehead e as ontologias e cosmologias contemporâneas. É doutor em Literatura Comparada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Possui dois mestrados: em Ciência da Religião, pela PUC-SP, sobre o filósofo contemporâneo Peter Sloterdijk, e em Literatura Comparada, pela UERJ, sobre literatura e filosofia na Renascença. 

Rodrigo Petronio 

Foto: Arquivo Pessoal

Pelo IHU, Petronio publicou:

Mesoceno. A Era dos Meios e o Antropoceno, Cadernos IHU ideias, número 339.

Yuval Noah Harari: pensador das eras humanas, Cadernos IHU ideias, número 329. 

Desbravar o Futuro: a antropotecnologia e os horizontes da hominização a partir do pensamento de Peter Sloterdijk, Cadernos IHU ideias, número 321. 

 

 

Conferências

As quatro conferências que Rodrigo Petronio ministrou no Instituto Humanitas Unisinos – IHU podem ser lidas abaixo, no formato de entrevista:

Mais informações sobre o Ciclo de Estudos Manifesto Terrano. Construindo uma geofilosofia de Gaia e a programação completa estão disponíveis aqui

 

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