28 Setembro 2022
Dos anos 1950 a 1990, o Amapá viveu o sonho da prosperidade que atendia pelo nome de Serra do Navio. No local, ficava uma das maiores minas de manganês do mundo. Matéria-prima para a produção de aço, o manganês amapaense foi praticamente todo exportado, já que em nenhum momento o País atuou para a construção de usina siderúrgica no Estado.
A reportagem é de Rayane Penha, publicada por Amazônia Real, 26-09-2022.
Ao ser desativada, em 1997, a exploração do minério pela Sociedade Brasileira de Indústria e Comércio de Minérios de Ferro e Manganês (Icomi) só deixou um passivo de problemas ambientais e de saúde coletiva. Os amapaenses permaneceram pobres, ocupando a 25ª posição no ranking estadual do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2019, sua economia contribuía com 0,2% do PIB brasileiro.
É surpreendente, diante desse histórico, que os dois principais candidatos nesta eleição no Amapá, Clécio Luis (Solidariedade) e Jaime Nunes (PSD), defendam a mineração como solução para o desemprego, que atualmente é de 14,2%. O candidato do Solidariedade apresenta com mais detalhes, em seu plano de governo, propostas para “fortalecer o programa de desenvolvimento do setor mineral, com incentivo às atividades cooperativas e mineração industrial”. Já o concorrente do PSD cita a pauta mineral apenas uma única vez em seu plano de governo, mas com a ideia de criar a “Agência de Mineração e Energia do Amapá”.
Na segunda reportagem da série sobre as eleições estaduais na região amazônica, a reportagem foca nas candidaturas de Clécio Luis e Jaime Nunes por estarem descoladas das demais, segundo as pesquisas de intenção de voto. Mas também estão na disputa ao governo do Amapá os candidatos Gesiel de Oliveira (PRTB), Gianfranco (PSTU) e Gilvam Borges (MDB).
A Amazônia Real analisou os dois planos de governos e encontrou propostas genéricas relacionadas às pautas socioambientais para a preservação ambiental. Mas é possível perceber modelos distintos de governar quando as temáticas são sustentabilidade, exploração mineral e de recursos ambientais, além de um dos maiores problemas do Estado, a crise energética.
Os dois candidatos têm em comum, além da defesa do setor mineral, uma relação de morde e assopra com o atual governador do Amapá, Waldez Góes (PDT). Jaime Nunes foi eleito vice-governador em 2018, mas é Clécio Luís quem conquistou o apoio do atual governador e do seu partido. O primeiro, nesta campanha, ataca constantemente Waldez Góes e afirma que, enquanto era número 2 do Estado, não podia trabalhar pelo Amapá porque Waldez não o permitia. Já o segundo evita citar o apoio do atual governador e sempre reforça a necessidade de diversas alianças para governar. Os dois não contam com apoio direto de Jair Bolsonaro, mas as duas coligações pedem voto para o presidente.
Clécio Luís Vilhena Vieira tem 50 anos e já foi prefeito de Macapá (2013 a 2020). Sua candidatura só foi confirmada em junho de 2022 pelo Solidariedade, muito por causa de seu vaivém nas definições políticas. Apesar de se posicionar como um candidato de centro-esquerda, conseguiu a feito inimaginável de unir os partidos de Lula (PT) e Bolsonaro (PL) em prol de sua candidatura. Já foi indicado pelo PT como “o candidato de Lula ao governo do Amapá”, mas nesta campanha nunca pediu votos ao ex-presidente líder nas pesquisas.
Jaime Nunes, 63 anos, empresário e vice-governador do Amapá, não fala publicamente do seu apoio a Bolsonaro. Em uma das visitas do presidente ao Estado, encontrou-se com o atual candidato do PL à reeleição, mas o conteúdo dessa conversa nunca foi divulgado. Ele compõe o Conselho dos Consumidores da Companhia de Eletricidade do Amapá-Concea e é vice-presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Amapá.
Esses dois cargos estão ligados a temáticas que há anos são problemáticas para um desenvolvimento econômico e sustentável do Amapá. Mas tanto como vice-governador, quanto como componente do comitê da companhia de eletricidade no Amapá, Jaime Nunes não apresentou uma proposta de política para a solução das crises energéticas que o Amapá sofre.
Em seu plano de governo de apenas 15 páginas, o candidato não apresenta propostas de políticas públicas para a solução de problemas relativos ao abastecimento de energia elétrica. Ele apenas cita a criação de uma agência de mineração e energia para o Amapá. Na propaganda eleitoral, o candidato do PSD apenas menciona que, na época do apagão de um mês que o Amapá sofreu em 2020, ele disse que (sua empresa) “emprestou” um gerador para o Estado.
Procurado pela reportagem da Amazônia Real para falar sobre seu plano de governo, Jaime Nunes não respondeu aos pedidos de entrevista.
Nesta campanha, os dois principais candidatos ao governo do Amapá ignoraram o problema crônico da deficiência do setor energético. Isabelly Guabiraba, engenheira florestal e integrante do coletivo Utopia Negra Amapaense, compara essa omissão dos candidatos a uma “anulação do que foi o apagão”. Seu coletivo atuou no auxílio a comunidades periféricas e quilombolas na crise energética de 2020 e viu de perto as consequências socioambientais e de saúde pública que atingiram os amapaenses.
Atualmente, os ativistas realizam uma campanha intitulada “Acende a Luz Amapá, o apagão que nunca acaba”, que tem como objetivo discutir políticas públicas efetivas para a crise energética. Isabelly relata que o coletivo até procurou dentro dos planos de governo dos candidatos menções a esse problema, mas nada encontrou. “Não existe uma apresentação de solução para a crise energética no Amapá já que a instituição que leva energia elétrica para o Estado foi privatizada e isso é uma forma de tirar a responsabilidade dos atuais candidatos ao governo sobre esse problema” relata. A Companhia de Eletricidade do Amapá foi privatizada em 2021, vendida pelo valor simbólico de 50 mil reais para a empresa Equatorial Energia.
Clécio Luís, candidato do Solidariedade, apesar de em seu plano de governo não citar de forma direta o apagão que ocorreu no Amapá, apresenta propostas mais detalhadas para o setor energético, como a ampliação do Programa Luz Para Viver Melhor “para garantir energia elétrica, por meio do abastecimento de combustível às comunidades rurais que não dispõem de energia convencional”. O candidato também apresenta como uma de suas propostas para a questão energética no Amapá, a doação de placas solares para comunidades rurais.
Em resposta à Amazônia Real, o candidato Clécio Luís lembrou algumas de suas propostas relacionadas à crise energética, entre eles “investimentos na construção de novas subestações e na rede de distribuição, para que as constantes quedas no fornecimento de energia sejam drasticamente reduzidas. Na geração de energia, vamos trabalhar forte junto ao Governo Federal, para construção da II etapa da UHE Coaracy Nunes”. O candidato afirma que vai “elevar para aproximadamente 40 mil famílias o pagamento da conta integral de até 150 KwH/mês para as famílias cadastradas na Tarifa Social de baixa renda”.
O Amapá já possui três hidrelétricas na região do ‘Araguari, onde é localizada a Floresta Estadual do Amapá, mas essas obras nunca resultaram na solução da crise energética. Ao contrário. Segundo pesquisadores, as usinas de geração de energia são uma das causas da morte da foz do rio Araguari, que passou a desaguar no rio Amazonas gerando diversos danos socioambientais para a região, como a salinização no litoral do Amapá.
No Amapá, muitas comunidades sofrem há anos com a ausência de energia elétrica, como o distrito do Bailique, que faz parte da capital Macapá. Ele possui mais de 50 comunidades, mas não tem acesso a políticas públicas básicas, como energia elétrica e água potável. Há mais de 8 anos foram retirados os geradores de energia elétrica das comunidades do Bailique.
“A gente precisa de incentivo à ciência para tentar solucionar os problemas das populações que passam de 5 a 6 meses sem acesso a água potável por conta da salinização do rio Amazonas”, pontua Janaina Calado, professora da Universidade Estadual do Amapá e participante do Núcleo de Desenvolvimento Territorial Sustentável que atua no território do Bailique.
Embora seja um dos maiores colégios eleitorais do Amapá, com uma população de mais de 11 mil habitantes, o arquipélago do Bailique só é lembrado pelas candidaturas em ano de eleição. Sem esperar a resposta dos governantes, a solução dos comunitários tem sido adquirir placas solares. “É pela organização social que conseguem se juntar, reunir e pagar uma placa solar para que pelo menos um período do dia consigam ter acesso à energia elétrica, porque de outra forma isso não seria possível”, diz Janaina Calado.
No plano de governo do candidato do PSD, o arquipélago é citado apenas uma única vez, com o candidato Jaime Nunes prometendo “atrair investimentos para implantação de Instalações Portuárias Públicas de Pequeno Porte–IP4 em Macapá, Bailique, Santana, Oiapoque e Laranjal do Jari”.
Já o candidato Clécio Luis promete “Implantar Escola Bosque no Bailique”. O projeto prevê uma escola voltada para um modelo de educação sustentável. A antiga foi destruída por conta das constantes erosões que ocorrem no arquipélago e nunca foi reconstruída pelo governo estadual. Atualmente a Organização Social Associação Gira Mundo e os moradores do arquipélago estão fazendo uma campanha pela reconstrução da Escola Bosque no Bailique.
Apesar de possuir 62% de seu território recoberto por florestas, o Amapá vive constantemente sob o fantasma da exploração mineral massiva. Nesta eleição, Clécio Luis propõe criar o Plano Estadual de Agregados Minerais para o “ordenamento territorial da atividade” de mineração. Também deseja criar os distritos minerais do Vila Nova e Lourenço, os dois maiores garimpos do Amapá e os únicos que chegaram a funcionar com licença e cooperativas. Hoje, o garimpo do Vila Nova opera sem estar legalizado, após diversas denúncias de irregularidades da cooperativa e contaminação das pessoas e dos rios por mercúrio, como revela uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Formação Indigena (Iepé).
Em resposta à Amazônia Real, Clécio Luís aponta que o setor mineral no Amapá “precisa de atenção no planejamento, licenciamento e ordenamento. Por isso, vamos implantar uma Agência Estadual de Mineração”. A agência, segundo o candidato, servirá para fortalecer o programa de desenvolvimento do setor mineral, com incentivo às atividades cooperativas e mineração industrial.
Para Marco Antonio Chagas, professor de política ambiental e desenvolvimento sustentável da Universidade Federal do Amapá, a mineração é um setor econômico importante, porém a atividade é “mais especulativa do que produtiva”. Ele explica que esse tipo de mineração “forja” projetos de longo prazo e após extrair tudo que podem e obter lucros exorbitantes, inicia o que o professor chama de “saída legalizada”, deixando para trás passivos e desempregos. Foi o que ocorreu com a Icomi.
“O Estado é conivente, pois não é admissível que uma empresa bata à porta do governador para dizer que seu negócio ‘faliu, sinto muito ou coisa parecida’. Isso não é correto, pois toda mineradora séria trabalha com previsibilidade de vida útil da mina, quantidade de empregos e categorias, responsabilidade social e ambiental. Além do mais, a mineração somente é viável diante de uma infraestrutura (ferrovia e porto) que foi destruída pelas mineradoras que especularam no Amapá”, afirma.
Hoje, segundo o estudo Conta Regionais Amapá, de dezembro de 2021, o Estado tem uma economia baseada na área de Serviços, que representa 88,8% de sua economia. A atividade primária, como agricultura, pecuária e extrativismo vegetal, representa menos de 2% do PIB amapaense, enquanto a secundária (industrial, principalmente) é inferior a 10%. A capital Macapá tem o melhor desempenho econômico, concentrando 65,3% da riqueza do Amapá. O município de Serra do Navio, com sua histórica e predatória atividade mineradora, tem o 13º pior PIB per capita do Estado. Embora a questão ambiental apareça nos planos de governo das duas principais candidaturas no Amapá, as propostas diferem bastante.
O candidato Jaime Nunes afirma que vai “dinamizar e desburocratizar o licenciamento ambiental”, tema que é defendido pelo presidenciável Bolsonaro, que tenta a reeleição, mas tem chances de perder o cargo em 2 de outubro. Clécio Luís, por sua vez, quer inserir o Amapá no mercado de carbono e de pagamento por serviços ambientais. Outro ponto defendido pelo candidato do Solidariedade é “ampliar as ações de concessão e de manejo florestal”, e o uso sustentável dos recursos naturais disponíveis dentro das unidades de conservação do estado. Ele defende ainda fortalecer o plano estadual de combate ao desmatamento e às queimadas.
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Amapá: candidatos defendem mineração para gerar empregos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU